Paco Velásquez. “Nunca vi um taurino tentar mudar a opinião de um antitaurino,mas o contrário sim”

O modo de vida de um cavaleiro em Portugal. A mudança para cumprir um sonho. As paixões, os ódios e as superstições. O atual momento da tauromaquia e a emoção de pisar algumas das principais praças de toiros, desde a Real Maestranza de Sevilha à Monumental, no México. Natural de Riachos, Francisco Matos é Paco…

Francisco José Lopes Pescador de Matos deixou Portugal aos 17 anos para ir atrás do sonho. A mudança para Espanha trouxe-lhe a alteração ‘oficial’ de nome para  Paco Velásquez. Aos 34 anos, o cavaleiro tauromáquico já pisou algumas das principais praças de toiros portuguesas, espanholas, francesas e mexicanas.

Acredita que o regresso à televisão dos programas ligados à tauromaquia podia mudar a perspetiva das pessoas, «num momento em que a onda antitaurina domina as pessoas que ocupam os altos cargos das televisões ou até mesmo a nível político».

«Não me refiro à corrida de toiros, mas mostrar o antes: como é que vive o touro bravo no campo, a paixão que os ganadeiros têm pelo touro bravo, que os criadores de cavalos têm pelos cavalos, a preparação de um toureiro, o dia-a-dia, o sacrifício que existe para que tudo se concretize», defende.

Porquê Paco Velasquez como nome artístico?

Francisco em espanhol é Paco, vem daí. E Velásquez porque, na altura em que comecei a tourear, havia um toureiro que se chamava Nuno Velásquez – e diziam que eu tinha algumas parecenças com ele. Lembro-me de que na escola de toureio começaram a chamar-me “o Velásquito”. E daí surgiu o Paco Velásquez.

Um nome artístico mais espanhol porque estava a começar a tourear a pé. Estava na escola de toureio para ser matador de touros. Como em Portugal não se executa a sorte suprema – a morte do touro -, basicamente é uma profissão que tem de passar por Espanha. Daí o nome Paco Velásquez.

É natural de Riachos. Ter crescido tão perto da Golegã – conhecida por organizar a Feira Nacional do Cavalo e pelo turismo equestre – foi crucial no nascimento desta paixão?

Sim, sim. Ter nascido perto da Golegã também influenciou e despertou mais a minha paixão pelos cavalos. Mas, independentemente disso, acho que foi uma coisa que nasceu comigo.

Já tinha familiares ligados à tauromaquia?

Lembro-me que de pequeno não tinha influência de ninguém para o universo da tauromaquia. Não tinha nenhum familiar ligado à tauromaquia. Fui o primeiro da minha família a começar, por isso digo que foi algo natural. Foi uma coisa que nasceu comigo: a paixão pelo campo, pelos cavalos, pelos toiros.

O meu pai era uma pessoa aficionada. Não era um aficionado de ir às Praças de Toiros, mas era uma pessoa que gostava de ver as corridas na televisão, gostava de ir a uma garraiada; mas nunca foi a pessoa que me levou para esse mundo. Infelizmente não pôde acompanhar a minha carreira porque faleceu quando eu tinha 14 anos, na altura em que comecei a tourear mais… O meu pai não ter vivido comigo esses momentos que vieram depois é algo de que tenho bastante pena.

É uma arte pouco apoiada – até criticada – em Portugal. Isso também o levou a mudar-se para Espanha aos 17 anos? Como foi esse processo?

Sim, no meu caso, como não existe a morte do toiro em Portugal, eu não podia tornar-me matador de toiros. Então era uma profissão que não podia exercer na minha terra. Para cumprir esse objetivo tinha sempre que ir para fora, para Espanha ou para o México. E foi aquilo que aconteceu. Eu querer realizar o meu sonho e não poder fazê-lo em Portugal obrigou-me a ir para fora.

Aliás, a sua carreira profissional foi consolidada internacionalmente, além de em Espanha, também nalgumas das principais praças francesas e  mexicanas. O que se sente ao entrar nessas arenas?

