‘Há coisas que não desaparecem só pelo facto de se ganhar eleições’ 

Não fecha a porta a entendimentos com a AD nem a uma CPI dirigida a Luís Montenegro. Diz que o Chega é pela estabilidade e pressiona o Presidente da República a dizer se vai ou não dar posse a um Governo sem maioria.

Em plena campanha pelo Norte do país, o líder do Chega falou com o Nascer do SOL sobre as suas principais prioridades políticas, estabelece diferenças em relação à AD mas não vira as costas a futuros entendimentos parlamentares para dar uma maioria ao país. Sabe que a vitória será um resultado altamente improvável mas diz que o Chega já é hoje um partido grande.

Porque é que o Chega ainda não divulgou a lista de candidatos ?
Está publicada na Comissão Nacional de Eleições (CNE). O trabalho também tem que ser feito pelos jornalistas. O partido tem divulgado a lista distritalmente. Está no tribunal e na CNE. Nem é possível esconder isso. As listas são entregues nos tribunais, onde são validadas.

E como foi feita a seleção este ano?
Por um lado queríamos recuperar muita da mensagem política, ou seja, houve uma avaliação política do que foi feito, que eu fiz, do trabalho dos deputados que já estão em funções. Por outro…

Os que não entraram foi porque não fez uma boa avaliação do trabalho deles?
Houve diversas razões. Não teve necessariamente que ver com o trabalho feito. Num distrito pode haver a necessidade de renovação. Noutros foi após conversas que tive, em alguns casos mais pessoais, com os deputados. O processo de escolha envolve muitas variantes. Comecei por fazer este trabalho político e depois incluir um conjunto de novos valores, jovens e mulheres, para conseguirmos ser o mais transversais possível. Quando queremos ganhar temos que ter candidatos que representem os mais velhos, os mais novos, homens, mulheres, com rendimentos mais altos, mais baixos, pessoas da cidade e do interior…

Fez algum tipo de interrogatório para garantir que não ia ter episódios como o do Miguel Arruda?
Mesmo que tivesse havido um questionário, no caso do Miguel Arruda não teria mudado nada porque ele não tinha cadastro, nunca tinha tido problemas com a justiça, não era arguido…

Mas é possível garantir que não haverá mais casos como esse?
Fiz a análise do que é possível fazer. Procurámos garantir a idoneidade de todos os candidatos para exercer a função de deputados e, eventualmente, de membros do Governo.

E se a Cristina Rodrigues for condenada?
A Cristina Rodrigues está acusada pelo PAN de ter apagado e-mails quando era secretária geral do partido e tinha acesso a esses e-mails. Não vamos confundir isso com deputados do PSD que atropelam crianças e fogem ou são arguidos por corrupção e ficam lá. Ou como o presidente do Governo Regional da Madeira, que é investigado por corrupção. Não é tudo a mesma coisa. Eu também já fui arguido por ter dito que os ciganos tinham de trabalhar.

Se ela apagasse e-mails do Chega não teria que responder por isso?
É claramente uma perseguição do PAN e a razão é simples: quando saiu do PAN, a Cristina veio para um partido vencedor enquanto o PAN passou para um deputado. Não vamos confundir isso com roubar os contribuintes ou ter comportamentos agressivos como tem o PS e o PSD. O PS e o PSD tinham de nascer 50 vezes para ter uma bancada igual à do Chega. Dos 300 e muitos políticos a braços com a Justiça, mais de 90% são do PS e do PSD e não vejo a mesma preocupação em perguntar-lhes isto. Já fui arguido por dizer que os ciganos tinham que trabalhar, por que determinados grupos eram bandidos… Uma coisa é a participação democrática que às vezes choca, outra é roubar o erário público.

