Duas faces da mesma moeda

As divergências entre Estaline e Hitler são inegáveis. Mas seriam os dois tiranos assim tão diferentes?

Existirão, na história recente, duas personagens mais antagónicas que Hitler e Estaline? De um lado um nazi. Do outro um comunista. Mas a história mostra-nos que, para além de inimigos viscerais a partir de 1941, também foram aliados em 1939. Este ponto é destacado por Henry Kissinger na sua obra seminal Diplomacia: «Se a política externa fosse necessariamente determinada pela ideologia, Hitler e Estaline não teriam dado as mãos. (…) Mas o interesse geopolítico comum é um laço poderoso e aproximava, inexoravelmente, os dois velhos inimigos». Foi precisamente isto que colocou à margem o combate ideológico feroz e tornou possível o pacto de não-agressão em 1939. Uma amizade que viria a ser quebrada pela megalomania de Hitler quando decidiu atacar a URSS em 1941.
Mas será que, ideologicamente, seriam assim tão distantes? Mesmo que por motivos diferentes, ambos abominavam o capitalismo, a religião e algumas minorias, e tanto um como o outro idealizavam um modelo político rígido, centralizado e totalitário, sustentado pela força repressiva das respetivas polícias políticas. Com todos estes vetores entrelaçados, a tarefa de identificar um denominador comum entre Hitler e Estaline torna-se mais fácil: o Estado. Um Estado omnipresente, omnipotente e omnisciente. Por outras palavras, existia apenas uma religião, o Estado, e um Deus, o líder.
Por isto, os modelos estavam destinados ao fracasso; uma realidade que se constataria da pior, mas única, forma possível. Segundo números da Statista, Hitler foi responsável por cerca de 14 milhões e 500 mil mortos. Por sua vez, e de acordo com um jornal soviético citado numa peça do New York Times em 1989, 20 milhões de mortes são atribuídas a Estaline.
No que diz respeito à economia, o capitalismo era um alvo a abater. No Mein Kampf, Hitler escreveu que «a burguesia alemã tinha chegado ao fim da sua missão e que não era chamada para mais nenhuma tarefa». Acreditava também que a Alemanha deveria ser autossuficiente, não dependendo de importações, e que «os lucros excedentários» deveriam «ser retirados da circulação económica». Estaline, num texto disponível no Marxists Internet Archives, dizia que «os burgueses ricos são nossos inimigos intransigentes» e obter a autarcia foi um objetivo da URSS nos anos 30. Hitler implementou um plano quadrienal em 1938 e Estaline apresentou o primeiro plano quinquenal em 1928. De acordo com um artigo da The Atlantic, «em 1938, o volume das exportações e importações russas era de 43 e 39 por cento, respetivamente, do de 1931», já na Alemanha, as exportações em 1938 foram 61% inferiores ao total de 1929, segundo um estudo da CQ Press. As semelhanças são evidentes, com a diferença a residir no facto de que Hitler não suportava aquilo que acreditava ser uma invenção judaica e Estaline enfrentava o grande inimigo do dogmatismo marxista.
Para além da economia, o vetor religioso é também um importante ponto de contacto entre o III Reich e a URSS estalinista. Nenhum via com bons olhos uma instituição cujo poder, influência, e legitimidade não derramasse do aparelho estatal. Por isto, Hitler levou a cabo a Kirchenkampf, aprisionando e executando teólogos resistentes à tentativa de absorção da Igreja por parte do Estado, e Estaline conduziu purgas contra a Igreja ortodoxa na tentativa de libertar o homo sovieticus das amarras opressivas da religião.
Considerando todas estas evidências históricas, é mais fácil compreender Ayn Rand quando escreveu que «o fascismo, o nazismo, o comunismo e o socialismo são apenas variações superficiais do mesmo tema monstruoso – o coletivismo». Por outras palavras, Hitler e Estaline foram duas faces da mesma moeda.