Aquilo que sinto, acima de tudo, é o cumprir de um sonho. Nunca imaginei que fosse possível certas coisas que me aconteceram, como ter toureado nalgumas das Praças mais importantes: na [Real] Maestranza de Sevilha; na Monumental, no México, em Arles, em França… Quando pisava essas praças era o cumprir de um sonho! É uma enorme satisfação, um orgulho e a concretização dos sonhos de um menino que, como disse antes, não tinha qualquer ligação ao meio taurino. Chegar a esses lugares, para mim, foi sempre, sem dúvida, uma emoção muito grande.

Quem foram os seus principais mestres?

No que respeita ao toureio a pé, o meu mestre foi o Espartaco [toureiro espanhol Juan Antonio Ruiz], foi a primeira pessoa com quem eu tive contacto quando fui para Espanha. Foi ele que me deu as bases. E o Alejandro Amoya, um matador de toiros mexicano que foi, sem dúvida, a pessoa mais importante que eu encontrei no mundo taurino até ao dia de hoje. Foi o meu mestre e um grande amigo que se tornou um irmão. No toureio a cavalo, o mestre Diego Ventura, a pessoa com quem iniciei e que mais me ensinou até certa altura.

Como é o modo de vida de um cavaleiro em Portugal?

Acho que o modo de vida de um cavaleiro em Portugal é igual ao de outro desportista ou artista que se dedica à sua profissão a 100%, como é o meu caso. Ao contrário do que acontecia no toureio a pé, os cavalos precisam de treino e manutenção diários.

Quais as maiores dificuldades da profissão? E os custos associados?

É uma profissão com custos bastante elevados porque é durante o ano inteiro: ração, feno, ferrador, veterinário…

Na minha situação, como faço temporadas no México durante o inverno, a minha quadra de cavalos tem uma utilização contínua.

Qual a ligação que, enquanto cavaleiro, tem com o cavalo? E com o toiro, existe alguma ligação?

Há uma ligação muito grande. E com o touro também. Estou a começar com a criação do touro bravo, que é um animal pelo qual sou apaixonado, tal como com o cavalo. Existe também uma ligação do conhecimento dos terrenos, de sabermos como mover o gado bravo… isso tudo ajuda-nos para na praça de touros executarmos. Ao final da tarde, quando acabo os meus treinos, não há nada que eu mais goste do que ficar a admirar as vacas, os bezerros que nasceram, os toiros… Há uma ligação muito grande.

O cavalo de toureio tem características especiais? Existem raças mais adequadas para tourear?

O cavalo de toureio tem que ter bastantes características. Aquilo que mais procuro é a expressividade. Um cavalo que seja expressivo. Que tenha uma certa agressividade, mas ao mesmo tempo nobreza. Tem que ser um cavalo forte fisicamente, com uma certa destreza. Eu sou um apaixonado da raça Lusitano, é a minha escolha, mas hoje em dia já existem vários cavalos que funcionam para tourear.

O toureio a cavalo é sempre feito com touros embolados?

Sim, o toureio a cavalo em Portugal é sempre feito com touros embolados. Em Espanha não. Em Espanha cortam um pouco a ponta do corno, é limado e é assim que são toureados. O que não significa que ao cortar os cornos ou ao utilizar as embolas não possa provocar acidentes.

Numa altura em que as manifestações e as petições são cada vez mais recorrentes, sente que é possível mudar o estigma que se criou?

Eu respeito a opinião de todas as pessoas, das que gostam e das que não gostam. Nunca vi um taurino tentar mudar a opinião de um antitaurino, mas o contrário sim. Em relação às petições e manifestações, já vêm de há muito tempo, e são etapas. A tauromaquia sempre se manteve e acho que se vai manter por cima disso. Como tudo na vida, vão existir sempre alguns obstáculos, mas neste exato momento, por exemplo no ano passado, houve bastantes eventos e com uma afluência de público bastante grande.

