Kevin Joseph Farrell. O cardeal que prepara o Conclave e fica no comando da Igreja até à eleição do novo Papa

O cardeal recordou o dia em que o Papa Francisco lhe pediu para ser o camerlengo. Estavam a regressar a Roma da Jornada Mundial da Juventude de 2019, no Panamá, e Francisco fez-lhe a pergunta na classe executiva.

O seu brasão, tal como o selo que usa para fechar o acesso aos aposentos papais, é adornado com as duas chaves de São Pedro e o lema latino “Sede Vacante”, que significa o tempo que medeia entre a morte ou renúncia de um papa e a eleição de outro. Kevin Joseph Farrell teve, no passado dia 21 de abril, o momento mais solene que o seu cargo de camerlengo exige: anunciar ao mundo a morte do pontífice. Este processo é, hoje, bem menos teatral do que foi no passado, quando o camerlengo chamava o nome do papa três vezes enquanto lhe tocava na testa com um martelo de prata. O cardeal americano-irlandês, não só presidiu ao funeral como, até à eleição do sucessor de Francisco, assume o cargo de chefe interino do Estado em exercício do Vaticano. Neste período, cabe-lhe a gestão dos assuntos correntes, do património temporal do Vaticano, não estando, no entanto, autorizado e tomar decisões que afetem a Igreja Católica.


Nas funções de camerlengo (ou camareiro), não só é responsável por presidir ao ritual de certificação da morte de Francisco como está encarregue de retirar o chamado “anel do pescador” do dedo de Francisco, que simboliza oficialmente o fim do seu papado, destruindo-o com uma grande tesoura, e assim garantindo que ninguém pode aprovar documentos com o seu selo papal, como é a figura central nos preparativos do funeral. Coube-lhe, assim, a colocação do corpo do Papa no caixão da capela na Casa Santa Marta, onde residia, tendo liderado a procissão que levou o corpo desde a capela até à Basílica de São Pedro.


O cardeal Kevin Farrell recordou o dia em que o Papa Francisco lhe pediu para ser o camerlengo. Estavam a regressar a Roma da Jornada Mundial da Juventude de 2019, no Panamá, e Francisco fez-lhe a pergunta na classe executiva. Farrell estava em Roma há apenas alguns anos, tendo sido convocado do seu posto anterior, o de bispo de Dallas, para reorganizar o recém-formado Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, uma parte fundamental das reformas de Francisco. Três anos depois de ter começado a trabalhar, Francisco pediu-lhe que assumisse este papel que está impregnado de mitos e mistérios, mas que também tem responsabilidades no mundo real: gerir o Vaticano durante o frequentemente traumático “interregno” entre papados e ajudar a organizar o conclave para eleger o próximo pontífice.


Nascido em Dublin, na Irlanda, Kevin Farrell, de 77 anos, passou a maior parte da sua carreira nos Estados Unidos, acabando por adquirir a cidadania americana. Formado pelos Legionários de Cristo, uma congregação mais tarde perturbada por escândalos de abuso sexual, e com um Master of Business Administration (MBA) da Universidade de Notre Dame, no Indiana, Farrell tornou-se bispo de Dallas em 2007 antes de ser chamado ao Vaticano pelo Papa Francisco. «Disse-lhe que aceitava o cargo, mas com uma condição», recordou Farrell numa entrevista em 2022, sorrindo ao recordar a conversa que tiveram. A condição era que o Papa teria de pregar no funeral do próprio Farrell, refletindo a esperança de Farrell de morrer antes de Francisco e de nunca se ver obrigado a atuar como camerlengo.


Sendo 11 anos mais novo que o Papa, Farrell não queria considerar a possibilidade de viver mais do que Francisco, a quem atribuía o mérito de ter colocado a Igreja Católica num caminho crucial de renovação, redirecionando-a para longe da defensiva da guerra cultural e de volta à sua essência evangélica de inclusão. «Estávamos sempre a defender-nos: A auto-preservação era o tema da igreja», disse Farrell. «E o Papa Francisco levou-nos para além da auto-preservação», de volta a uma mensagem de acolhimento e acompanhamento.


Mas o fatídico dia chegou. «Às 7h35 da manhã, o Bispo de Roma, Francisco, regressou à casa do Pai», disse Farrell no dia 21, num vídeo transmitido pelo Vaticano. Irá permanecer no cargo durante a “Apostolica Sedes Vacans”, sendo que o último ponto previsto para as tarefas do camerlengo no protocolo do Vaticano é a reabertura do quarto e do escritório do Papa, que só poderá ocorrer quando houver fumo branco, sinalizando a escolha do novo líder da Igreja Católica.


Farrell mantém, como se disse, as funções administrativas, respondendo como chefe de Estado do Vaticano pelas decisões terrenas, enquanto os aspetos religiosos ficam suspensos até à eleição do novo sumo pontífice. Uma das raras curiosidades num perfil, de resto, bastante apagado, é o facto de o seu irmão também ocupar um alto cargo no Vaticano: o bispo Brian Farrell, de 81 anos, é secretário emérito do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos.