NRP Mondego. Decisão do STA em sentido contrário de anteriores

O desfecho desfavorável à Marinha decidido pelo STA incide sobre a “parcialidade” do oficial instrutor e do próprio Comandante Naval, quando esta matéria já havia sido apreciada e decidida, no sentido da sua imparcialidade

O Supremo Tribunal Administrativo (STA) declarou a ilicitude das sanções aplicadas pela Marinha aos militares do NRP Mondego na sequência da missão falhada de 2023. No entanto, a decisão entra em contradição com processos que correram noutros tribunais, já transitados em julgado.

O desfecho desfavorável à Marinha decidido pelo STA incide sobre a “parcialidade” do oficial instrutor e do próprio Comandante Naval, quando esta matéria já havia sido apreciada e decidida, no sentido da sua imparcialidade.

Recorde-se que em junho de 2023, os treze militares intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal um processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Neste pediram que a Marinha fosse intimada a substituir o oficial instrutor do processo disciplinar, por entenderem que o oficial nomeado teve participação na cadeia de eventos ocorridos no dia 11 de março de 2023.

No mês seguinte, os mesmos militares intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa um outro processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, com idênticos fundamentos e idêntico pedido. 

O pedido foi rejeitado pelo tribunal, que decidiu que “(…) inexistem indícios, objetivos, que o oficial nomeado instrutor tenha algum preconceito contra os [autores] ou interesse pessoal no desfecho do processo ou tenha tido um comportamento que, objetivamente, suscite dúvidas, sérias e graves, quanto à sua isenção na tramitação do procedimento disciplinar de modo a perigar o exercício do direito de audiência e defesa dos [autores]. (…)”.

Em novembro, o mesmo tribunal, julgou procedente a exceção de caso julgado e, em consequência, absolveu a Marinha da instância, em face da decisão que havia proferido, em julho. Desta última decisão interpuseram os militares recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, o qual, por acórdão datado de setembro, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.

Os militares foram punidos com penas entre 10 e 45 dias de suspensão de serviço pelo comandante naval e o almirante Chefe de Estado Maior da Armada decidiu indeferir o recurso hierárquico apresentado pelos militares, mantendo a pena disciplinar, sem qualquer alteração na pena e no processo de decisão. A situação foi notificada aos militares e respetivos mandatários em 11 de julho de 2024.

Os militares instauraram depois um processo cautelar, para suspensão desta decisão de indeferimento e uma ação administrativa com o processo para anulação desse despacho. A decisão do TCA do Sul – desfavorável à Marinha, que recorreu – recaiu sobre estes dois processos instaurados e decidiu não só julgar o processo cautelar, mas também antecipar o julgamento da causa principal. 

O acórdão do STA, datado de 30 de abril, nega provimento ao recurso da Marinha, que contestava a  decisão anterior do TCA Sul, refere que o processo de sanções disciplinares contém diversos vícios e falhas que resultam na “nulidade da decisão sancionatória disciplinar por vícios do procedimento”. 

O acórdão do Supremo debruça-se sobre a matéria disciplinar, apesar de se ler que “não se discutindo que o processo dispõe de todos os elementos para a decisão de fundo da causa e não existindo dúvida acerca das questões colocadas e da gravidade dos interesses em presença, os quais vão muito para além dos interesses pessoais e profissionais dos militares em causa e que contendem com os valores essenciais da condição militar, em particular, da hierarquia – estrutura de comando e obediência – e da disciplina – cumprimento dos normativos e das ordens, está justificada a decisão de antecipação do juízo sobre a causa principal”. 

“A nulidade da decisão sancionatória disciplinar por vícios do procedimento, obsta à apreciação e qualificação do comportamento dos militares da Marinha descrito nos autos e à (in)validade da subsunção normativa que lhe será inerente, bem como, consequentemente, prejudica a aferição da legalidade substancial das sanções aplicadas”, lê-se no acórdão.

A defesa dos militares pretende ver garantida a “responsabilização da hierarquia”, que no caso em concreto, tem no topo o almirante Henrique Gouveia e Melo, que na altura dos factos se deslocou à ilha da Madeira, onde o navio-patrulha estava em missão, para publicamente repreender os militares que se recusaram a cumprir a missão atribuída.

Sobre o tema, o na altura almirante Chefe de Estado Maior da Armada preferiu não comentar o caso, mas deixou claro que não concorda com a decisão.

“Neste momento, a marinha tem um novo chefe que exercerá as responsabilidades que considere adequadas. Respeito o que os tribunais dizem. No entanto, tenho divergências sobre o que aconteceu. O tempo esclarecerá”, disse Gouveia e Melo.