Para um voto esclarecido!

A presente análise procura, por isso, identificar convergências e divergências, destacar pontos fortes e fragilidades nas propostas partidárias.

Se tivesse seguido a boa regra alentejana, em vez de ficar sentado à espera que a Defesa Nacional surgisse como tema sério na campanha eleitoral, teria ficado deitado — e teria feito melhor. Adiante! As eleições legislativas de 2025 decorrem num cenário de elevada incerteza geopolítica e de exigências crescentes para a segurança coletiva e a soberania dos Estados. A guerra prolongada na Ucrânia, a instabilidade persistente no Médio Oriente, a ascensão estratégica da China e os sinais de retração do compromisso internacional dos Estados Unidos representam desafios significativos à arquitetura de segurança europeia e global.

Neste contexto, a Defesa Nacional adquire uma centralidade estratégica inédita para Portugal — não apenas enquanto membro ativo da NATO, da União Europeia e das Nações Unidas, mas também como país com responsabilidades na promoção da segurança cooperativa no espaço atlântico e lusófono. No entanto, é como se vivêssemos numa ilha isolada, onde nem um apagão serve para tirar lições — quanto mais um conflito armado a algumas horas de voo de Lisboa. É precisamente neste enquadramento que se torna essencial uma análise crítica dos programas eleitorais dos principais partidos, avaliando como cada um projeta o papel de Portugal no domínio da Defesa, que prioridades definem para as Forças Armadas (FFAA), de que forma articulam inovação tecnológica e investimento industrial com a segurança nacional, e, sobretudo, como pretendem compatibilizar essas ambições com os constrangimentos orçamentais e as sensibilidades sociais do país.

A presente análise procura, por isso, identificar convergências e divergências, destacar pontos fortes e fragilidades nas propostas partidárias, sempre à luz dos compromissos internacionais de Portugal, das exigências da modernização militar e da necessidade de reforçar a ligação entre a Defesa e a sociedade civil.

AD – Coligação PSD/CDS

A coligação AD (PSD/CDS) propõe uma estratégia ambiciosa, assente na valorização das Forças Armadas, na aposta em inovação tecnológica e no reforço dos compromissos com a NATO, UE e CPLP. Destaca-se a meta dos 2% do PIB para a Defesa, o apoio à indústria nacional de duplo uso, a modernização do Arsenal do Alfeite e a resposta a ameaças híbridas. No entanto, peca por falta de hierarquização de prioridades, calendário de execução e concretização dos mecanismos financeiros propostos. A proposta de reforçar o Pilar Europeu da NATO e de aumentar o investimento em Defesa de forma “responsável” — sem comprometer o Estado Social — revela-se ambiciosa e de difícil sustentabilidade prática, sobretudo quando se aponta simultaneamente a CPLP como eixo estratégico da política externa em matéria de segurança e defesa. Tal ambição multipolar requer, antes de mais, o cumprimento da meta de investimento superior a 2% do PIB e a inversão da tendência de quebra no recrutamento, bem como a valorização dos quadros permanentes das Forças Armadas (FFAA), conforme reconhecido nas metas estratégicas do programa.

A ausência de uma clara hierarquização de prioridades é uma fragilidade do programa, numa extensa lista de medidas apresentada sem cronograma ou fases de execução que distingam o essencial do desejável. Além disso, a referência a “mecanismos complementares de financiamento” carece de concretização, deixando dúvidas sobre se se trata de parcerias público-privadas, endividamento externo, recurso a fundos europeus ou outros instrumentos. Por outro lado, algumas propostas — como a valorização do Arsenal do Alfeite ou a integração do património militar em redes de turismo — já constavam de programas anteriores, sem terem tido execução efetiva. Por fim, apesar da ênfase na dignificação da condição militar, o programa diz pouco sobre formas de reforçar a ligação entre as Forças Armadas e a sociedade civil, nomeadamente através da promoção da literacia em Defesa Nacional nas escolas e universidades.

Em conclusão, o programa da AD é tecnicamente robusto, geopoliticamente atento e com uma visão integradora entre Defesa, economia e inovação. O seu sucesso dependerá, em última instância, da capacidade de execução efetiva, da gestão orçamental rigorosa e da articulação entre os objetivos estratégicos e a comunicação com os cidadãos sobre o valor da Defesa Nacional para a soberania, a segurança e o desenvolvimento de Portugal.

Partido Socialista (PS)

O PS mantém uma linha de continuidade, valorizando a estabilidade, o multilateralismo e a condição militar. Aposta na ciberdefesa, no IASFA e na presença do Estado em zonas de baixa densidade. Contudo, evita compromissos com metas orçamentais da NATO e apresenta propostas tímidas para inverter a quebra no recrutamento. A sua maior virtude — a prudência — pode transformar-se em fraqueza perante o novo ambiente estratégico.