Nas últimas eleições deu muito peso à escolha de pessoas que vieram do PSD para o Chega. Desta vez dois desses nomes ficaram de fora. A sua margem de recrutamento já não está tão virada para os desiludidos do PSD?
O Chega hoje tem uma dimensão diferente. Há um ano era um partido com 12 deputados. Era a terceira maior bancada, mas tinha uma diferença bastante significativa para as outras. Era o que na Europa se chama um partido médio. Esses partidos tendem a ir buscar aos maiores pessoas que se arrependeram da militância ou da participação. Hoje o Chega é um partido grande da democracia, com 50 deputados. Hoje o Chega gera os seus quadros, tem a sua juventude a crescer de forma significativa, produz jovens com talento político e daqui a dez anos será mais ainda. A base de recrutamento é muito maior. Para além de 1.200.000 votos, tem centenas de autarcas, tem estruturas fortes em todo o país.

Quem poderá assumir um dia a liderança do Chega?
Não vou fazer avaliações de futuros líderes.

Não consegue indicar dois ou três nomes?
O Chega tem muitos valores seguros, nomeadamente no seu quadro parlamentar, tem pessoas muito reconhecidas que estão nas televisões todos os dias. Também tem já centenas de autarcas. Os políticos são como os treinadores de futebol, estão dependente dos resultados. O meu dia chegará e não gostaria de condicionar as escolhas do partido para o futuro. Quando sair deixarei que o partido escolha livremente. Neste momento não é um cenário que equacione, estou à espera de vencer estas legislativas.

Se a AD vencer as eleições está disposto a apoiá-la? Ou o caso Spinumviva impede qualquer apoio?
O ideal era Luís Montenegro sair.

Se ganhar as eleições é pouco provável.
Compreendo isso. Mas não podemos estar a arriscar o país ir para novas eleições, com desenvolvimentos deste caso ou de casos associados. Há coisas que não desaparecem só pelo facto de se ganhar eleições. Esta avaliação devia ter sido feita por Luís Montenegro e não foi. Estamos ultrapassados nesta fase. O Chega ficar à frente na direita era uma situação mais vantajosa, porque obrigaria a uma mudança na liderança do PSD e teríamos provavelmente um Governo estável. Se a AD vencer com Luís Montenegro é uma situação complexa. Nesse momento faremos essa avaliação. Um: Luís Montenegro não devia estar à frente do Governo. Dois: o Chega será sempre pela estabilidade num momento difícil em que vai haver eleições presidenciais e não pode haver a dissolução do Parlamento.

Isso quer dizer o quê? Que não diz que não terminantemente a…
O Chega já votou contra a moção de rejeição no último Governo. O Chega esteve sempre pela estabilidade. Mas, de facto, há um ano não havia algumas suspeitas sobre Montenegro.

Vai priorizar a estabilidade?
O Chega sempre priorizou a estabilidade, mas não a qualquer preço, como se viu na Madeira. Foi o único partido com coragem para apresentar uma moção de censura a Miguel Albuquerque quando as suspeitas de corrupção se tornaram insustentáveis. O Chega não joga só com o papão da estabilidade. Joga também com a idoneidade, com a necessidade de combater a corrupção. São valores que não se vendem e não se cedem. Sim, a estabilidade é importante e lutaremos por ela. Sim, Luís Montenegro não devia ser primeiro-ministro e tem poucas condições para o ser. Não, não podemos esquecer a luta pela transparência e contra a corrupção.

Mas não diz que num o cenário de vitória da AD fecha completamente a porta a qualquer tipo de conversa com a AD.
Nunca fechámos a porta. Sempre tivemos canais de contacto. Esse [vitória da AD] não é um cenário em que estejamos a trabalhar. Se acontecer, avaliaremos o programa, as explicações que o primeiro-ministro entender que deve dar. Certamente o Presidente da República também exigirá que isso aconteça. E o Presidente também terá uma palavra a dizer sobre se vai dar um posse ou não a um Governo sem maioria. O Chega quer lutar para ganhar assumindo também que quer ser um partido que luta pela estabilidade.

Caso Montenegro ganhe as eleições, admite apoiar a CPI [comissão parlamentar de inquérito] proposta pelo PS?
Vamos ver. Admitimos que haja uma CPI sobretudo se não houver explicações ou houver suspeitas acentuadas sobre o favorecimento de determinadas empresas que operam em Portugal e que tenham tido ligação ao primeiro ministro. É preciso que as eleições clarifiquem o contexto político e depois avaliaremos essa situação. Admitimos que sim, também admitimos que possa não ser necessário se as explicações forem dadas. É um cenário em aberto.

