Apagão. “Quem me dera trabalhar assim todos os días”

Deivid nunca tinha tido o estabelecimento cheio e faturou mais do dobro daquilo a que está habituado. Anabela admite que em 30 anos de trabalho, nunca tinha vendido tanta cerveja. Já Leali afirma que não parou durante nove horas.

Muito se tem falado sobre os prejuízos causados pelo apagão de segunda-feira. No entanto, o cenário não foi apenas negro. Para alguns restaurantes, cafés e lojas que vendem de tudo um pouco, foi possível fazer dinheiro, em alguns casos, como nunca. Muita gente foi dispensada do trabalho e decidiu encher as esplanadas, comprar mantimentos e procurar um local com fogão a gás para comer uma refeição quente.

No número 44C da Rua Cavaleiro de Oliveira, em Arroios, encontra-se o café/restaurante Flagrante. A esplanada não está cheia, ao contrário do que aconteceu no princípio da semana quando não havia eletricidade. «Quando acabou a luz e percebi que era geral, imaginei que seria uma coisa que se resolveria num curto espaço de tempo. Continuei com a porta aberta», conta a proprietária Anabela. Depois, começou a perceber que o problema podia ser mais grave do que aquilo que pensava. «Os boatos eram muitos, porque ‘quem conta um ponto acrescenta um ponto’! Mas disse que independentemente do que acontecesse, íamos ficar abertos enquanto tínhamos luz do dia e foi isso que fiz», continua. «Trabalhei muito bem… Com a certeza de que a eletricidade vinha à noite, todas as semanas podia haver um apagão. Foi mesmo bom para nós. Quem me dera trabalhar assim todos os dias», admite.

Segundo Anabela as pessoas consumiram salgados, bolos e muita cerveja. «Em 30 anos que estou aqui, nunca tinha vendido tanta cerveja! Ainda para mais à temperatura ambiente. Acabou a fresca e as pessoas quiseram na mesma», revela. Além disso, a proprietária ficou surpreendida pelo facto das pessoas terem dinheiro. «Apareceram- me muitas notas de 50 euros, por isso imagino que fosse dinheiro que as pessoas tinham guardado em casa», reflete.

Na mesma rua, o Estilo Brasil nunca tinha tido um dia tão bom de faturação. «O apagão aconteceu no momento em que eu estava a abrir. Sentei-me ali na mesa a pensar: ‘O que é que eu vou fazer agora?’. Não tinha energia para trabalhar, o funcionário não tinha como vir», lembra o proprietário Deivid. Deixou a porta entreaberta e não foi preciso muito até perceber que afinal o dia seria muito agitado. «Começou chegando um, depois outro, depois outro… Insistiram para que abrisse Como o meu fogão é de bilha, comecei fazendo picanha, arroz, batata frita. Fiz tanta comida. A cerveja entretanto também acabou e fui comprando aqui ao lado», partilha. «Foi a primeira vez que o meu café lotou! Vendi tudo o que tinha! Num dia normal faço 200 euros, nesse dia bati os 700», confidencia.

Trabalhar sem parar

Na Avenida de Roma, também a famosa Frutalmeidas ficou aberta nesse dia. Segundo Henrique, um dos funcionários, o dia foi um pouco «atravancado com as condicionantes que traz uma falha de energia». «Todas as casas estão presas à energia elétrica… De qualquer modo, com alguma arte e engenho fomos tendo alguns artigos para venda: fomos acabando bolos que já estavam pré-feitos, fazendo manualmente os sumos e fritando o que conseguimos com o gás. Não por nós, mais pelas pessoas que precisavam de comer», afirma. Os clientes habituais ficaram a dever e já cá regressaram para pagar. «Correu bem, trabalhou-se e ainda se fez algum dinheiro», garante.

Numa das várias mini mercearias espalhadas pela capital, Leali conta que, quando a energia foi abaixo, ficou um apreensivo. «Fiquei aqui sentado a pensar se devia ou não fechar a loja. Até que bateram à porta e me pediram para comprar uma lanterna», descreve. Depois dessa, começaram a surgir mais pessoas. Chegou a um ponto que o seu colega teve de ir gerindo as entradas, já que o espaço é pequeno. Lanternas, rádios, velas, atum, água, bolachas, ovos, feijão, grão… «Queriam isso tudo! Trabalhei até às 20h sem parar. Não me sentei, não comi. A essa hora ainda tinha a loja cheia, com algumas velas acesas. Tive mesmo de mandar as pessoas embora. Também precisava de me organizar e descansar. Foi estranho. As pessoas estavam muito assustadas», remata.