Quais as consequências e como acabará a política de tarifas de Donald Trump?

Muitas têm sido as razões apontadas para explicar a violenta e brutal imposição de tarifas a praticamente todos os países e também o modo como este processo tem sido conduzido. A personalidade de Donald Trump tem sido uma das explicações…

A imposição de tarifas aduaneiras sobre as trocas comerciais entre os EUA e a quase totalidade dos países do mundo, decididas pela Administração Trump (AT), significam uma mudança radical da política de liberalismo criada e desenvolvida nos últimos 70 anos, para a qual os EUA foram um dos principais obreiros e que contribuiu decisivamente para o crescimento económico mundial e para a melhoria, em geral, das condições e vida das populações no planeta.

A razão invocada para esta radical mudança, pelo Presidente americano, foi a de que todos os países, com destaque para a China, União Europeia e outros países industrializados, se tinham aproveitado e ‘explorado’ os EUA, através de tarifas comerciais abusivas, havendo agora, por consequência, o direito de responder (retaliar) em conformidade.

Nenhuma análise ou facto comprovado fundamenta esta decisão da AT. Desde 1960 que o PIB per capita dos EUA tem crescido a um ritmo muito mais rápido do que o da União Europeia e o da China, situando-se atualmente em cerca de 80.000 dólares por habitante, cerca do dobro do PIB per capita da União Europeia (EU) e mais de 4 vezes do PIB per capita chinês (dados do Banco Mundial).

Um outro aspeto também invocado pela AT diz respeito à alegada necessidade de elevar as tarifas às exportações de outros países para os EUA, para assegurar a reciprocidade das tarifas americanas com as desses outros países.

Várias análises e estudos, publicados na imprensa internacional, vieram demonstrar que não há qualquer fundamento ou justificação, com base na reciprocidade, para o violento e brutal aumento das tarifas que põe seriamente em causa a economia mundial e aumenta fortemente os riscos de recessão.

Como um dos muitos exemplos, em que esta reciprocidade não existe, refira-se o caso do Vietname a quem foi aplicada uma tarifa de 46% quando a diferença real entre as tarifas médias, entre os EUA e este país, se situa apenas em cerca de 7%: 

Outro exemplo, tem a ver com a proposta da EU de um acordo com os EUA, com tarifas ‘zero’ para os produtos industriais, que foi recusada pela AT.

No já famoso quadro apresentado por Donald Trump na conferência de imprensa em que divulgou as novas tarifas, estas são o resultado de uma formula que relaciona o saldo comercial entre os EUA e os países considerados e a importação desses países. 

Para além da impossibilidade, em termos de teoria económica e da prática real, de haver um saldo comercial equilibrado/positivo a favor dos EUA com todos e cada um dos países, seus parceiros comerciais, a formula acaba por revelar que o objetivo é penalizar os países que têm um superavit comercial com os EUA, como é o caso, por exemplo, da União Europeia, nos produtos industriais (recorde-se a importância da compra pelos consumidores americanos, de carros europeus) e também do já citado exemplo do Vietname que tem um grande excedente comercial porque foi deslocalizada para este país a produção de bens que são importados massivamente devido à procura dos consumidores americanos (como é o caso dos produtos da Nike).

Os défices comerciais americanos, devem-se muitas vezes à falta de competitividade dos produtos industriais americanos (mas não dos serviços avançados tecnológicos como a Google, por exemplo) nos mercados mundiais, (por exemplo a presença de carros americanos no espaço europeu é diminuta), e não se combatem com a imposição de tarifas, a não ser que estas consigam generalizadamente a relocalização (’reshoring’) para os EUA das produções que, no processo de globalização, foram deslocalizadas para os países que apresentavam vantagens competitivas, como mão de obra barata, acesso a matérias primas essenciais, menores exigências ambientais etc.. 

Esta relocalização pretendida pela AT, por via da imposição de tarifas, poderá ser possível em casos concretos de grandes empresas, nomeadamente americanas (como o caso da Apple na produção de smartphones) mas não de forma generalizada, por parte de empresas não americanas, por forma a repor a situação que existia antes da globalização.

Esta política protecionista, baseada em tarifas, conduz, como a história evidenciou, no passado, a situações de recessão e de crise profundas que contribuíram fortemente para a eclosão da II Grande Guerra Mundial.

Muitas têm sido as razões apontadas para explicar a violenta e brutal imposição de tarifas a praticamente todos os países e também o modo como este processo tem sido conduzido.

A personalidade de Donald Trump tem sido uma das explicações, sendo classificado como alguém irracional, rancoroso, um ‘bully’ que se convence de uma determinada verdade/objetivo e que procura atingi-lo pela força e intimidação.

