Momentos antes do debate de emergência no Parlamento sobre o fornecimento de energia, que decorreu esta quarta-feira, a ministra do Ambiente e da Energia Maria da Graça Carvalho defendeu ao Nascer do Sol uma aposta na modernização da rede elétrica, da capacidade de armazenamento do país e, sobretudo, do incremento das interligações do sistema ibérico à rede europeia. Garante que Portugal não depende de Espanha e acusa um país – a França – de estar a colocar barreiras ao mercado interno europeu, a principal política da construção da União Europeia.
Portugal depende ou não de Espanha em termos energéticos?
Não. Estamos interligados, como deveríamos estar mais interligados com o mercado elétrico europeu, por uma questão de segurança do abastecimento e até para podermos resolver problemas que acontecem. Espanha, por exemplo, só conseguiu recuperar [do apagão] porque está ligada à França. Nós, como só estamos ligados a Espanha e a Espanha estava com problemas, tivemos que recuperar sozinhos através do nosso Black Start. Mas se Espanha tivesse uma ligação maior, mais forte, a França teria recuperado mais depressa.
Nestes dias ouvimos muito falar nesta expressão da “ilha ibérica de energia”…
… que somos, porque eles só têm 2% ou 3% de ligação de eletricidade a França. Estamos aqui muito isolados do ponto de vista de energia.
Diminuir esse isolamento é benéfico? Há quem diga, por exemplo, que ele foi vantajoso para nós quando foi da crise energética russa.
Sim, é benéfico. Na questão da segurança do abastecimento é benéfico, porque ao estarmos interligados podemos ser abastecidos por outro lado. Agora, quando acontece alguma coisa, claro que se propaga. Foi o que aconteceu aqui. Começou em Espanha e propagou-se por Portugal. Para recuperar, teria sido mais benéfico estarmos mais ligados a França.
No Parlamento Europeu defendeu a construção destas interligações da Península Ibérica com o resto da Europa através de França. O que é que tem sido feito nesta matéria?
Em todas as todas as cimeiras, em todas as visitas do Presidente de França a Portugal, em todas as reuniões europeias a nível do Conselho onde está o Primeiro-Ministro e ao nível dos ministros da Energia, em todas elas eu falo das interligações elétricas, o primeiro-ministro fala das interligações elétricas, o ministro dos Negócios Estrangeiros fala das interligações elétricas. Na segunda feira, no dia do apagão, fui a um pequeno almoço na embaixada da Polónia, que é o país da presidência, falar sobre energia e estava lá a senhora embaixadora francesa. É até uma posição um pouco desconfortável para mim, mas lá tive que chamar a atenção… Temos aqui um grande problema porque a França continua a pôr barreiras à construção das interligações. Estamos sempre a escrever cartas individuais ou em conjunto com Espanha. Vamos escrever uma nova, que já preparámos, que vamos pedir a ministros de outros países para assinar, para levar ao conselho dos ministros da Energia, para pressionar novamente a França. Temos pressionado a Comissão Europeia porque isto não é só um problema da Península Ibérica com França. É um problema do mercado europeu, do mercado interno e o mercado interno é uma das principais políticas ou a principal política da construção europeia. Há aqui um país que está a por barreiras ao mercado interno.
Porque acha que há essas barreiras francesas?
Porque a França tem energia nuclear e, portanto, não tem objetivamente interesse. O interesse é nosso.
Ou seja, a França é um país exportador de energia e a ligação abre a porta também ao envio da nossa energia para lá.
Exatamente.
Mas a energia das renováveis da Península Ibérica pode ser fundamental para a segurança energética europeia.
Podem ser fundamentais, pois estaríamos todos interligados Estarem ligados a nós dá-lhes também mais segurança.
Sobre o apagão em específico, o ex-diretor geral da energia disse que a decisão de encerrar as centrais a carvão do Pego e Sines trouxe fragilidades ao sistema elétrico nacional. Mas o ex-secretário de Estado da Energia, João Galamba, escreveu um artigo no ECO a dizer que se essas centrais estivessem em funcionamento não teriam feito diferença. Em que é que ficamos?
Não, não teriam feito a diferença. Isto é independente da tecnologia. Isto foi uma questão da rede. Aliás, uma prova de que isto é um facto é que Espanha tem centrais nucleares e centrais a carvão e o problema foi em Espanha. Portanto não teria feito diferença nenhuma. É independente da tecnologia que produz a eletricidade, isto é uma questão de uma estabilidade na rede. Houve um blackout que se propagou.
O que é que poderia ter feito alguma diferença?
Termos, tanto em Espanha como em Portugal, redes mais resilientes. Nós estamos a trabalhar nisso: termos mais armazenamento de energia, uma maior digitalização da rede, uma maior interligação a França. A Espanha reforçar a sua interligação a Marrocos. E se a questão voltar a acontecer ter uma capacidade de começar mais rápida, através do Black Start. Daí irmos agora tratar dos procedimentos para ficarmos com quatro [centrais capazes de reiniciar o sistema sozinhas] em vez de duas. Para que depois seja mais rápido e diminua a probabilidade de alguma não arrancar. Porque nas primeiras duas horas nenhuma das centrais que podem começar sozinhas conseguiu ligar. Tivemos problemas. Uma só arrancou à sexta vez e outra à terceira ou à quarta. Portanto, temos quatro aumenta a probabilidade de sermos bem sucedidos. A Espanha só com a interligação a França e Marrocos é que conseguiu arrancar com as centrais. Portanto isto também nos dá a maior segurança. Se houver um problema, conseguir resolvê-lo rapidamente.
E o que está a ser feito em termos de investimento e modernização destas redes elétricas? Porque é disso que estamos a falar, não é?
Sim. Nós temos autorizado a REN a fazer investimentos na rede elétrica. Ainda agora financiámos no PRR 100 milhões de euros para baterias para armazenamento. Estamos a preparar com Espanha um concurso em paralelo, não é conjunto, para aumentar o armazenamento e a garantia de potência. Isso dá-nos uma maior resiliência do sistema a que podem concorrer [projetos de] bombagem hídrica, baterias ou centrais de ciclo combinado. Continuamos nesta nossa luta das interligações. Isto é o que é importante para dar resiliência à rede elétrica.
Durante muitos anos a REN pedia investimento e eles não eram autorizados.
Há cada vez mais a consciência de que o principal investimento que temos que fazer no sistema para produção de energia é na rede. Felizmente a produção das renováveis não precisa de financiamento público. Ela já é competitiva. Os financiamentos, as políticas públicas, têm que ser muito dirigidas para a rede e para melhorias na rede.