Para Luís Mira Amaral não faz sentido Portugal ter demorado tanto tempo a repor a energia depois do apagão que ocorreu na segunda-feira e estranha que este colapso só tenha acontecido agora. «Já podia ter acontecido antes», diz ao Nascer do SOL. O ex-ministro põe ainda em causa o facto de só termos dois geradores de blackstart – sistema que permite quando já não há energia na rede e não há tensão na rede consegue fazer arrancar os geradores – o que, no seu entender, não permitiu ter uma capacidade de resposta rápida.
«O que se verificou é que só tínhamos este sistema na Tapada do Outeiro que foi uma central que lancei e na velha central de Castelo de Bode. O Governo já anunciou que vão haver mais duas centrais hidráulicas com este sistema». No entanto, quando questionado se será suficiente disse apenas: «Os experts da matéria têm de fazer uma simulação da rede. Há métodos de simulação que permitem facilmente calcular se é ou não suficiente. Já no meu tempo simulava a rede elétrica em computador, mas ter quatro blackstarts é melhor do que dois, se calhar até pode ser preciso mais alguns».
O que falhou?
Apesar de Mira Amaral lembrar que ainda não há qualquer certeza sobre o que aconteceu em Espanha, o economista lembra que o país vizinho estava, na altura, com uma grande produção de energias renováveis, nomeadamente fotovoltaicas, referindo que esta é «muito sensível à luminosidade, isto é, o problema não é só quando não há sol é também quando passam umas nuvens e a produção baixa porque os painéis são muito sensíveis à luminosidade». E, de acordo com o mesmo, «o que terá acontecido é que a produção fotovoltaica caiu bastante, tiveram de desligar e não conseguiram compensar porque uma rede assente numa grande quantidade de renováveis falta dos geradores clássicos – só tinham 5% de centrais a gás natural naquele momento – e os outros geradores não tiveram capacidade de resposta. As centrais nucleares quando há uma pequena perturbação por razões de cautela e de prudência desligam imediatamente».
E acrescenta: «O sistema elétrico com uma grande componente de energias renováveis não tem inércia mecânica como tinham os sistemas antigos das grandes centrais clássicas – carvão, gás natural e nuclear – e o sistema espanhol desligou do português. O que aconteceu? Como estávamos a importar de Espanha quando essa interligação é cortada ficou-nos a faltar 34% de energia para o nosso consumo. E a rede não teve capacidade de imediatamente compensar a perda de energia, o nosso sistema entrou em dificuldades e tivemos o apagão», referindo que o grande problema foi Portugal não ter um plano de contingências para responder a essas possíveis falhas.
O ex-governante não põe em causa a ideia de importar energia em Espanha, uma vez que, do ponto de vista económico era mais favorável e acena com o facto de estarmos no mercado ibérico de eletricidade, mas lamenta a falta de capacidade de responder a este tipo de falhas. «O que esta crise mostra é que, a partir do momento em que nos desligamos de Espanha, sozinhos não nos conseguimos aguentar. O número de horas que tivemos sem energia elétrica é vergonhoso e mostra que o país não está preparado para uma situação destas. Temos de perceber que pode haver sempre um incidente em Espanha, seja qual for, e ao desligarem, Portugal tem de ter capacidade para funcionar em modo autónomo», referindo que, «até porque tínhamos centrais paradas que deveriam ter entrado em serviço o mais rapidamente possível».
Aprendemos a lição?
Mira Amaral lamenta os resultados desta falta de ação que saltaram à vista. «Os sistemas de telecomunicações não funcionaram, o SIRESP também falhou e o que é que isto mostra? Que o país, quer no sistema elétrico, quer nas comunicações estava totalmente desprovido de um plano de contingências para fazer face a uma situação destas».
E ironiza o trabalho que tem sido feito pelos últimos governos. «Os governos PSD e PS andavam só a falar na transição energética, que éramos os maiores nesta matéria, que tínhamos maiores possibilidades de liderar nesta transição energética, mas esquecemos de fazer o trabalho de casa porque em qualquer momentos Espanha pode falhar. E se os espanhóis fizerem a tontice de acabar com as centrais nucleares haverá uma maior probabilidade de haver falhanços destes, pois haverá uma maior dependência de renováveis e uma cena destas pode vir a repetir-se no futuro com maior probabilidade do que agora», conclui.