Putin. Uma revisão do poder

Guerra da Ucrânia está em pano de fundo na comemoração dos 80 anos da vitória sobre a Alemanha Nazi e dos 25 anos da chegada ao poder do presidente russo, que olha para o Ocidente como inimigo numa História própria

A coincidir com os 80 anos da vitória dos Aliados sobre a Alemanha nazi estão os 25 anos de Vladimir Putin como  Presidente da Rússia. A parada militar de hoje em Moscovo, que conta com a presença de quase 30 dignatários estrangeiros, entre os quais se destaca o Presidente chinês, Xi Jinping, realiza-se numa trégua unilateral de três dias na Guerra da Ucrânia decretada por Putin. 

O Kremlin assinalou que as forças russas vão respeitar a ordem de Putin durante as comemorações, mas responderão «imediatamente» se a Ucrânia abrir fogo. Já o Presidente ucraniano Volodimir Zelensky voltou a lançar uma proposta de cessar-fogo de 30 dias. «Não retiramos esta proposta, que poderia dar uma oportunidade à diplomacia. Mas o mundo não vê nenhuma resposta da Rússia», afirmou. 

As comemorações do 9 de maio são fundamentais para o culto patriótico da vitória de 1945 promovido pelo Kremlin, que considera a ofensiva na Ucrânia, que começou em fevereiro de 2022 , uma extensão da guerra contra Hitler.

No filme «Russia. Kremlin. Putin. 25 Anos», o líder russo falou sobre a possibilidade de utilizar armas nucleares na Ucrânia, sobre a sua visão de um cessar-fogo e respondeu por que razão não se iniciou uma «operação militar especial» em 2014.

«Queriam provocar-nos para que cometêssemos erros», disse Putin,  ao lado de um retrato do czar Alexandre III, um conservador do século XIX que reprimiu a oposição. 

 «Temos força e meios suficientes para levar o que foi iniciado em 2022 a uma conclusão lógica com o resultado que a Rússia exige», afirmou, sublinhado ter esperança que não seja necessário usar armas nucleares no futuro «Não houve necessidade de usar essas armas (…) e espero que não sejam necessárias». No entanto, observou que, de um ponto de vista técnico-militar, o país está preparado para qualquer evolução da situação.

O antigo diretor da CIA, William Burns, disse que, no final de 2022, existia um risco real de a Rússia utilizar armas nucleares contra a Ucrânia. Uma afirmação rejeitada por Moscovo, que as classificou como «especulação».  Mas em novembro de 2024, a Rússia atualizou a sua doutrina nuclear. Continua a considerar as armas nucleares como «um meio de dissuasão, cuja utilização é uma medida extrema». No entanto, subiu o número de cenários em que se reserva ao direito de as usar.

Putin retrata a guerra como um momento decisivo nas relações de Moscovo com o Ocidente. Segundo o presidente russo, o Ocidente humilhou a Rússia após a queda do Muro de Berlim em 1989, alargando a NATO e invadindo o que diz ser a esfera de influência de Moscovo.

O presidente russo ordenou a entrada de milhares de tropas russas na Ucrânia em fevereiro de 2022, desencadeando o maior conflito terrestre na Europa desde a II Guerra Mundial e o maior confronto entre Moscovo e o Ocidente desde o início da Guerra Fria.

Questionado sobre se poderia ter começado em 2014, disse que a Rússia não estava pronta para um «confronto frontal com todo o Ocidente coletivo» e que isso «exigia uma preparação séria para o desenvolvimento da situação dessa forma». 

Putin no poder 

Vladimir Putin, um antigo tenente-coronel do KGB a quem foi entregue a presidência no último dia de 1999 por um Boris Ieltsin (antigo presidente russo) doente, é o líder do Kremlin há mais tempo em funções desde Estaline, que governou durante 29 anos até à sua morte em 1953.

Os opositores,  a maioria dos quais  na prisão ou no estrangeiro,  olham para Putin como um ditador que construiu um sistema frágil de governo pessoal, dependente da bajulação e da corrupção, que conduz a Rússia ao declínio e à turbulência.

Os apoiantes consideram Putin, que, segundo as sondagens russas, tem índices de aprovação superiores a 85%, como um salvador que se opôs a um Ocidente arrogante e pôs fim ao caos da desintegração da União Soviética em 1991.

O filme «Russia. Kremlin. Putin. 25 Anos», coreografado com cuidado pela  televisão estatal, deu aos telespectadores um raro olhar por detrás da vida notoriamente fechada do presidente russo.

Putin disse que se ajoelhou pela primeira vez em oração durante a crise do teatro Nord-Ost Moscow em 2002, quando terroristas chechenos fizeram mais de 900 reféns. 130 pessoas morreram. 

«Não me sinto como uma espécie de político», disse sobre os 25 anos no poder. «Continuo a respirar o mesmo ar que milhões de cidadãos russos. É muito importante. Deus queira que continue o mais tempo possível. E que não desapareça».

‘Revisão’ histórica da II Guerra

Na perspetiva de Vladimir Putin, tem havido sucessivas tentativas de ‘revisão’  histórica da Segunda Guerra Mundial e ainda esta semana disse estar determinado «a defender a verdade sobre os eventos da Segunda Guerra Mundial, para combater as tentativas de rever o seu resultado e falsificar a história». 

O chefe de Estado russo acusa com frequência as potências ocidentais de revisionismo histórico e de tentar minimizar ou distorcer o papel crucial da União Soviética na vitória dos países aliados contra a Alemanha nazi. Donald Trump disse na semana passada que o seu país foi o que mais contribuiu para a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, uma declaração que provocou indignação na Rússia.

A vitória de 1945 é fundamental para a leitura que a Rússia faz de sua história e é a principal celebração patriótica do país. A memória desta guerra, que deixou mais de 20 milhões de mortos na União Soviética, é um trauma na sociedade russa, que  usa o termo Grande Guerra Patriótica para se referir a este conflito.

Xi Jinping em Moscovo 

O ponto máximo das comemorações é a parada militar, com um discurso de Vladimir Putin, esta manhã, na Praça Vermelha, em Moscovo, que contará com a presença de quase 30 líderes estrangeiros, entre os quais o presidente da China, Xi Jinping. 

Ontem, já em Moscovo, o líder chinês disse que «a confiança política mútua entre a China e a Rússia está a aprofundar-se» e salientou que «perante a tendência internacional de unilateralismo e de comportamento de intimidação hegemónica, a China vai trabalhar com a Rússia para assumir as responsabilidades especiais das principais potências mundiais».

Putin agardeceu a  Xi por comparecer em Moscovo às comemorações dos 80 anos da vitória sobre a Alemanha nazi, tal como tinha acontecido no 70.º aniversário e disse que uma guarda de honra chinesa vai marchar na Praça Vermelha. 

Segundo Putin, os laços entre a Rússia e a China são «mutuamente benéficos» e que os dois países pretendem defender em conjunto a «verdade histórica» sobre a Segunda Guerra Mundial. «Juntamente com os nossos amigos chineses, defendemos firmemente a verdade histórica, protegemos a memória dos acontecimentos dos anos de guerra e lutamos contra as manifestações modernas de neonazismo e militarismo», disse. 

Em entrevista recente, Putin descreveu a relação  com a China como «verdadeiramente estratégica por natureza, profundamente enraizada», que reflete  a ampla e crescente cooperação entre os dois países.