Preços que teimam em subir

Os valores do mercado imobiliário continuam a bater recordes – na compra e no arrendamento. E a tendência deverá manter-se. Este é o primeiro de uma série artigos do Nascer do SOL que, nas próximas cinco semanas, fará um raio-X à habitação em Portugal

Os preços no mercado imobiliário em Portugal continuam a bater recordes atrás de recordes e, de acordo com os vários responsáveis do setor ouvidos pelo Nascer do SOL, a tendência é para continuar, a par de uma procura elevada, tanto para comprar como para arrendar. 

E isso é visível pelos alertas do próprio Banco de Portugal ao admitir recentemente que a procura por crédito à habitação está a aumentar. Segundo o inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito, «o nível geral das taxas de juro, o regime regulamentar e fiscal do mercado da habitação e, em menor grau, a confiança dos consumidores contribuíram para o aumento da procura». 

E os números falam por si. Em março, os empréstimos para compra de casa cresceram 5,4% face ao mesmo mês de 2024, registando «a maior taxa de variação anual desde setembro de 2008», segundo os dados mais recentes divulgados pelo regulador. 

A instituição liderada por Mário Centeno diz ainda que ‘o stock de empréstimos para habitação aumentou 908 milhões de euros relativamente a fevereiro, totalizando 104,4 mil milhões de euros no final de março. Trata-se do montante acumulado mais elevado desde maio de 2014.

«No final de março, havia 1,96 milhões de devedores de crédito à habitação, mais 2476 devedores do que no mês anterior», salientou. 

É certo que medidas direcionadas para os jovens para a compra de casa deram um novo ‘empurrão’ a este mercado. É o caso da garantia pública – o Estado pode conceder uma garantia pessoal a instituições de crédito com vista à viabilização de concessão de crédito à habitação própria e permanente, para jovens até aos 35 anos – em que esta modalidade já representa 55% das novas operações de empréstimo para a compra de habitação. 

Uma ‘novidade’ que também terá contribuído para subir os valores dos imóveis em Portugal. De acordo com os últimos dados do Imovirtual, o preço médio de venda de habitação em Lisboa ultrapassou, pela primeira vez, os 600 mil euros, já a nível nacional, o preço médio de venda situou-se nos 397 mil, mais 20% do que há um ano e 2% acima do valor registado em março. Na região Norte, o preço médio de venda foi de 241.250 euros, crescendo 14% em termos homólogos e 4% face ao mês anterior. O Porto manteve-se como o distrito mais caro da região, com um valor médio de 389.900 euros (+18% num ano). Aveiro também se destacou com uma valorização de 17%, fixando-se nos 339.675 euros.

É certo que estes valores exigem um esforço financeiro por parte de quem compra. Segundo o idealista, o preço de uma habitação de dois quartos em Portugal equivale a mais de 15 anos de todos os rendimentos de uma família. «O preço mediano de um imóvel com estas características é de 270.789 euros, o que representa 15,7 vezes os 17.297 euros de rendimento líquido anual das famílias», salienta.

Um outro estudo da Confidencial Imobiliário revela que no 1.º trimestre, os preços de venda das casas em Portugal Continental aumentaram 6,6% face ao final de 2024, registando a maior subida trimestral desde 2007. E acrescenta:«A subida acelerada dos preços continua a refletir a elevada dinâmica de procura, que se confirma uma vez mais no 1º trimestre de 2025, período no qual se estima a venda de 40.750 habitações no país», afirmando que «este é um volume que mantém o mercado a transacionar acima das 40.000 unidades, apesar de 5% abaixo do patamar observado no trimestre anterior. Nesse trimestre contabilizaram-se 43.100 transações, um pico que inclui vendas que tinham sido adiadas, por exemplo fruto de medidas como a garantia pública». 

E face a este cenário, o relatório conclui que «o 1.º trimestre de 2025 mantém-se em linha com o padrão registado no 4º trimestre de 2024 e sustenta o nível de crescimento homólogo do mercado em torno dos 25%. De facto, as estimativas de vendas para o 1º trimestre de 2025 apontam para um aumento de 28% do número de habitações transacionadas comparativamente ao trimestre homólogo». 

