O peso da habitação no orçamento das famílias: entre a necessidade e a sobrecarga

A compra de casa, apesar de ser vista por muitos como um investimento a longo prazo, tornou-se progressivamente inacessível, especialmente para as famílias com menores rendimentos

A habitação é, por natureza, um bem essencial e uma das principais despesas do orçamento das famílias. Nos últimos anos, o custo associado ao acesso a uma casa, seja por via do arrendamento ou da compra, tem vindo a atingir proporções alarmantes, comprometendo a sustentabilidade financeira de milhares de agregados familiares.

O aumento generalizado dos preços das casas e das rendas, impulsionado por diversos fatores como a escassez de oferta, a pressão do turismo, a especulação imobiliária e a subida das taxas de juro, tem obrigado as famílias a afetar uma fatia cada vez maior do seu rendimento mensal à habitação. Em muitos casos, essa despesa ultrapassa o valor da taxa de esforço recomendado de 35% do rendimento disponível, colocando em causa a capacidade de resposta a outras necessidades básicas como a alimentação, a saúde, a educação e a poupança.

A compra de casa, apesar de ser vista por muitos como um investimento a longo prazo, tornou-se progressivamente inacessível, especialmente para as famílias com menores rendimentos. A subida das taxas de juro agravou substancialmente o valor das prestações do crédito à habitação, levando muitos consumidores a recorrer às poupanças acumuladas ou a renegociar os seus contratos. Ainda assim, o risco de incumprimento aumentou e a capacidade de mitigar os efeitos do aumento das prestações ficou seriamente comprometida.

Algumas das medidas atualmente em vigor, como a isenção de IMT, de Imposto de Selo e de emolumentos para os jovens, têm sido bem acolhidas, como demonstram os dados divulgados pelo Banco de Portugal. Estas isenções permitem poupar alguns milhares de euros. No entanto, continuam a não resolver a questão de fundo: o acesso ao crédito exige rendimentos compatíveis com o valor do empréstimo e capacidade para suportar mensalmente esse encargo.

Outra medida adotada prevê que o Estado possa conceder uma garantia pessoal a instituições de crédito com vista à viabilização de concessão de crédito à habitação própria e permanente, para jovens até aos 35 anos. Permite a concessão de empréstimos até 100% do valor da compra, o que é uma resposta interessante, mas não isenta de riscos. Ao permitir o financiamento da totalidade do imóvel, pode aliviar o esforço inicial com a entrada, mas exige um acompanhamento rigoroso para garantir que não coloca os consumidores em situação de maior vulnerabilidade futura, nomeadamente em contextos de instabilidade financeira.

No mercado de arrendamento a situação é igualmente preocupante. A escalada dos preços nas principais zonas urbanas está a empurrar muitas famílias para soluções habitacionais precárias, frequentemente distantes dos seus locais de trabalho, das escolas e das redes de apoio, afetando negativamente a qualidade de vida, a mobilidade e a coesão social. Apesar da existência de apoios como o Programa Porta 65 Jovem ou o apoio extraordinário à renda, persistem críticas quanto à eficácia e à morosidade na atribuição por parte das entidades responsáveis.

A DECO tem acompanhado com especial atenção esta realidade, recebendo diariamente testemunhos de consumidores em situação de vulnerabilidade habitacional. Ao longo dos últimos anos, a Associação tem alertado para o impacto que os encargos com a habitação estão a ter no equilíbrio financeiro das famílias, exigindo medidas eficazes que promovam o acesso a uma habitação digna e compatível com os rendimentos reais da população.

Perante este cenário, torna-se urgente repensar as políticas de habitação e reforçar os apoios públicos, com medidas que promovam o acesso a soluções habitacionais adequadas, sustentáveis e compatíveis com os rendimentos reais das famílias.

Só com uma abordagem integrada, participada e centrada nas necessidades reais da população será possível aliviar o peso da habitação nos orçamentos familiares e garantir, de forma efetiva, o direito a uma habitação condigna.