Num registo menos personalizado e mais racional, a explicação para a imposição de tarifas estaria no combate aos sérios problemas e desequilíbrios da economia americana, com os seus permanentes défices quer externos quer orçamentais, de uma dimensão colossal, e que só tem sido sustentáveis, sem o colapso financeiro e uma enorme crise cambial, devido à confiança na economia americana e à força e ao papel do dólar como instrumento de troca, de acumulação e poupança, a nível mundial.

As tarifas seriam o instrumento para evitar o penoso ajustamento que a economia e a sociedade americanas teriam que inevitavelmente levar a cabo para combater esses desequilíbrios, fazendo ‘pagar a fatura’ desse ajustamento a todos os países do mundo. 

Contudo, esta política de tarifas, para além dos riscos de desencadear uma recessão e crise a nível mundial, de causar a rutura das cadeias de fornecimento (’supply chains’ ) a nível global e de aumentar a inflação e penalizar os consumidores americanos, tem ainda o efeito de atingir aqueles principais alicerces que referi, e que têm contribuído para a supremacia dos EUA: a força do dólar e a confiança dos investidores a nível mundial.

Se estes considerarem não ser segura a aplicação dos seus capitais nos EUA, não investindo na divida americana, e que o dólar não é mais um refúgio seguro (safe heaven) em caso de crise, como tem sempre acontecido no passado, como por exemplo em 2008, na Grande Crise Financeira, a situação pode tornar-se insustentável. 

Existem já sinais neste sentido com as taxas de juro (’yields’) das Obrigações do Tesouro (’bonds’) a 10 anos (’Treasuries’) a aumentarem depois do anúncio das tarifas, o que pode ser ainda muito mais agravado se a China decidir, como retaliação, a venda massiva de cerca de 700.00 milhões de dólares de ‘bonds’ americanas que possui, fazendo aumentar as ‘yields’ e o custo de financiamento da divida dos EUA que necessitam de refinanciar cerca de 9,3 triliões de dólares de divida em 2026.

Também o dólar se desvalorizou cerca de 10% desde o anúncio das tarifas, em relação a um cabaz das principais moedas internacionais (euro, yene, franco suíço etc.) e em relação ao euro, quando no inicio do ano se projetava quase a sua paridade com o dólar, este tem vindo a desvalorizar-se continuamente, tendo registado já cotações de cerca de 1euro=1,15 dólares. Esta desvalorização pode agravar-se, ainda mais, em resultado das criticas e tentativas de substituição do Presidente da FED (autoridade monetária e financeira independente) por parte de Donald Trump

Numa crise, estes movimentos de aumento das taxas de juro e desvalorização da moeda, são típicos das economias emergentes mas não de uma economia considerada a mais avançada do mundo.

Mas a explicação mais plausível para a imposição de tarifas é de ordem política. A globalização e a consequente deslocalização de produção industrial para fora dos EUA, nomeadamente para a China, motivou o declínio e a crise económica e social em várias regiões dos EUA.

Esta desindustrialização conjugada com o tradicional conservadorismo dos Estados rurais do Mid-West e a sua visceral desconfiança para com as elites americanas, levou à existência de um eleitorado de dezenas de milhões de americanos recetivos a políticas populistas e a um líder com a personalidade de Donald Trump. 

Neste sentido Donald Trump não é uma causa, mas um sintoma, uma consequência das condições resultantes da globalização que surgiu também pela incapacidade da ‘esquerda’ democrata em ‘ganhar’ esses milhões de votantes, descontentes.

E a questão fundamental que agora se coloca é se, e quando, esta política de tarifas, protecionista, poderá ser revertida.

Infelizmente dada a personalidade de Donald Trump e as condições políticas hoje prevalecentes, em que os 4 grandes poderes: Presidência, Senado, Câmara dos Representantes e Supremo Tribunal, são por ele controlados ou influenciados, não antevejo uma mudança de política, a não ser que a desconfiança (revolta) dos mercados leve a uma situação de extrema gravidade financeira, pelo não investimento nas Obrigações do Tesouro americanas, pelo abandono do refúgio no dólar e pelo colapso de Wall Street, das bolsas de valores americanos, a que Donald Trump, ele próprio, (e os seus aliados mais chegados) é bastante sensível.

Se tal não acontecer, a única esperança é que as próximas eleições parlamentares, para a Câmara dos Representantes e para o Senado, possam trazer uma mudança profunda a favor do Partido Democrata. 

Mas estas terão lugar somente daqui a mais de um ano e meio de distância e ninguém hoje pode antecipar a extensão dos danos entretanto causados pelas políticas de Donald Trump.