Vaticano pede silêncio aos cardeais das redes sociais

Até quarta-feira, início do Conclave, os cardeais podem passear por Roma, mas o Vaticano não gostou de ver o ‘folclore’ da morte do Papa nas redes sociais. Américo Aguiar foi um dos ‘visados’.

O cardeal, e bispo de Setúbal, Américo Aguiar tem um dom especial em ver o seu nome nas notícias. «É mais forte do que ele. Cabe na cabeça de alguém um cardeal, durante as cerimónias fúnebres do Papa, dizer que espera que o wi-fi funcione com o Espírito Santo?», questiona um teólogo ao Nascer do SOL. Adepto confesso das redes sociais, e de toda a comunicação social, Américo Aguiar chocou parte dos seus pares em Portugal, e não só, com a publicação de uma foto a que deu o título «os três cardeais Juventude do Papa Francisco» – com o cardeal Mykola, de 45 anos, católico grego ucraniano radicado na Austrália; e o cardeal Giorgio Marengo, de 50 anos, da Mongólia.

«O Vaticano chamou a atenção de todos os cardeais para o dever de recato e para o secretismo que o momento exige. Claro que Aguiar foi um dos visados até por ser dos mais ativos nas redes sociais», explica ao nosso jornal fonte do Vaticano. A mesma fonte garante que o bispo de Setúbal foi ‘aconselhado’ a deixar as redes sociais, pois o seu comportamento estava a ser «muito pouco teológico, digamos assim».

De facto, quem procurasse por D. Américo Aguiar no Instagram recebia como mensagem «utilizador não encontrado». A Renascença avançou então que o bispo de Setúbal «tomou esta opção por questões de isolamento e recolhimento, numa altura em que decorrem reuniões preparatórias para a realização do processo de eleição do próximo Papa». Vale a pena transcrever mais um pouco da notícia da rádio católica: «D. Américo Aguiar é conhecido por ser particularmente ativo nas redes sociais, nomeadamente no Facebook e no Instagram, com partilha de fotografias e vídeos. Este sábado [dia 26], o cardeal partilhou publicamente uma fotografia da urna de Francisco no final da cerimónia das exéquias na Basílica de São Pedro e, antes dessa, uma outra no interior da mesma Basílica com os ‘três cardeais Juventude do Papa Francisco’, como o próprio escreveu».

Quebrar o silêncio

Recentemente, D. Américo Aguiar não resistiu a tanto silêncio e decidiu escrever a mais de 400 pessoas que com ele trabalharam na Jornada Mundial da Juventude, bem como a alguns jornalistas. O texto tem o sugestivo nome ‘De Roma, em vésperas do início do Conclave’. «Apesar de tudo o que se diz, vê e escreve, nada nos prepara para participar no funeral de um Papa, do nosso Papa, nem para os trabalhos preparatórios de um Conclave. As emoções foram e são muitas. Vão desde a tristeza de uma partida anunciada, mas nunca desejada, ao sentimento de vazio e de saudade. Vão desde a alegria dos encontros e reencontros, à surpresa da beleza e da consolação. A beleza da última morada na terra do nosso amado Papa Francisco e a consolação de falar com os pobres de Roma, que fui encontrando pelas ruas e que vinham ter comigo para me dizerem que perderam um Amigo», escreveu o cardeal. Nos dias que tem andado por Roma, só será obrigado a isolar-se a partir de dia 7 de maio, altura em que começa o conclave que irá eleger o futuro Papa, D. Américo foi ‘descoberto’ por um jornalista irlandês com quem teve um diálogo curioso. Richard Chambers estava sentado num passeio do Vaticano e D. Américo decidiu sentar-se ao seu lado, perguntando se ali era a sala de espera. Como o jornalista irlandês não perguntou se era padre, Américo Aguiar mostrou-lhe o anel de cardeal, tendo seguido viagem de seguida, mas pedindo recato e confidência ao jornalista…

Voltemos à carta de Américo Aguiar enviada na quinta-feira passada: «Lágrimas, sorrisos, abraços e vazios. Têm sido dias muito intensos que me exigem um silêncio e uma solidão que não se configuram à minha natureza, mas que, de alguma forma, trazem sentido aos dias que se aproximam». Citando aqui o personagem Diácono Remédios de Herman José, paremos um pouco para perceber melhor a mensagem: «Têm sido dias muito intensos que me exigem um silêncio e uma solidão que não se configuram à minha natureza». E é esta afirmação que dá força à fonte vaticanista que afirma que Américo Aguiar como outros cardeais foram chamados à pedra para não terem tanto protagonismo nas redes sociais e fazerem o que é pedido nestas alturas: rezar e meditar, além, obviamente, de conhecer os outros cardeais durante as sessões das Congregações Gerais que englobam todos os cardeais eleitores, bem como mais uma meia centena de não eleitores, que têm mais de 80 anos.

A situação financeira e as divergências

Nas últimas sessões, têm sido discutidos temas tão diversos como a situação económica do Vaticano, «incluindo a eclesiologia do povo de Deus, a sinodalidade e a colegialidade episcopal para superar a polarização, as vocações para a vida sacerdotal e religiosa e a evangelização, com foco na correspondência entre o vivido e o anunciado. As reflexões também citaram a polarização na Igreja e a divisão da sociedade como uma ferida. Houve também muitas referências aos textos do Concílio Vaticano II, Lumen Gentium e Gaudium et Spes», lê-se no Vatican News, órgão oficial da Igreja Católica .

A partir de dia 7, quando os 133 cardeais entrarem na Domus Santae Marthae, antes de irem para a Capela Sistina (ver PÁGS. 42-43) a vida de Américo Aguiar e dos seus pares irá mudar. Se será um dia ou mais, só «o Espírito Santo saberá», como ironiza a fonte vaticanista.

Terminemos com o nosso cardeal que poderá ter como destino o Porto depois da eleição do novo Sumo Pontífice, pois o Vaticano não está muito satisfeito com o comportamento do bispo Manuel Linda.

 «Interrompo este silêncio para me dirigir a cada um de vós, pedindo-vos que rezem por todos os Cardeais. Acima de tudo, para que este tempo que ainda nos separa do início do Conclave não se gaste em especulações, críticas e anseios. Não é tempo de julgar, de adivinhar ou de lançar sortes. É tempo de rezar, de ter Fé e de ter Esperança. De viver com paz os dias que nos separam de aplaudirmos com palmas e coração o novo sucessor de Pedro. É tempo de não perder a alegria, aquela que nos pede a nossa condição de crentes. Contem com a minha oração por todos, todos, todos».