As televisões deixaram de transmitir touradas porque “vai contra o bem estar do animal”. Já foi confrontado com  situações mais desagradáveis?

Sim, já fui confrontado com bastantes situações desagradáveis, sobretudo comentários na minha página de Instagram ou Facebook, mas são coisas a que eu não ligo. Eu aceito críticas, sempre com respeito. Fora isso, não abro, não ligo e não dou importância. Em relação à transmissão nas televisões, é uma pena. Mas também existem bastantes petições para que a tauromaquia volte às televisões. Quando havia corridas de toiros – na RTP, na SIC, na TVI – a audiência registada nessa hora era a maior. Mas neste momento estamos numa onda antitaurina que, infelizmente, está a dominar as pessoas que ocupam os altos cargos das televisões ou até mesmo a nível político. Deixam-se influenciar… Há várias pessoas que gostam da tauromaquia, inclusive vários políticos, mas para não parecer mal dizem que não gostam… Preferem agradar aos outros do que manter os próprios gostos e defendê-los.

É o único toureiro no ativo com duas alternativas – a de matador de toiros e a de cavaleiro tauromáquico. Quais são neste momento as suas ambições profissionais?

Sim, neste momento sou o único toureiro no ativo com duas alternativas. Acho que na história só existem 4 toureiros que têm as duas.

Quero continuar a crescer, a melhorar. Sou jovem, tenho muita ilusão e muita ambição. Quero continuar a pisar as principais praças de Portugal, Espanha e México e fazer desfrutar a afición.

E que três momentos destacaria e que considera inolvidáveis?

A minha alternativa de matador de toiros. Foi o concretizar de um sonho quase impossível.

E a minha alternativa de cavaleiro tauromáquico na Moita. Foi um momento muito marcante para mim.

Outro momento que recordo com muita emoção foi a minha apresentação – tanto de cavaleiro como de matador de toiros –, em Riachos. Porque ser apresentado na minha terra é também um momento de grande pressão. Saiu tudo como sonhado. Lembro-me de as pessoas levarem-me em ombros pela rua.

Tem alguma superstição antes de entrar na arena? Ou depois de terminar a lide?

Uma delas é não pôr o tricórnio em cima da cama. Outra é calçar a bota direita primeiro. Mas não sou muito supersticioso…

Quais os conselhos que daria a um jovem que queira ser cavaleiro?

Acreditar. Sonhar. E trabalhar por aquilo que quer. Eu dou sempre o meu exemplo. Como disse no início, eu não tinha ninguém ligado à tauromaquia, não tinha nenhum cavalo, ninguém da minha família tinha um cavalo…

Acreditei, sonhei, lutei e consegui concretizar os meus sonhos. Defino-me como um sonhador nato.

Se pudesse, quais seriam as três medidas que colocaria em prática em Portugal para valorizar a tauromaquia?

Mais do que três medidas, eu escolhia o regresso dos programas taurinos à televisão. E não me refiro à corrida de toiros, mas mostrar o antes: como é que vive o touro bravo no campo, a paixão que os ganadeiros têm pelo touro bravo, que os criadores de cavalos têm pelos cavalos, a preparação de um toureiro, o dia-a-dia, o sacrifício que existe para que tudo se concretize.

Acho que era importantíssimo mostrar isso, como é que nasce o touro bravo, como é que cresce em liberdade durante quatro anos, com todos os cuidados de veterinário… Há pessoas que têm uma opinião formada com base naquilo que ouvem. Há pessoas que dizem que os toiros vão com ‘coisas’ nos olhos e nas orelhas, são comentários que eu leio, e isso é falso. Seria importante mostrar isso para as pessoas terem uma opinião fundamentada.

Muitas vezes convido pessoas a virem à minha casa, à quinta – pessoas que não gostam da tauromaquia – e mudam a sua opinião. Não quer dizer que ficam a ser taurinos, mas quando acabam dizem: «posso não gostar, mas respeito». E isso é importantíssimo.