O dia não era fácil, com um intervalo de apenas 12 horas, Rui Rocha teve de enfrentar por duas vezes os seus adversários: primeiro na RTP e poucas horas depois nas rádios. Foram os últimos de uma longa maratona de debates que já leva mais de um mês. Resultado: no primeiro dia da campanha oficial, o líder da Iniciativa Liberal, bem como os seus adversários, chegam à rua já com o ar cansado de quem anda há muitos dias na estrada.
O refúgio, que se torna casa dos líderes políticos nos dias de campanha, é o carro, ou, no caso de Rui Rocha, uma carrinha Mercedes tipo van preta e com vidros escuros, que não deixam ver o que está lá dentro. Longe dos olhares indiscretos e curiosos da comunicação social, o liberal ganhou fôlego para enfrentar um dos bairros mais concorridos da cidade de Lisboa. Em plena hora de almoço, à porta da praça de touros do Campo Pequeno, Rui Rocha, acompanhado de uma comitiva com as caras mais conhecidas do partido (o vice-presidente da Assembleia da República, Rodrigo Saraiva, e a líder parlamentar da IL, Mariana Leitão), um grupo de jovens para compor a imagem e na cauda do desfile um grupo de tambores que animava a ‘arruada’, a nova designação para as ações de rua em campanhas eleitorais.
À hora de almoço, as Avenidas Novas, em Lisboa, transformam-se num espaço de almoços rápidos nas várias esplanadas que enchem os passeios. Profissionais liberais que ocupam muitos dos escritórios da zona aproveitam a ocasião para almoços de negócios e preferem a descrição à animação do encontro com uma caravana política. Sobretudo porque, nos últimos tempos, desfile de políticos a atravessar a Avenida da República é o que não tem faltado. São algumas das razões que explicam o porquê de, ao ouvir o ruído de fundo, muitos dos transeuntes terem optado por desviar o caminho para não se cruzarem com Rui Rocha. Apesar dos desvios, os comentários longínquos não deixaram, nalguns casos, de ser animadores para o líder dos liberais. «Não tem feito mau trabalho», comentou um gestor bancário que observava à distância a caravana, «espero que tenham um bom resultado».
Consciente de que o local não era adequado a grandes interrupções à vida quotidiana, Rui Rocha foi passando e acenando à distância, evitando invasões indesejadas à hora do almoço.
Prioridade aos jovens
Ávidos de ‘um bom boneco’, repórteres de imagem e fotógrafos caíram em cima do líder sempre que houve uma paragem para dois dedos de conversa e isso aconteceu quase sempre com grupos de jovens.
A rua é um bom lugar para confirmar ou desmentir perceções e nesta ‘arruada’ foi bem claro que a ideia de que a Iniciativa Liberal é um partido que entusiasma particularmente os jovens universitários, tem uma boa adesão à realidade. A caravana terminou no jardim do Arco do Cego, bem perto do Técnico e um local privilegiado pelos estudantes para momentos de convívio e descontração. Foi aí que Rui Rocha encontrou eleitores mais entusiasmados e disponíveis para dois dedos de conversa. Diálogos que não variaram muito e que acabaram quase sempre no mesmo tema: emigração.
«Vais para a Alemanha, espero que tenhas sorte e corra tudo bem. Nós vamos ficar cá a trabalhar para que um dia possas voltar e ter boas oportunidades de trabalho». Os desejos de sorte da caravana liberal a jovens eleitores que já decidiram que o seu futuro não passa por ficar no país dão argumentos ao líder para defender as propostas do partido. «Temos mesmo de mudar de vida e acelerar Portugal», defendeu Rui Rocha mais tarde ao jantar na Casa do Alentejo diante de dezenas de militantes e convidados que se juntaram para ouvir o discurso do dia, centrado na redução de impostos para pessoas e empresas, na criação de mais habitação, no crescimento económico e na urgência de uma governação reformista. Na sala comentava-se a hipótese real de a Iniciativa Liberal poder entrar no governo já depois das eleições de 18 de maio, no palco Rui Rocha garantia aos presentes que «as nossas propostas já foram testadas noutros países e funcionaram, ao contrário do que agitam os papões da esquerda».