Arrendamento com preços altos

As notícias não são mais animadoras para quem procura uma casa para arrendar. Portugal é atualmente o quinto país da União Europeia com maior percentagem de inquilinos em situação de sobrecarga financeira. Em 2024, mais de 30% das famílias portuguesas que arrendam casa destinavam mais de 40% do seu rendimento disponível ao pagamento da habitação, incluindo renda e outras despesas associadas. 

Um cenário reconhecido ao Nascer do SOL pelo secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses. «Não há zona nenhuma que escape à subida dos preços das rendas. E se só houver uma casa para arrendar então vai para quem pagar mais. Não nos podemos esquecer que os preços da habitação foram pressionados pelos programas dos vistos gold e principalmente dos residentes não habituais, tanto em relação às rendas como em relação à compra», acena António Machado (ver entrevista na página 34). 

Já António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários, justifica estes preços com o facto da economia estar a fluir. «As coisas já estão caras em si», mas descarta responsabilidades dos lados dos senhorios. «De há uns anos para cá todos os governos têm tido a habilidade de transmitir o ónus desta responsabilidade aos privados que são donos de uma casa ou de um prédio e que arrendam casas. Podem enganar quem quiserem, mas sabemos perfeitamente que dá 20 ou 30 anos que não se faz habitação social e também as cooperativas acabaram ingloriamente», refere ao nosso jornal (ver entrevista na página 35). 

Mas apesar do mercado continuar a apresentar valores altos (ver infografia), de acordo com o idealista, a oferta de habitação no mercado de arrendamento aumentou 49% entre o início de 2025 e o mesmo período de 2024, referindo que esta subida pode ter duas interpretações: «Por um lado, os proprietários podem sentir-se mais atraídos em rentabilizar os seus imóveis no arrendamento. E, por outro, a pressão da procura por casas para arrendar tem vindo a diminuir, uma vez que a compra de habitação se tornou mais interessante perante a queda dos juros e os incentivos fiscais, além dos altos preços das rendas».

E lá fora?

Esta crise no setor imobiliário não se verifica apenas em Portugal. Há vários países a enfrentarem os mesmos problemas e há quem opte por apertar o cerco aos compradores estrangeiros. Aliás, Os economistas do Banco Central Europeu admitiram recentemente que  esperam que os preços da habitação na zona euro continuem a subir rapidamente, uma vez que a procura recuperou quando baixaram as suas taxas de juro. 

E, como tal,  preveem que os preços da habitação na zona euro continuem a subir porque a oferta é limitada e a procura é saudável. No entanto, reconhecem que este aumento dos preços da habitação não é saudável para as perspetivas da economia no seu conjunto.

Espanha é um dos países afetados, em que os movimentos de cidadãos têm apontado o modelo de turismo descontrolado e a especulação imobiliária como responsáveis.

Uma crise que tem levado a um aumento de denúncias por ocupação ilegal que tem vindo a disparar nos últimos, deixando os proprietários de pernas e mãos atadas. Ao Nascer do SOL, António Frias Marques, reconhece que esse movimento tem vindo a aumentar em Portugal, principalmente na margem sul de Lisboa. «Os casos que temos tido conhecimento são todos na margem sul do Tejo. É o caso Cacilhas, Charneca da Caparica e por aí para esses lados. A polícia quer identificá-los, mas não conseguem ou porque não têm cartão de cidadão ou nem sequer abrem a porta», salienta.

Também a crise habitacional em Berlim atingiu níveis alarmantes e tem levado os residentes da capital alemã a adotarem estratégias, nomeadamente a troca direta de casas entre inquilinos. Conhecido com uma espécie de Tinder imobiliário assenta em sites especializados que ligam inquilinos com perfis compatíveis, onde se procura o par certo para uma troca.

Já a Austrália, a partir do início de abril e por dois anos, os investidores estrangeiros estão impedidos de comprar casas no país, uma medida para responder ao aumento dos preços dos imóveis. Segundo o Governo australiano, a restrição será revista em março de 2027, quando o período de proibição de dois anos terminar, para o executivo determinar se deve ser prolongada. E a somar a estes há muitos mais casos.