A operação da Polícia Judiciária (PJ) que levou à detenção e constituição de arguidos de Nininho Vaz Maia e de outros quatro pessoas por suspeitas de tráfico de droga começou a desenhar-se há mais de quatro anos, a 2000 km de Lisboa.
O primeiro passo foi dado na Bélgica quando, na sequência de várias detenções, as autoridades europeias se aperceberam de que redes criminosas internacionais estavam a utilizar a aplicação de comunicações encriptadas Sky ECC para falar e trocar mensagens em segurança. Não era uma tarefa fácil. Na época, mais de 170 mil pessoas utilizavam a aplicação, que tinha uma infraestrutura própria e era operada a partir dos Estados Unidos e do Canadá. Segundo a Europol, eram trocadas mais de três milhões de mensagens por dia.
O segundo passo foi dado quando as polícias belga e holandesa conseguiram desencriptar o sistema de comunicações. Passaram então a monitorizá-lo até à operação de 9 de março de 2021 durante a qual conseguiram bloquear a utilização da aplicação. Foram recolhidos milhões de mensagens e registos áudio que, aos poucos, começaram a ser entregues às autoridades de vários países europeus. «Tudo o que tinha a ver com Portugal ou indivíduos portugueses foi enviado à Polícia Judiciária através do Eurojust», diz ao Nascer do SOL uma fonte judicial.
As mensagens recolhidas na Sky ECC juntaram-se aos milhões de comunicações que, um ano antes, tinham sido apreendidas numa aplicação semelhante, a Encrochat. Foram as mensagens desta última que contribuíram de forma decisiva para a detenção e condenação de Ruben Oliveira, conhecido por «Xuxas» que a PJ classificou de um dos barões do tráfico de droga em Portugal.
Instalar o sistema no telemóvel não era barato. «Custa mais de dois mil euros. Era usado por criminosos mas também por jornalistas, empresários e políticos que queriam proteger as comunicações», explica um advogado que participou no processo de Ruben Oliveira.
Cada utilizador da aplicação tinha um código atribuído – não um nome, o que dificulta a atuação das autoridades. «São conversações em massa, em bruto. A maioria está relacionado com o tráfico de droga. Os investigadores estão a verificá-las e a ver se as conseguem relacionar com processos que estejam em curso ou mesmo que estejam arquivados. Nesse caso, são reabertos», explica um magistrado que pediu o anonimato. «É até feita uma comparação de voz, são analisadas as antenas de telemóveis para tentar obter uma localização e também o conteúdo do que é dito, para perceber se é possível identificar alguém», acrescenta outra fonte judicial. Após uma fase inicial em que apenas a PJ tinha acesso às comunicações, elas foram também partilhadas com o Departamento Central de Investigação e Ação Penal.
Foi nesse contexto que, na última terça-feira, a Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da PJ realizou uma operação na qual foram detidas duas pessoas e realizadas 33 buscas domiciliárias, uma das quais ao cantor Nininho Vaz Maia por suspeitas de tráfico e branqueamento de capitais. Contactado pelo Nascer do SOL, o advogado do cantor, Carlos Melo Alves, garante que o cliente está inocente. «Não foi apresentada qualquer prova. Nas buscas dizem que está indiciado, mas não apontam fatos. Dizem que levou droga para Espanha mas como? Quando? O mandado de busca não diz. E ele nem sequer foi presente a um juiz», afirma.
De acordo com a PJ e o Ministério Público (MP), o líder da rede será o empresário da construção civil Mauro Wilson, que chegou a ser dado como estando em parte incerta, algo que o seu advogado desmente. «No dia das buscas enviei um requerimento a pedir para ele ser ouvido. Esteve no meu escritório. Hoje, quinta-feira, às 15h ainda não tive resposta. Presumo que não tenham interesse em ouvi-lo», diz ao Nascer do SOL Paulo Mendes Santos. «A PJ foi ao escritório da irmã dele, que é advogada e à quinta do pai. Estiveram em casas do Mauro e não lhe apreenderam um euro nem o Lamborghini que estava na garagem», continua.
Questionado sobre a relação com Nininho Vaz Maia, o advogado diz que são amigos de infância. «Conviveram no mesmo bairro até aos 10 anos mas não têm uma relação recente», garante. «O despacho que apresentaram a alguns dos arguidos diz que o Mauro é traficante, sem mais. É mentira. Ele é um empresário. Em 2021 tinha uma empresa que já faturava mais de um milhão de euros», acrescenta. Sobre a aplicação Sky ECC, é perentório: «Não usa estas comunicações. O telefone dele não tem essas aplicações».
No entanto, uma fonte judicial explica também que quando as aplicações foram encerradas, os telefones onde elas estavam instaladas «desapareceram». Resta saber se é possível associar os nomes de código às pessoas.
Um outro aspeto tem a ver com a legalidade dessa utilização. Vários advogados têm contestado essa prova, dizendo que é proibida porque não foi recolhida de acordo com a lei portuguesa. Todavia, a PJ e o MP confiam na sua utilização, defendendo que as provas foram avaliadas por um juiz no país de origem, foram enviadas ao abrigo de uma Decisão Europeia de Investigação e depois foram validadas por um juiz de instrução criminal.