O mundo está repleto de maravilhas arquitetónicas e infraestruturas revolucionárias, como deixam claro as páginas anteriores. De arranha-céus a túneis, passando pelo planeamento urbano, falamos de estruturas que moldarão o futuro. Ainda assim, a história está repleta de projetos grandiosos que fracassaram, com muitos a permanecerem, eternamente, no papel onde alguém os esboçou pela primeira vez.
A barragem impossível
O Mar Vermelho é uma das regiões fundamentais para o comércio internacional. É por lá que as embarcações fazem a ligação entre a Ásia e a Europa, reduzindo os custos logísticos e ambientais que contornar todo o continente africano implicam. O Canal do Suez, um dos mais conhecidos choke-points (ponto de estrangulamento, em português) do mundo, “atrai cerca de 12 a 15% do comércio mundial e cerca de 30% do tráfego global de contentores -– com mais de um trilião de dólares em mercadorias a transitar anualmente”, lê-se num artigo publicado pelo Atlantic Council. É principalmente pela importância comercial superior que a segurança da região importa, e as recentes desestabilizações no Médio Oriente têm sido prova disso.
Mas, em 2007, vários cientistas neerlandeses propuseram um projeto megalómano na entrada Sul do Mar Vermelho, que o liga ao estreito de Bab el-Mandeb, que colocaria a rota, e não só, em risco. O plano passaria pela construção de uma barragem gigante, com 150 metros de altura, 100 quilómetros de comprimento e um quilómetro de espessura entre o Iémen e o Djibouti ou a Eritreia.
A estrutura serviria para bloquear a entrada de água no Mar Vermelho, permitindo que o calor solar secasse, gradualmente, o mar. Chegando a este ponto, a barragem seria aberta e o fluxo de água seria responsável por gerar 50 Gigawatts de potência “heliohidroelétrica”, como a apelidaram os autores. Em declarações à revista New Scientist, à data da publicação do artigo científico na International Journal of Global Environmental Issues, Jaap Hanekamp, um dos criadores, disse que o projeto “seria uma ousadia, sem dúvida”, mas que poderia ser realizado. Ainda assim, Hanekamp não escondeu as fragilidades: “Há grandes prós e grandes contras neste projeto”, porque “por um lado, teria enormes consequências ecológicas. Por outro lado, produz-se uma enorme quantidade de eletricidade – sem CO2 – para uma região empobrecida”.
Peter Bosshard, que à data desempenhava a função de diretor de políticas da International Rivers Network, também citado pela mesma revista, disse que a proposta era “completamente absurda”, comparando a intenção dos neerlandeses com a da União Soviética nos anos 60: “Estou a tentar perceber se isto é a sério ou se é uma paródia ao pensamento obsoleto da macro-engenharia. Faz-me lembrar quando os soviéticos tentaram fazer de Deus, secando o Mar de Aral”.
Assim, com todo o impacto ambiental, económico e, em última instância, político, esta ideia megalómana acabou por ficar apenas no papel.
Um sonho transatlântico
De janeiro de 1976 a outubro de 2003 era possível realizar o trajeto Londres – Nova Iorque em três horas e meia. A entrada no setor comercial do avião supersónico Concorde, operado pela British Airways e pela Air France, que permitiu a Phil Collins atuar nas duas cidades no mesmo dia em 1985, não foi menos que uma revolução no setor dos transportes. Contudo, de acordo com o National Air and Space Museum, “o custo excessivo, [os] preços elevados e [o] ruído intenso”, aliados ao acidente que vitimou mortalmente todos os passageiros e tripulantes em França e ao aperto de restrições e queda de procura no pós-11 de setembro, forçaram as duas companhias aéreas a retirar o Concorde.
Assim, hoje, voar de Londres para Nova Iorque consome cerca de oito horas e dez minutos – mais de metade do tempo despendido ao viajar a bordo do avião supersónico –, segundo a British Airways. Num cruzeiro, a duração aumenta para sete dias. Mas será que a engenharia nos poderá brindar com outra redução drástica, talvez até maior? Bem, a ideia de ligar o Reino Unido com os Estados Unidos remonta a finais do século XIX, nomeadamente na Un Express de l’avenir (Um Expresso do Futuro, em português), uma obra de ficção científica de Michel Verne, filho do icónico Júlio Verne. No texto, Verne sonha com uma viagem que liga Boston a Liverpool, e vice-versa, proporcionada pela genialidade do Coronel Pierce que permitia que “saindo de Liverpool ao meio-dia” o viajante chegasse “à estação onde nos encontramos [Boston] às nove e trinta e quatro minutos da manhã – ou seja, mais cedo do que começou! Ha! Ah! Não creio que se possa viajar mais depressa do que isso!”.
De volta à realidade, um empreendimento que liga Londres e Nova Iorque em menos de uma hora (54 minutos) tem sido objeto de sérias considerações quanto à sua exequibilidade. Imagine-se o túnel do Canal da Mancha, atualmente o maior túnel subaquático que se estende por cerca de cinquenta quilómetros, mas cerca de cem vezes maior. A construção megalómana voltou à ordem do dia quando Elon Musk, o empresário americano cuja presença mediática tem sido uma constante no último ano, apoiou publicamente a ideia e garantiu que a sua empresa de construção de túneis, a The Boring Company, seria a empresa indicada para levar a cabo o projeto da forma mais eficiente possível.
De acordo com o relatório Economic Footprint of the Channel Tunnel in the UK da EY de 2018, citado num artigo de John Minihane para a CNN em 2019, “cerca de 4,5 milhões de turistas do Reino Unido utilizam o túnel do Canal da Mancha todos os anos, com 1,6 milhões de camiões a transportar mercadorias entre o Reino Unido e o continente, o que faz com que valha cerca de 140 mil milhões de euros por ano para as economias do Reino Unido e da Europa”. Agora, imagine-se os benefícios de um túnel transatlântico. Mas, enquanto o custo do Canal da Mancha se fixou nos 9,5 mil milhões de libras, cerca do dobro do previsto, segundo o Global Infrastructure Hub, o valor estimado para o túnel transatlântico é de 20 biliões.
Ainda assim, o interesse de Musk pode mudar o jogo. O empresário garantiu que a sua empresa poderia realizar o projeto “por 1000 vezes menos dinheiro”, fixando os custos nos 20 mil milhões de dólares – um valor mais suportável. Bent Flyvbjerg, professor e economista de megaprojetos na Universidade de Oxford, disse à Newsweek que “se Musk pensa que este é um preço realista e está interessado, os decisores políticos devem considerar seriamente a possibilidade de lhe oferecer o cargo, desde que assuma o risco total de exceder os custos”. Porém, Flyvbjerg acrescenta que se trata “de um projeto de alto risco” e que, mesmo com Musk ao leme, “continua a ser apenas uma hipótese, muito abaixo dos 100%”.
Michel Verne, no texto já mencionado, ao acordar do sonho deu-se conta de que “tinha simplesmente adormecido enquanto lia o artigo dedicado por um jornalista americano aos fantásticos projetos do Coronel Pierce – que também”, receava, “apenas sonhou”. Por enquanto, o projeto do túnel transatlântico continua também apenas isso, um sonho.