Nos últimos anos, assistimos à ascensão de uma nova narrativa sociocultural que ficou conhecida como “agenda woke”. Esta corrente, nascida de causas legítimas como a luta contra o racismo, a desigualdade de género ou a exclusão social, rapidamente se transformou numa ferramenta ideológica que, ao invés de promover inclusão, passou a cancelar a pluralidade. Com base num moralismo hipersensível e revisionista, impôs-se como uma nova ortodoxia social. O resultado? Uma leitura do mundo onde a história é reescrita a partir dos costumes atuais, onde se apagam contextos, se julgam personagens históricas como se vivessem em 2025, e se reprovam estruturas milenares — como a familiar — em nome de uma pretensa libertação total.
Neste cenário, tudo era possível desde que politicamente correto. A verdade passou a ser subjetiva, e a biologia, a tradição ou mesmo os fundamentos civilizacionais passaram a estar sujeitos à validação de minorias barulhentas, muitas vezes radicais. A ideologia woke, ao tentar impor uma nova moral sobre a antiga, abriu caminho para o seu próprio antídoto: o radicalismo do outro extremo.
E assim, quase sem darmos por isso, virámos 180º. O cansaço generalizado da hipersensibilidade woke empurrou a sociedade para os braços de uma nova forma de puritanismo, mas agora de cariz autoritário, populista e avesso ao pensamento crítico. Se antes tudo era permitido, desde que envernizado com o politicamente correto, agora tudo é válido desde que ataque essa mesma permissividade.
Este novo extremismo não tem ideologia estruturada, não assenta em raciocínio económico ou político sólido, e recusa qualquer forma de diversidade que vá além do que é considerado “normal” por quem o professa. É um espaço de confronto, de simplificação grosseira da realidade, de chavões e frases feitas para as redes sociais, que despreza a nuance e glorifica a agressividade. O debate político foi substituído por “lives”, slogans e ataques personalizados.
Esta viragem é também consequência direta da falência da moderação política. Os líderes capazes de pensar a longo prazo, com resiliência e capacidade de compromisso, foram sendo substituídos por performers, por rostos agradáveis a TikTok e algoritmos, mas vazios de substância. Com isso, abriram espaço à emergência de personagens que misturam bem-falância com tiques autoritários ou autocráticos, muitas vezes alinhados com regimes ditatoriais, que promovem discursos de força e simplicidade enganadora.
Se no mundo woke tudo era discutido até à exaustão, agora basta um “Nunca mais!” para se ganhar espaço mediático. Mas, em ambos os casos, o resultado é o mesmo: a destruição do espaço do meio, o colapso do diálogo, e o abandono do pensamento estruturado.
Hoje, os extremos tocam-se. E não é por acaso. Ambos recusam o centro, a complexidade, o contraditório. Ambos alimentam-se do ruído, da indignação e da fragmentação social. O problema é que entre a utopia woke e o puritanismo populista, ficou sem voz o cidadão comum, o moderado, o que quer um país com valores, mas também com liberdade, com identidade, com respeito e dignidade.
É tempo de recentrar o debate público. Não com medo de ofender, mas com coragem para pensar. Não com slogans, mas com ideias. Porque se continuarmos a escolher entre extremos, acabaremos por perder aquilo que nos distingue como democracias maduras: a liberdade de ser diferente, com respeito mútuo e responsabilidade cívica.
Director Executivo | LES – Lusófona Executive School
Universidade Lusófona