Um Papa que continua

A humanidade que víamos neste Papa foi sempre expressão do carinho e do amor da sua relação com Deus

É muito normal que cada Papa seja diferente: personalidades pessoais, prioridades pastorais, relações diferentes. Tudo isto advém não apenas das vivências históricas de cada homem, mas a verdade é que tudo advém das circunstâncias históricas iluminadas pelo Espírito Santo.

Os discursos mediáticos olham sempre a preto e branco as realidades sobrenaturais, mas na realidade as prioridades do Papa Francisco inseriam-se nas circunstâncias históricas que estamos a viver. Porque, para além do olhar político da escolha de um Papa – que, de facto, existe – acreditamos que há nessa escolha é habitada pelo Espírito Santo. Esse, de facto, guia e governa a Igreja…

Podemos relembrar o que diz o livro dos Atos dos Apóstolos: «Nós e o Espírito Santo decidimos não vos impor outra coisa…». O olhar do mundo sobre as realidades sobrenaturais, apenas olham para as realidades naturais… 

A sensação vamos ter nestes próximos dias é a mesma que experimentamos na partida do João Paulo II. Aliás, os que existiam antes de mim, sentiram o mesmo quando morreu o Papa Paulo VI: Era insubstituível! 

Na realidade, temos visto que em cada tempo fomos tendo o que precisávamos. Francisco foi o homem necessário para a Igreja neste tempo e veremos que o próximo Papa será o necessário. 

Dizemos de Francisco: abriu as portas da Igreja! Foi o que se disse do Papa João XXIII ao convocar o concílio: aggiornamento! Paulo VI tornou-se para muitos o homem que iniciou a reforma do Concílio Vaticano II. Amado por muitos, foi também odiado por outros com a Humanae Vitae. Também se disse o mesmo – ainda que por um mês – do Papa João Paulo II.

As narrativas sobre Francisco não irão ser muito diferentes… Porque, num mundo em profunda mudança cultural, este Papa procurou compreender a lugar da Igreja. As decisões na sua vida e do governo da Igreja procuraram exercer maior simplicidade: desceu dos apartamentos do palácio apostólico e foi viver na Casa de Santa Marta; deu maior visibilidade ao génio feminino e aos fluxos migratórios; procurou dar prioridade aos pobres, dirigindo a igreja para uma pastoral das periferias existenciais. 

Um olhar mais atento sobre a sua pessoa e no exercício do seu ministério não pode deixar de levantar algumas curiosidades: porque é que Francisco tinha tal devoção à invocação da Virgem Maria – Salus Populi Romani? Porque é que Francisco nunca visitou o seu país – a Argentina? Porque é que abriu tão largamente as portas da Igreja a «todos, todos, todos», reprimiu alguns setores da Igreja?

Acredito, no entanto, que a humanidade que víamos neste Papa foi sempre expressão do carinho e do amor da sua relação com Deus. Há um outro aspeto que acredito também fazer parte da sua vivencia. Francisco, pelo amor e a compreensão que demonstrou com tantos homens fragilizados, experimentou na sua própria carne, seguramente, muitos dos infernos existenciais que assolam a humanidade: ele não apenas tinha uma uma teoria do sofrimento, mas seguramente já experimentou muitos desses sofrimentos em si mesmo.

O futuro? Esse será, seguramente, surpreendente como pudemos experimentar nas ultimas décadas. O que sentiram as pessoas quando viram Karol Wojtila a chegar à janela da Basílica de São Pedro? Quem imaginaria que Joseph Fratzinger pudesse, alguma vez, chegar a ser eleito? E a Francisco – alguém o conhecia?

O povo diz: o futuro a Deus pertence! E eu acrescentaria: e aos cardeais!