‘As pessoas sabem quem quis controlar a imigração’

Se chegar ao Governo, é logo no primeiro dia que André Ventura inicia o processo de remigração e garante que nenhum novo imigrante entra no país, até que a situação de imigração descontrolada esteja regularizada.

Um dos temas da campanha tem sido o da segurança. Acha que o Governo está a querer roubar-lhe a bandeira, tal como o PS roubou ao PSD as contas certas?
Acho que são coisas diferentes. Quando as pessoas têm de escolher entre o original e a cópia escolhem sempre o original. As pessoas sabem quem votou sempre pelo controlo da imigração e também por reforçar a segurança.

Não foi o CDS?
O CDS já não existe… o CDS hoje é Os Verdes do PSD. Estou certo que o CDS concordaria connosco em muitas coisas se pudesse votar livremente, mas não pode neste contexto.

Não valoriza de forma nenhuma o trabalho que o Governo diz que fez?
É igual ao Partido Socialista. Chegou ao ridículo de anunciar publicamente a notificação para saída voluntária de 4500 pessoas. Em 2017 foi notificada mais gente e era o PS que estava a governar e não tínhamos 1,6 milhões de imigrantes. As pessoas não são estúpidas, não se deixam enganar por manobras de última hora para desviar atenções de casos e para procurar fazer cópias.

Se no dia 18 de maio ganhar as eleições o que vai fazer com esses 1,6 milhões de imigrantes?
Primeiro temos de ver os que são legais e os que não são legais. E o primeiro-ministro disse que havia pessoas que nem conseguia notificar. Não sabe onde estão. Temos de fazer um levantamento do que está a acontecer.

Acha que é uma coisa que se consiga fazer rapidamente?Se outros países conseguem, nós também conseguimos. Se a Suíça, EUA, Alemanha conseguem, nós também.

O que pretende fazer? Quer expulsá-los a todos?
É preciso voltar às quotas. Só podemos deixar entrar quem queiramos deixar entrar numa orientação de otimização económica para certos setores. Depois, expulsar quem está ilegal. Não devemos ser um chamariz de legalizações à posteriori.

Mas esses 1,6 milhões estão legais?
Agora sabe-se que só cerca de 300 ou 400.000 trabalham e descontam. O que devemos perguntar-nos é o que estão a fazer os outros todos.

Se calhar é ignorância minha, mas onde é que estão publicados esses números de que só 300.000 é que estão a trabalhar?
Nós divulgámo-los na RTP, são números da Pordata em relação à Segurança Social. Vi um desmentido de um dos fact check que na verdade dizia que não são 300, se não me engano são 400 e tal mil. Estamos a falar de poucas centenas de milhares face a um milhão e seiscentos mil e acho que isso deve merecer uma análise rápida por quem está a governar.

Ainda não me respondeu. O que é que acontece às pessoas que já cá estão legalmente?
As pessoas continuam legalmente, se continuarem a trabalhar e a descontar.

O Governo, numa análise que fez a 29 medidas quantificáveis do seu programa, diz que elas significam um rombo de 40 mil milhões € no Orçamento do Estado.
Há duas hipóteses, ou o Dr. Luís Montenegro está a mentir deliberadamente, ou então não percebe mesmo nada de economia nem de finanças. O nosso programa económico e macroeconómico, como eu tive ocasião de dizer no debate, é muito mais próximo do cenário do Conselho das Finanças Públicas do que o da AD: em matéria de exportações, em matéria de crescimento, em matéria de variação da dívida pública, etc. Segundo elemento igualmente importante, o primeiro-ministro sabe perfeitamente que um conjunto de medidas como a descida do IRC para 15% e o fim das portagens são medidas que não são anuais, mas plurianuais. E também elas têm de ser diluídas no conjunto plurianual que nós definimos bem no programa. Ao mesmo tempo propomos medidas do lado da receita, queremos ir buscar a receita à taxa de solidariedade, ao aumento da taxa de solidariedade…

O que é a taxa de solidariedade?
É a taxa sobre aquilo que foram os lucros excessivos da banca e das grandes petrolíferas internacionais…

E isso não é uma medida um bocado bloquista?
Não, não é. Porque quando nós temos um cenário em que há um conjunto de setores que subitamente aumentam o seu rendimento sem nenhum esforço adicional por causa de um contexto inflacionário internacional, ela é uma medida de solidariedade.

