Os nazis estavam de tal modo convencidos que tinham uma máquina impenetrável, que nem lhes ocorreu que a arrogância pudesse estar a soletrar a chave da sua derrocada. Mesmo quando só restava essa explicação, recusaram-se a acreditar que alguém pudesse decifrar os seus códigos, transmitidos através das máquinas Enigma, sendo que todos os dias os seus submarinos enviavam a sua latitude e longitude exatas todos os dias. As forças aliadas só tinham de ter o cuidado de não ir com demasiada sede ao pote, uma vez que estavam a jogar à batalha naval, sabendo de antemão as posições da frota inimiga. E entre as centenas de pessoas que todos os dias decifravam os códigos para a Marinha dos EUA durante a II Guerra, estava Julia Parsons, que morreu a 18 de abril e se encontrava entre as últimas sobreviventes de uma equipa ultra-secreta de mulheres que decifravam as mensagens de e para os submarinos alemães. A sua morte, num centro de cuidados paliativos dos Veteranos, foi confirmada pela sua filha Margaret Breines. Julia tinha 104 anos.
Tendo crescido no seio de uma família que adorava resolver quebra-cabeças, ainda muito nova desenvolveu uma paixão por puzzles e palavras cruzadas, tendo crescido em Pittsburgh durante a Grande Depressão. Nascida a 2 de março de 1921, o pai, Howard G. Potter, era professor no Carnegie Institute of Technology, atualmente conhecido como Carnegie Mellon University, e a mãe, Margaret (Filbert) Potter, era professora do jardim de infância. Depois de se formar na Carnegie Tech em 1942, Julia trabalhou numa fábrica de material bélico do exército. Viria a juntar-se ao esforço de guerra no verão de 1942, depois de ler num jornal um artigo sobre um novo programa da Marinha dos EUA chamado Women Accepted for Volunteer Emergency Service, ou WAVES. «Não havia nada para as mulheres fazerem a não ser ficar em casa e esperar»,lembrou ela numa entrevista em 2022. «Eu não queria ficar em casa, à espera.»
O programa de recrutamento foi um êxito, e foi uma das 100 mil mulheres que se juntaram às WAVES, tendo deixado Pittsburgh, em 1943, para se formar como oficial no Smith College, em Massachusetts, onde frequentou cursos de criptologia, física e história naval. Após a formação, foi enviada para o Anexo de Comunicações Navais, em Washington.
Um dia, um oficial perguntou-lhes se alguém sabia falar alemão. Como a tinha estudado dois anos no liceu, levantou a mão. «Mandaram-me imediatamente para a secção Enigma e comecei a aprender a descodificar o tráfego de mensagens dos submarinos alemães logo no primeiro dia de trabalho», disse numa entrevista ao Veterans Breakfast Club. «As mensagens inimigas chegavam durante todo o dia de todo o Atlântico Norte, além do Mar do Norte e do Golfo da Biscaia.»
O puzzle da Enigma começou a ser desvendado no final da década de 1930, quando matemáticos polacos, utilizando informações recolhidas pelas autoridades francesas, procederam à engenharia inversa do dispositivo alemão, e começaram a desenvolver a Bombe, uma máquina de decifrar códigos semelhante a um computador. Os polacos partilharam a informação com as autoridades britânicas, e, em 1941, depois de a Marinha Real ter capturado um submarino alemão com uma máquina Enigma a bordo, numa das operações que se tornou um dos segredos mais bem guardados da guerra, o matemático britânico Alan Turing utilizou-a para aperfeiçoar a Bombe. As autoridades britânicas enviaram depois à Marinha dos EUA instruções para a construção da Bombe.
No Anexo de Comunicações Navais dos EUA, em Washington, Julia Parsons e centenas de outras mulheres usaram a Bombe para decifrar transmissões de rádio militares alemãs, revelando informações que foram fundamentais para encurtar e vencer a guerra, sendo que o seu trabalho de criptologia salvou algumas vidas e simultaneamente acabou com outras.
«Pensar que todos nós contribuímos para a morte de alguém não me caiu bem», disse Parsons ao The Washington Post. Ainda assim, mostrou-se orgulhosa de tert tido uma papel num período decisivo, tendo ajudado a pôr um fim à guerra. «Foi uma época muito patriótica no país», disse ao HistoryNet em 2021. «Toda a gente fez alguma coisa. Toda a gente era patriótica. Foi uma bela época para esse tipo de coisas.»