Rádio a pilhas

Enquanto o rádio nos ligava ao país, cá fora, o apagão trouxe as pessoas para a rua, para conviver, caminhar ou fazer desporto.

Na passada segunda-feira, o dia amanheceu igual a tantos outros, mas rapidamente se revelou tudo menos comum. Num instante, as luzes apagaram-se, os ecrãs pintados a negro, os telemóveis deixaram de ter rede. Portugal e Espanha mergulharam, quase em simultâneo, num apagão que durou horas e que nos tirou aquilo que, nos tempos de hoje, julgamos imprescindível: a eletricidade e, talvez ainda mais inquietante, a rede de comunicações móveis, os dados e o imediatismo.


Foi um silêncio estranho. Não o silêncio das palavras, mas o silêncio dos sinais, das notificações. Deixámos de poder enviar mensagens, de ver as notícias, de ouvir a azáfama digital que normalmente preenche os nossos dias. Não era apenas a ausência de luz – era a ausência de informação, de ligação ao mundo exterior. E com essa ausência, veio a inquietação: o que se está a passar? Teria sido um ciberataque? Um acidente em cadeia? Algo ainda maior?


Foi então que, em casa, nos lembrámos de ligar o rádio da minha avó. Normalmente, o rádio está ligado à corrente mas perante o apagão tivemos de recorrer às tradicionais pilhas. O velhinho rádio a pilhas com antena de metal e botões de rodar viria a ser o grande protagonista do dia.
Ali estava ele, o rádio, a fazer aquilo que sempre fez: informar, acompanhar, consolar. Foi através dele que percebemos que o apagão era generalizado, que as autoridades estavam a trabalhar na reposição da rede, que os hospitais estavam a funcionar com geradores, que não estávamos sozinhos. A rádio tornou-se, naquele momento, a única ponte entre o nosso desconcerto e alguma forma de compreensão. Quem diria que numa era tão digital e frenética, o rádio seria o nosso grande aliado, o herói deste longo dia caótico.


Curiosamente, enquanto o rádio nos ligava ao país, cá fora, o apagão trouxe as pessoas para a rua, para conviver, caminhar ou fazer desporto. Eram muitos os vizinhos à conversa, com tempo, intrigados com tudo o que se estava a passar. Foi como se, por um momento, o apagão tivesse sublinhado algo essencial: a vida real, feita de presenças físicas e olhos nos olhos.
Este apagão foi um lembrete duro, mas necessário, da fragilidade da nossa dependência tecnológica. Quando tudo falha, o essencial naturalmente se afirma. E, naquele dia, o essencial foi uma frequência FM que atravessou as paredes do tempo para nos lembrar que, às vezes, o que é velho não é ultrapassado – é simplesmente fiável.


Fica aqui o meu testemunho. E a minha homenagem ao rádio. Que nunca deixemos de o ouvir, nem que seja para recordar que a ligação mais importante é, por vezes, aquela que não precisa de Wi-Fi.