Rui Rocha: ‘Olhando para a AD, somos mais ambiciosos’
No final de um primeiro longo dia de campanha, Rui Rocha ainda encontrou energia para dar uma curta entrevista ao Nascer do SOL, onde nos falou do mais importante: o que vai percebendo na rua sobre a vontade dos portugueses.
Tem dito que estas são as eleições que ninguém quer, tem sentido isso na rua?
Acho que esse é um sentimento verdadeiro. Aliás, a seguir à dissolução da Assembleia da República, os estudos de opinião mostraram isso. Mas à medida que o tempo vai passando, vai sendo substituído pela vontade de tomar decisões. Temos de tomar as melhores decisões e eu também sinto isso nos portugueses, essa vontade de mudança.
Mas vi-o a fazer alguma cerimónia em incomodar as pessoas à hora do almoço?
Sim, acho que temos de respeitar o espaço das pessoas. Entendo que haverá algum cansaço desta batalha política, praticamente constante, desde as eleições. Aliás, diria que, desde 2022, que vivemos ciclos políticos muito curtos, muito intensos e creio que temos de respeitar esse descanso das pessoas e não as massacrar com as questões políticas.
Os que o abordaram foram sobretudo jovens e percebi que falou com eles sobre as intenções deles para o futuro. O que é que predominou nessas conversas?
Houve preocupações com a habitação, com os salários baixos e ouvi algumas decisões já tomadas, umas convictas, outras com mágoa de saírem do país quando terminarem a sua formação universitária. Isso é de facto um sinal muito preocupante, porque não estamos a conseguir inverter esse caminho de perdermos os nossos jovens sistematicamente. É preciso fazer muito mais para que os jovens tenham condições para permanecer em Portugal. Continuamos a ter um desemprego jovem de cerca de 20%. Os salários continuam a ser baixos, o acesso à habitação continua a ser muito complicado e os transportes são também um problema que não está resolvido.
Percebi que um desses jovens com quem se cruzou é a sua filha…
Foi ocasional estava a passear com o namorado e por acaso coincidiu.
Ela faz parte desse grupo de jovens que pensa projetar a sua vida fora do país?
Vai concluir agora a formação e já tem a partir de outubro uma solução em Portugal e penso que, de momento, vai apostar em ficar. Mas não afasta por completo a possibilidade de sair em algum momento.
Sei que não quer falar de cenários pós-eleitorais, mas no caso de poderem vir a fazer parte de uma solução de Governo, qual é o caderno de encargos da Iniciativa Liberal?
Creio que é fácil perceber que queremos uma baixa de impostos para as pessoas, para as famílias e para as empresas. Olhando para o programa eleitoral da AD há duas áreas relativamente às empresas onde somos mais ambiciosos. Queremos que as derramas, que introduzem uma nova progressividade no IRC, vão sendo abolidas, que vão desaparecendo gradualmente. E também as tributações autónomas que afetam sobretudo as micro e as pequenas empresas.
Mas a situação internacional e os riscos que existem neste momento não são de molde a pedir alguma cautela?
Pois, mas também porque as medidas que foram tomadas ficaram muito aquém daquilo que deveria ser a ambição do país. Esse é o ciclo-vicioso que temos, porque nunca há ambição de mudar as coisas. Por isso estamos sempre nesse ciclo de estagnação. Diria que as circunstâncias nacionais obrigam a que tenhamos uma monitorização muito apertada daquilo que se está a passar, mas obriga-nos a ser mais rápidos e mais decididos a mudar as condições de base da economia portuguesa.
E sente essa dinâmica na rua?
Sim, daí esta afirmação de que desta vez é liberal. Corresponde a uma convicção de que temos, de facto, muitas pessoas, além da nossa base eleitoral consolidada, que consideram mesmo que só a Iniciativa Liberal tem a capacidade reformista, a ambição e o sentido de mudança e a urgência.