Não é preciso vir de Singapura ou do Qatar para achar a Portela sofrível. Nem é preciso sequer vir do chamado primeiro mundo. Chega vir do segundo, e às vezes até do terceiro, onde há aeroportos que podem ter menos luzes, menos freeshops, menos marcas, menos espaços de restauração apinocados, mas – para já não falar nas filas da imigração – conseguem que as pessoas que por lá circulam caibam (nas partidas e nas chegadas) com algum espaço vital entre elas, e também conseguem entregar as malas em dois ou três quartos de hora (vá lá, para não ser muito exigente). Por cá, isto não acontece, e, para fazer jus aos enlatados portugueses que se tornaram brand e à lentidão que é precisa para produzir um bom pastel de nata, andamos como sardinha em lata e, quanto a bagagem, esperamos pelo menos o tempo que a massa leva a levedar. Mas tudo está bem, quando acaba bem, e depois o país é encantador, soalheiro, boas praias, segurança, comida ótima, gente simpática, et cetera. Verdade, mas talvez não fosse mal pensado fazer um aeroporto, de uma vez por todas.
Ah, e tal, já se vai fazer. Vai? Quando? Já não sei bem. Nem sei bem onde. Perdi o norte, pois há tantos anos que ouço falar no assunto, discutir o assunto, decidir, adiar, reformular, polemizar, questionar, voltar a adiar, depois decidir, depois assim-assim, e tudo de novo outra vez. Ah, e tal, que não se tratou da coisa a tempo porque não se podia prever que Portugal, em menos de duas décadas, se transformaria num destino tão fashion, e ainda por cima multifacetado, porque cá embarcam e desembarcam gentes muito diversas. Pois, talvez há 20 anos não pudesse, talvez, mas digamos que há 10 já poderia, não? E agora também, olhando ao que já aconteceu e ao que pode acontecer em poucos anos. E nem me atrevo a falar em 10 ou 15 anos, que deve ser o que levará a concluir a Santa Engrácia do novo aeroporto, depois de mais decisões, adiamentos, discussões e, certinho, providências cautelares e processos (ou não fossemos nós um País-Processual) – quando finalmente se avançar (se é que alguma vez) e começarem a chover as críticas e as suspeitas e, et pour cause, as denúncias e os chiliques. O costume.
Entretanto, e como diria Galileu, eppur si muove. A vida anda. E nós nisto, muito enredados na coisa paroquial e pequenina, com muita discussão e muita procrastinação. Por isso pedi o título de empréstimo a Susan Sontag, embora para sustentar o contrário do que ela sustentou em A Doença como Metáfora. A autora desafia (e bem) a culpabilização do doente, em especial nos casos (que usa como paradigmas) da tuberculose e do cancro. A doença física não é expressão de nenhuma capitis diminutio da pessoa, não há nenhum shame on you. A culpa da doença não é do doente. Porém, no caso do aeroporto eternamente por fazer, é. É nossa. É desta nossa atávica incapacidade de tomar decisões, e de realizar eficazmente, em tempo (ainda que com exceções). É expressão de um certo modo de ser como povo. Shame on we.
P.S. – Estava este texto já escrito, quando se deu o apagão que virou muita coisa do avesso e mostrou a nossa fragilidade e como as coisas são, afinal, precárias. Nesse dia, indo a pé do escritório para casa, tive um déjà vu, regressei por momentos ao início do confinamento causado pela pandemia. E, outra vez, constatei a obsessão de muitos em se abastecer, não de água, comida ou medicamentos, mas de papel higiénico. Estranha obsessão, porventura outra metáfora. Quase mudei de tema e de texto. Foi por um triz que não agarrei no papel higiénico como metáfora.