E o médico nem para mim olhou…

O médico que verdadeiramente olha para o seu doente não vê apenas a doença. Vê uma pessoa que tem uma história, medos, dúvidas e expectativas. Quando esse olhar está ausente, não é apenas a relação que se deteriora mas também a qualidade dos cuidados prestados.

Jorge saiu do consultório, desanimado e… revoltado! Acabava de ter uma consulta médica marcada há mais de seis meses. Quando entrou no gabinete, o médico estava sentado ao computador, de costas, e assim ficou durante os dez minutos da consulta. Em nenhum momento ele olhou para aquele doente ansioso, nem se preocupou em saber como se sentia desde a última consulta. E o Jorge tinha coisas para lhe dizer… sentia-se pior, bastante cansado, e a emagrecer muito. Não teve oportunidade para dizer o que quer que fosse… A “consulta” terminou abruptamente com um “volte cá daqui a seis meses”. Nem uma palavra mais, nem um olhar, nem exame físico, nem sequer um cumprimento de despedida. Na sala de espera estavam mais quinze doentes à espera de serem atendidos…

O tempo é um recurso fundamental para a prestação de cuidados de saúde humanizados. A pressão para atender um grande número de doentes em períodos limitados compromete significativamente a qualidade do atendimento. É necessário ter tempo para a consulta médica, com duração adequada, de modo a permitir uma avaliação completa do doente e possibilitar que o doente exponha as suas dúvidas sem constrangimentos. Mas a presença do médico tem que ir além da simples presença física. Implica a total disponibilidade emocional durante o contacto com o doente, implica atenção e escuta ativa, uma linguagem corporal adequada, ou seja, a demonstração de um genuíno interesse pela narrativa do doente. Sabe-se que a duração da consulta e o contato visual estão relacionados com a perceção do doente sobre a empatia do médico.

A construção de uma relação de confiança entre o doente e o seu médico é essencial para um eficaz cuidado de saúde. A confiança desenvolve-se através da existência de uma comunicação clara e transparente, com honestidade e respeito pelo sigilo profissional, com a competência técnica sempre aliada a sensibilidade humana. A relação médico-doente é a base da medicina humanizada e caracteriza-se pelo reconhecimento da individualidade e da autonomia de cada doente. A empatia, a presença, a escuta, a comunicação verbal e não-verbal, o exame físico, são elementos fundamentais para a construção de uma relação, que é única, entre médico e doente.

No entanto, esta relação tem vindo a alterar-se. Outrora alicerçada numa relação de proximidade, deparamos hoje com consultas apressadas e despersonalizadas onde se ouve frequentemente a queixa: “O médico nem para mim olhou”. O computador tornou-se o centro da consulta médica. Muitos médicos passam mais tempo a olhar para o monitor e a fazer registos informáticos do que a estabelecer contacto visual com os seus doentes.

O médico que verdadeiramente olha para o seu doente não vê apenas a doença. Vê uma pessoa que tem uma história, medos, dúvidas e expectativas. Quando esse olhar está ausente, não é apenas a relação que se deteriora mas também a qualidade dos cuidados prestados. Sentir o olhar atento do médico não é só uma questão de cortesia, é uma vantagem clínica.

“O médico nem para mim olhou” não é só uma queixa. É um alerta para a necessidade urgente de recentrar a medicina na pessoa que sofre e que procura ajuda. É um apelo para que o médico não esqueça o gesto simples, mas fundamental, que é olhar, olhos nos olhos, o ser humano, doente, que está à sua frente.

João Pedroso de Lima, Médico

Movimento Cívico Humanizar a Saúde – Coimbra

Referências:

  • Montague et al. Nonverbal interpersonal interactions in clinical encounters and patient perceptions of empathy. J Participat Med. 2013, Aug 14
  • Claude IA