A prioridade parece residir na estabilização e modernização das Forças Armadas, no reforço das missões no quadro das organizações multilaterais e na valorização da condição militar — sem, no entanto, romper com as restrições orçamentais do passado recente. A ideia de utilizar o dispositivo militar para reforçar a presença do Estado em zonas de baixa densidade populacional é inovadora no plano político e alinha com o conceito de segurança humana. O programa, porém, continua a ser comedido em termos de ambição operacional e financeira. Falta clareza sobre como Portugal atingirá (ou sequer se compromete a atingir) o objetivo dos 2% do PIB em Defesa, como estabelecido pela NATO. A ausência deste compromisso afeta a credibilidade externa e a coerência interna com as exigências da prontidão operacional. É pouco concreto quanto à recapacitação de meios, nomeadamente em domínios críticos como defesa antiaérea, guerra eletrónica, drones, reabastecimento em voo ou vigilância marítima. A LPM surge como um instrumento de continuidade, mas sem clara adaptação ao cenário de guerra de alta intensidade que domina o contexto atual. Reconhece-se o problema da falta de efetivos e da perda de quadros qualificados, mas as soluções propostas são ténues, pouco inovadoras e sem medidas estruturais. Não se identifica um plano de choque para reverter a quebra no recrutamento, nem uma reforma efetiva do modelo de serviço militar e pouco propõe sobre como reforçar a cultura de defesa na sociedade, sobretudo entre os jovens. A Defesa continua afastada do discurso político e educativo, o que compromete o apoio social necessário à sustentabilidade do esforço de Defesa.

Em conclusão, o programa do PS para a Defesa Nacional é tecnicamente consistente, mas revela um défice de ambição estratégica e de investimento face às exigências da conjuntura internacional. A sua maior virtude reside na estabilidade e continuidade institucional, mas essa virtude arrisca tornar-se uma fraqueza se o país não acompanhar a transformação acelerada do ambiente de segurança global. O sucesso deste programa dependerá menos da sua execução técnica e mais da capacidade política de sair de uma lógica de defesa “mínima” e assumir uma visão de Defesa como instrumento estratégico do desenvolvimento nacional.

Comparando os programas dos partidos com responsabilidade governativa:

Visão Estratégica

EixoColigação AD (PSD)Partido Socialista (PS)
Visão EstratégicaVisão clara, centrada na resposta às ameaças globais (Ucrânia, China, Médio Oriente, EUA). Papel ativo e credível na NATO, ONU, UE, Frontex.Continuidade, valorização do multilateralismo. Menor ousadia geoestratégica.

Investimento e Orçamento

EixoColigação AD (PSD)Partido Socialista (PS)
Investimento e OrçamentoMeta >2% do PIB. Fala em “mecanismos complementares” (PPP? fundos?). Equilíbrio com Estado Social.Evita assumir meta dos 2%. Modelo tradicional de financiamento. Prioridade ao Estado Social.

Recursos Humanos e Condição Militar

EixoColigação AD (PSD)Partido Socialista (PS)
Recursos Humanos e Condição MilitarPropõe novos modelos de voluntariado. Valorização dos quadros e dignificação dos militares.Reconhece problemas, mas sem soluções novas. Foco na estabilidade e apoio social.

Capacidades e Modernização

EixoColigação AD (PSD)Partido Socialista (PS)
Capacidades e ModernizaçãoModernização antiaérea, ciberdefesa, Espaço, Alfeite. Aposta em indústria dual e inovação.Continuidade da LPM. Menor foco na indústria de defesa como motor económico.

Planeamento, Execução e Comunicação

EixoColigação AD (PSD)Partido Socialista (PS)
Planeamento, Execução e ComunicaçãoMedidas extensas, sem cronograma. Promessas reincidentes sem explicação. Comunicação externa forte.Planeamento moderado, sem hierarquização. Comunicação institucional, sem reforço da literacia.

CHEGA

O Chega apresenta um programa marcado por forte carga simbólica, com promessas de investimento acelerado, reorganização estrutural das FFAA e amplos benefícios fiscais para militares. O objetivo de atingir os 2% do PIB em investimento em Defesa até 2026 é coerente com os compromissos internacionais de Portugal e responde ao crónico subfinanciamento das Forças Armadas, contudo, esta promessa conjugada com um vasto pacote de benefícios fiscais, sociais e de reequipamento, carece de fundamentação orçamental. A proposta de uma reserva voluntária e mobilizável reforça o modelo de resiliência em tempos de crise ou ameaça híbrida, algo alinhado com as práticas de outros países europeus.

