Visitei recentemente Copenhaga, pela primeira vez. Um mimo, como já me dissera um amigo!
Localizada junto ao estreito de Øresund, que separa a Dinamarca da Suécia, a capital dinamarquesa estende-se por ilhas e penínsulas, desenhando uma paisagem plana, apenas interrompida pelos pináculos das torres que se erguem sobre o casario harmoniosamente alinhado ao longo dos tranquilos canais. Com cerca de 660 mil habitantes (mais de dois milhões na área metropolitana), é uma urbe que alia dinamismo a uma qualidade de vida exemplar. Conhecida pela aposta na sustentabilidade, destaca-se pela profusão de bicicletas e espaços verdes. A arquitetura reflete o equilíbrio entre história e vanguarda: dos clássicos palácios reais e edifícios do centro às ousadas criações contemporâneas, como a Ópera ou o CopenHill – uma central de valorização energética de resíduos que inclui também uma pista de ski.
A par disso, o render da Guarda Real no Palácio de Amalienborg (na imagem) é um ritual perpetuado diariamente ao meio-dia (tal como o tiro de canhão ao nascer do sol!). Antes e depois da aparatosa cerimónia militar, a fanfarra desfila galhardamente pelo centro da cidade, tocando uma música festiva que eleva o espírito. Pergunto-me se não será por razões como esta que os descendentes da tribo dos Danos se contam entre os povos mais felizes do mundo!
Sem que me ocorresse de imediato o conto O Soldadinho de Chumbo, de Hans Christian Andersen (1805-1875), dei por mim a pensar que, apesar da modernidade de Copenhaga, a harmonia e a magia do seu centro histórico fazem lembrar uma cidade de brincar em tamanho natural. As suas casas de tijolos, que certamente inspiraram Ole Kirk Christiansen (1891-1958), criador do sistema LEGO, os seus canais (junto a um deles, mesmo defronte do Palácio de Christiansborg, fica a casa onde nasceu Niels Bohr, Prémio Nobel da Física em 1922 pelas suas contribuições para a compreensão da estrutura atómica), o antigo hospital, que mais parece de bonecas (e que agora é um excecional museu de design), e as formações da Guarda Real, tudo ali contribui para uma atmosfera de encantar. Evidentemente, só num lugar como aquele poderia ter surgido O Soldadinho de Chumbo.
Publicada em 1838, esta história – que, apesar do final infeliz (ainda que belo!), foi escrita para crianças – narra as aventuras e desventuras de um soldadinho que tinha apenas uma perna e que se apaixona por uma bailarina de papel. Julgava que ela, por ter uma perna levantada, era sua irmã de infortúnio. O soldadinho fora fundido a partir de uma velha colher de estanho, quando já não havia metal suficiente para preencher todo o molde, ficando por isso com o corpo incompleto.
Os soldadinhos de chumbo – ou melhor, de estanho, conforme a sua designação em línguas como o dinamarquês (tinsoldat) ou o inglês (tin soldier), entre outras – foram, em tempos, muito populares entre as crianças; atualmente, são sobretudo procurados por colecionadores. Eram geralmente feitos de estanho, mas também de chumbo ou de ligas metálicas de baixo ponto de fusão, como o peltre – uma liga composta por estanho (entre 85 e 99%) e um outro metal, que lhe confere dureza (cobre, antimónio, bismuto ou chumbo). Dependendo da sua composição, o peltre apresenta um ponto de fusão entre 170°C e 230 °C.
Os soldadinhos de brincar dos nossos dias não representam uma unidade militar, como os antigos, são figuras solitárias feitas de plástico e com o aspeto de criaturas fantásticas, frequentemente inspiradas em super-heróis, monstros ou seres de ficção científica. Muitas outras coisas mudaram desde a época em que o célebre escritor dinamarquês viajou pelo nosso país (na altura, também um reino), que, em Uma Visita em Portugal em 1866, descreveu nos seguintes termos: «Que transição, ao entrar em Portugal, vindo de Espanha. Era como sair da Idade Média para entrar no presente. Via à minha volta casas acolhedoras caiadas de branco, matas cercadas por sebes, campos cultivados, e nas grandes estações podia-se sempre tomar qualquer refresco. Aqui haviam chegado também, como uma brisa, as comodidades dos tempos modernos da Inglaterra, ou do restante mundo civilizado. De uma beleza pitoresca, com lindas casas brancas no meio da verdura, luzia ao alto, na nossa frente, a primeira cidade portuguesa, Elvas». De facto, desde a visita de Andersen – que descreveu o nosso país como se de uma paisagem de um dos seus contos de encantar se tratasse, embora a realidade fosse outra – muita coisa mudou por cá: mudaram os regimes, as casas, as estradas, enfim, mudou o cenário e mudaram os protagonistas, mas o enredo, esse, pouco se alterou.