Isso é o que o Bloco argumenta.
Não, o Bloco quer pôr tetos às coisas, ou quer nacionalizar, que é uma coisa completamente diferente.

Mas nos lucros excessivos, é exatamente a mesma proposta.
Eu não compreendo muito bem como é que se pode dizer que os bancos podem continuar a lucrar com todas as comissões do crédito à habitação, enquanto as pessoas não conseguem pagar a habitação. Isto não é de direita, nem de esquerda, devia ser uma coisa consensual.

Mas essas empresas já pagam uma taxa de solidariedade.
Exato, porque tiveram também, num contexto inflacionário internacional, um conjunto de lucros que derivaram do aumento dos custos sobre produtos que as pessoas pagam, nomeadamente nos seus créditos à habitação e quando vão abastecer os carros.

O Rui Rocha diz que o Chega é um partido socialista na economia. É?
O Rui Rocha pode dizer o que entender. É tão ridículo que não precisa de ser rebatido. O Partido Socialista tem provavelmente no Chega o seu maior adversário.

Mas no último debate, como disse Rui Rocha, esteve a criticar o Partido Comunista por não ter votado ao lado do Chega em propostas em que concordam.
Porque o Rui Rocha não sabe o que é falar de aumentos de pensões. Para o Rui Rocha, o que lhe importa, são três ou quatro grandes empresas situadas em Lisboa e no Porto, mas isso não é o país real. Por isso é que a Iniciativa Liberal tem 5% dos votos e não tem nenhuma representação no interior do país, não representam o país real. Eu não falo para três ou quatro empresas em Lisboa e no Porto. Eu falo aos pensionistas que vivem miseravelmente, ou falo aos bombeiros que vivem miseravelmente. Eu falo para as pessoas têm de pagar portagens. Tudo isso é ignorado pela Iniciativa Liberal. Não é o Chega que é socialista, é a Iniciativa Liberal que é irrealista e que confunde o país real com o Príncipe Real.

Mas reconhece que muitas dessas medidas que enumerou têm sido responsáveis por alguma ausência de reformas no país, no sentido em que a despesa que vai sendo feita, por exemplo no aumento de pensões, ignora a reforma da Segurança Social, tal como noutras áreas em que as medidas são populares, mas não é necessariamente aquilo que o país precisa de fazer?
Compreendo isso perfeitamente, por isso é que o Chega teve a preocupação de trabalhar num cenário macroeconómico e não dizer, como fazem o PCP, o Bloco e o PS, que vamos aumentar toda a gente e vamos nacionalizar as coisas todas. O Chega tem a preocupação de fazer um cenário baseado em crescimento económico, nas exportações, na variação da dívida pública, de forma realista e procurando dizer que há medidas que são urgentes. Nós assumimos a questão das pensões, apesar do impacto orçamental, porque nós temos pensões mínimas de 225€. Em nenhum outro país da Europa com que nós gostamos de nos comparar há pensões deste valor.

Mas acha, ou não, que é importante haver uma reforma da Segurança Social?
A Segurança Social tem de ser reformada, porque senão um dia será insustentável. Nós só conseguiremos a sustentabilidade da Segurança Social se conseguimos fazer um equilíbrio entre o setor privado e o setor público, garantindo que nas contribuições para a Segurança Social seja possível ao próprio contribuinte fazer uma gestão das suas contribuições ao longo da vida, promovendo também a entrada em cena de outros fatores, como seguros, como planos de poupança reforma, como fazem os Estados Unidos, como faz a Inglaterra e como faz a Dinamarca e outros países também.

Isso não é privatizar a Segurança Social?
Não, porque privatizar é acabar com a Segurança Social pública. Nós entendemos que devemos ser um país com uma Segurança Social pública, isto não quer dizer, que tal como com a saúde, não possam existir complementos privados e comparticipação privada, é nesse cenário que se encontra o equilíbrio.