A proposta de abandonar a organização por ramos (modelo “napoleónico”) para adotar uma organização por componentes funcionais (terra, mar, ar, ciberespaço) não é acompanhada de explicação operacional, jurídica ou comparativa. Tal alteração exigiria uma reforma profunda da estrutura de comando, doutrina, formação e legislação da Defesa Nacional. A insistência em afirmar que as Forças Armadas devem ser exclusivamente compostas por cidadãos portugueses pode colidir com direitos de cidadãos da UE ou luso-descendentes e a promessa de isenções fiscais amplas e permanentes (IMI, IMT, IRS) para militares e antigos combatentes, sem critérios de rendimentos ou escalões, pode configurar iniquidades e criar jurisprudência social difícil de sustentar. A forte carga simbólica e identitária, com pouca operacionalização deste programa encontra a sua maior incoerência no reconhecimento do papel das Associações Profissionais como parceiras, algo que nas FFAA é completamente dispensável e que mostra que este programa peca por excesso de voluntarismo, ausência de rigor orçamental e uma certa tendência para a dramatização institucional e simbólica, com riscos de incompatibilidade jurídica e desadequação operacional. Uma reforma da Defesa exige visão de Estado, diálogo técnico e sustentabilidade — dimensões que, neste programa, aparecem diluídas em slogans mais do que sustentadas por planos concretos.

Iniciativa Liberal (IL)

O programa eleitoral da IL para a Defesa Nacional em 2025 é fiel à sua identidade ideológica: aposta na transparência, na racionalização dos recursos e no compromisso com os aliados da NATO e da União Europeia. A IL no programa propõe auditorias e despolitização, mas falha ao omitir temas críticos como a valorização dos militares, a indústria de defesa ou a aposta tecnológica — tratando a Defesa como mero problema de gestão, e não como desígnio estratégico. É um programa que revela as limitações de uma abordagem excessivamente tecnocrática a um setor que exige compreensão das novas ameaças do século XXI. Falta à proposta liberal uma reflexão séria sobre o papel da indústria de defesa nacional, sobre a valorização dos militares e sobre o investimento em tecnologias emergentes, como os sistemas autónomos. Ignorar estes domínios é desconsiderar as dinâmicas que hoje moldam o poder militar e a segurança internacional. A IL apresenta um diagnóstico sóbrio e reformista, mas no essencial, trata a Defesa como um problema de eficiência administrativa, quando é, acima de tudo, um desígnio nacional que exige liderança, investimento e visão de longo prazo.

Partido Comunista Português (PCP)

O PCP para não variar, defende uma política de defesa nacional orientada para os interesses internos, com menor dependência da NATO e EU, a valorização das carreiras militares e melhoria das condições de habitabilidade nas unidades, além do reforço da indústria de defesa pública e participação dos militares na gestão dos seus serviços sociais.

Bloco de Esquerda (BE)

O BE propõe, a redução da dependência de alianças militares como a NATO e o reforço da transparência e controlo democrático sobre as Forças Armadas.

LIVRE

O LIVRE defende, uma política de defesa centrada na paz e nos direitos humanos, a redução do orçamento militar e foco em missões civis e ambientais e o reforço da cooperação internacional não militar.

Pessoas-Animais-Natureza (PAN)

O PAN propõe a redução progressiva do orçamento de defesa, a conversão das Forças Armadas para missões ambientais e de proteção civil e a promoção da paz e desmilitarização.

Em resumo, os partidos à esquerda do PS — PCP, BE, LIVRE e PAN — propõem uma reorientação da Defesa para missões internas, ambientais e civis, com menor dependência da NATO e cortes no orçamento militar. São visões coerentes com as suas ideologias, mas desajustadas do contexto internacional atual. Vivem num mundo que já não existe e acreditam que a segurança coletiva pode ser garantida sem meios credíveis de dissuasão, sem alianças militares robustas e sem investimento sustentado nas FFAA. Esta visão ignora até a necessidade de Portugal cumprir os seus compromissos internacionais — não apenas por solidariedade, mas por interesse próprio.

Para finalizar, muitas perguntas concretas ficam no ar:

– Afinal que FFAA queremos? Vamos aguardar pela discussão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional? Como se faz um programa sem se saber o caminho a seguir e como lá chegar?

– Que efetivos precisamos? E como os vamos obter, treinar e reter? Sim ou não a outras formas de serviço militar e como? Que papel da sociedade civil?

– Que reformas estruturais vão ser levadas a cabo para reduzir o peso administrativo e aumentar a operacionalidade das FFAA, a começar pela Tutela?

– Que meios financeiros vão ser alocados e que desburocratização vai ser assumida para agilizar o reforço de meios das FFAA e a industrialização da Defesa?

– Num esforço europeu conjunto, com missões iguais, vão os nossos soldados ter salários iguais aos demais aliados?

– Ou até assuntos mais simples como, vão rever a diferenciação estatuária entre militares pendurados na Caixa Geral de Aposentação e outros na Segurança Social? Etc…

Portugal precisa de uma visão estratégica clara, sustentada em investimento responsável, valorização dos seus militares e articulação entre soberania, inovação e sociedade. A Defesa Nacional não pode ser apenas uma rubrica orçamental — deve ser assumida como um pilar do desenvolvimento e da segurança coletiva.

Falta em todos os programas pragmatismo, objetividade e rumo! O quê, quando, como, com que meios, para quê e porquê são perguntas que qualquer plano militar deve responder. Estes programas como orientação para a tropa são um, mais um, bom romance de leitura agradável. Se daqui tirarem a vossa escolha de voto já o tempo não ficou perdido!

Fernando Figueiredo, Cor