O Matuto e os Mictórios

Aqui, é preciso esclarecer que o Matuto simpatiza com o dilema feminino. Enquanto o homem fica de pé e se ajeita, atrás duma árvore, escondido pela porta do carro ou contra um muro, a mulher não tem esse ‘à vontade’.

O Matuto não se empolga com estas eleições. Talvez por habitar nas Terras de Vera Cruz que receberam tão generosamente o Matuto no seu seio, ou pelo fastio de aturar mais uma ronda de tricas eleitoralistas, a verdade é que o evento de 18 de Maio, deixa o Matuto indiferente.

Na singela opinião do Matuto esta campanha tem-se pautado por promessas mirabolantes, tropelias e abusos diversos. Como se valesse tudo para ganhar uns simples votos. A propósito o Matuto lembra-se da célebre frase “pecúnia non olet” – o dinheiro não tem cheiro. O Matuto sabe de fonte segura que foi o imperador Vespasiano o autor da famosa frase. Para impedir que urinassem nas ruas de Roma, Vespasiano mandou construir mictórios públicos que receberam o nome do imperador. Para compensar o investimento, taxou os ‘vespasianos’ – ainda hoje sobrevivem vários em Roma. Seu filho Tito achou um despropósito cobrar impostos por uma necessidade privada, feita em público. Vespasiano terá então dito: “pecúnia non olet”. Portanto, o dinheiro não tem cheiro, e pelos vistos os votos também não – conclui o Matuto.

Naturalmente que o uso das casas de banho pelo mundo fora varia muito. Por vezes é uma arte. A gentil esposa do Matuto, Dona Sirlei, sentiu-se muito ofendida quando em Londres lhe pediram umas libras para usar o ‘banheiro’. A entrada que dava acesso ao ‘alívio da pressão bexigal’ tinha uma catraca, onde se devia introduzir a quantia exigida. Dona Sirlei achou um absurdo. Ora, por razões físicas, este apelo da natureza é mais facilmente resolvido pelo homem. Para uma senhora a coisa pia mais fino. O Matuto já ouve as reclamações da esquerda bacoca: Mais uma razão para considerar o homem como tóxico! Bolotas! Haja pachorra. Adiante.

Aqui, é preciso esclarecer que o Matuto simpatiza com o dilema feminino. Enquanto o homem fica de pé e se ajeita, atrás duma árvore, escondido pela porta do carro ou contra um muro, a mulher não tem esse ‘à vontade’. O homem chega numa casa de banho suja, sujíssima (o dinheiro pode não ter cheiro, mas há certos odores que ofendem a membrana pituitária), com pocinhas suspeitas, e lá vai disto que amanhã não há. Se for preciso, suja ainda mais todo aquele cenário imundo, com convicção e bravura. O herói da latrina. A mulher não é bem assim.  A mulher precisa sentar-se… Pois é! No maior desespero a mulher enfrenta a odisseia de dentes rilhados. Um pé no chão limpo, outro na inevitável poça, e o corpo levitando por cima da sanita (vaso sanitário, no Brasil, por favor) para não tocar com a pele nenhuma das áreas tenebrosas. Equilíbrio periclitante. Uma mão a tapar o nariz e a outra a resguardar as vestimentas do ambiente hostil. Uma acrobacia à altura apenas de uma atleta olímpica!

O António Lobo Antunes, numa crónica sobre amizade, fala da camaradagem de fazer chichi com o seu irmão Pedro. Diz ele: “deve ser difícil para as mulheres entenderem isto, mas para os homens, fazer chichi lado a lado, ao ar livre é sinal de amizade, a olharmos para baixo, cheios de duplos queixos. Fazer chichi na rua é dos meus maiores prazeres, devo ter sido cachorro noutra encarnação. Detesto urinóis, retretes: haverá coisa que se compare à exaltação de urinar contra uma parede”? (in, Quinto Livro de Crónicas, pg 22-23).

Só mesmo o Lobo Antunes para emprestar elegância a algo tão prosaico. O Matuto prefere o recato do lar para tais andanças. Afinal, não vale tudo para aliviar as funções do corpo. E, nem tudo é lícito na conquista de votos. Mas isso não diz respeito ao Matuto, pois considera que um cavalheiro, nos dias que correm, é visto como um lunático incompreendido. Daí o Matuto refugiar-se pacatamente apenas em lamentar a corrupção das coisas. Afinal, um cavalheiro não se deve enredar em minudências.