Que país é este?

Portugal está hoje bem diferente daquilo que foi noutros tempos e que aquela visão poética do passado desvaneceu-se.

Portugal sempre foi conhecido como um país tranquilo, pacífico, cheio de sol, com um clima ameno, virado para o mar, com boas praias, bom alojamento, boa comida, recheado de paisagens lindíssimas, atraindo turistas de toda a parte do mundo, pois, para além de todas essas características naturais, o nosso país sempre foi fértil na arte de bem receber. E mesmo sem poder competir com as grandes potências internacionais, Portugal cresceu nas últimas décadas, modernizou-se e progrediu imenso sem perder, contudo, a sua essência e a sua matriz. Durante anos prevaleceu a sensação ilusória de que ‘as coisas más’ só aconteciam lá fora, pois cá dentro, apesar dos poucos recursos, continuávamos a ser ‘um paraíso à beira-mar plantado’, vivendo-se em paz e em segurança um dia de cada vez. Mas, olhando com objetividade e desapaixonadamente para o problema, temos de reconhecer por muito que isso nos custe, que Portugal está hoje bem diferente daquilo que foi noutros tempos e que aquela visão poética do passado desvaneceu-se. Já não é um país tão seguro como antigamente, no tocante à saúde, a falta de resposta é cada vez maior e o aumento do custo de vida vai-se sentindo na bolsa de cada um com todas as consequências que daí resultam. E não ficamos por aqui. A violência doméstica não para de aumentar o que nos envergonha a todos, os abusos sexuais estão na ordem do dia, a corrupção é um flagelo que parece ter vindo para ficar e nas escolas o clima de agressividade e de violência entre alunos é deveras preocupante. Poder-se-á dizer que estes comportamentos sempre existiram, não duvido, o que não parece haver dúvidas é que, no momento presente, têm outros contornos, tornam-se mais evidentes e atingem níveis nunca vistos. A violência doméstica, diga-se o que se disser é um problema que não temos conseguido resolver. Em janeiro deste ano o número de mulheres que perderam a vida é assustador. Até quando vamos ter de continuar a assistir a este espetáculo desolador? Ninguém tem uma palavra a dizer? Os abusos sexuais sucedem-se de forma transversal na sociedade, alguns dos quais, para maior vergonha nossa, vindos de quem tinha obrigação de dar o exemplo e a quem se exigia outro tipo de comportamento e uma postura diferente. Também nesta área é preciso agir energicamente e acima de tudo cortar o mal pela raiz. Custe o que custar. Doa a quem doer. Não se queira, porém, confundir gestos de carinho e de ternura que no dia a dia podemos ter uns com os outros longe de qualquer significado perverso, com o tão falado assédio sexual igualmente condenável. Na minha profissão esses afetos são particularmente importantes como sinal de solidariedade e de proximidade que transmitem confiança e favorecem a relação médico-doente.
Falar da corrupção é denunciar um procedimento desonesto e lamentável que tem vindo tristemente a instalar-se e a criar raízes numa dimensão sem precedentes. Dados estatísticos recentes mostram-nos que tem aumentado em especial entre aqueles que servem o país nos quais depositámos a nossa confiança e demos o nosso apoio. Cada vez mais nos interrogamos: afinal acreditar em quem? E a justiça não conseguirá punir os infratores? E o que dizer da agressividade e violência entre alunos nas escolas? Queremos colocar-nos ao nível do pior que se tem visto no estrangeiro? Ainda temos presente aquelas imagens chocantes que a televisão nos mostrou numa escola da Moita onde um aluno agrediu barbaramente um colega prostrado no chão enquanto outros em vez de prestarem auxílio, filmavam no telemóvel esse ato, comportamento não menos reprovável.
Se analisarmos com isenção e bom senso todas as situações encontramos sempre a ausência de uma família estruturada e funcional na origem do problema. Por outro lado, sente-se a falta da Saúde Mental a funcionar em pleno dando resposta aos casos que dela necessitem. Há que ter em conta as doenças hereditárias, as toxicodependências, o consumo de álcool que podem estar na origem destes comportamentos de risco e que requerem tratamento farmacológico e acompanhamento médico.
Que país é este? É a pergunta que fazemos a nós próprios, mas, mais do que perguntas o que precisamos é de soluções. Cada um de nós pode fazer alguma coisa, por mais pequena que seja, pelo país e pela sociedade, mas, a quem tem responsabilidades diretas na matéria, exige-se mais. Não podemos continuar fingindo que não se passa nada, deixando para os outros aquilo que devíamos ser nós a fazer. Que país é este? É o nosso, que nos está a pedir uma ajuda urgente e eficaz. E qual vai ser a nossa resposta? Vamos agir ou preferimos ficar em silêncio?

Médico