‘O mercado de imobiliário de luxo em Portugal está a começar’

O CEO da Vanguard Properties lembra que muitas vezes a palavra ‘luxo’ é usada para áreas do mercado que não o são. E que ‘um produto pode ter um preço muito elevado e não ser considerado caro’.

O CEO da Vanguard Properties reconhece que, apesar de este mercado captar compradores portugueses, «nos segmentos mais altos há um maior peso da clientela internacional». Que é cada vez mais diversificada.

Como está o mercado imobiliário de luxo?
É um segmento que em Portugal está a começar. Ainda há relativamente poucos projetos de habitação de luxo. O mesmo acontece com as branded residences, ou seja, unidades turísticas e residências com marca, que também é algo que está a começar. Este mercado tem um grande potencial, está a crescer e está a crescer tanto com a demanda portuguesa, assim como estrangeira. Mas muitas vezes usamos a expressão ‘luxo’ para determinadas áreas de mercado que não o são.

Quais são as diferenças?
Há segmentos mais altos, premium, que não são luxo. No nosso caso, por exemplo, o primeiro projeto de luxo que fizemos foi o Castilho 203 e tem a ver com um conjunto de critérios: a localização e as vistas são de luxo, assim como a arquitetura, a decoração, os materiais e a marca. O luxo é tudo isso, são produtos que têm uma atenção ao detalhe, aos materiais utilizados, à decoração, aos espaços comuns que transformam aquele edifício num edifício de luxo. Por exemplo, se for à rua Castilho, todos os edifícios têm comércio no rés-do-chão, enquanto o Castilho 203 tem, por um lado, um hall de pé direito duplo e, por outro, uma piscina privativa. Isso para quê? Para melhorar os espaços comuns do próprio edifício e isso faz parte do conceito de luxo, assim como ter piscina interior, piscina exterior, ginásio, spa, sala de cinema. Por exemplo, uma loja com 150 ou 250 metros quadrados no Castilho 203 se calhar alugava-se por quatro ou cinco mil euros ou poderia ser vendida por 1,5 milhões, mas em vez disso, opta-se por dar espaço ao condomínio. Por exemplo, ter uma peça de José Pedro Croft ou outra contribui para a exclusividade do edifício. Já um edifício como o Infinity é premium porque não tem o mesmo nível de acabamentos, mas tem grandes espaços comuns, etc. É um edifício, claramente, de um segmento superior, mas não de luxo.

O mercado de luxo atrai só compradores estrangeiros?
Temos um mercado em Portugal que é interessante e temos tendência para dizer que ‘os portugueses não têm dinheiro para comprar’, mas a verdade é que, em 2024, cerca de 94% das transações foram feitas com portugueses. Depois dizem: ‘Ah, mas estão muito endividados’. Não, temos um mercado em que, neste momento, todas as transações efetuadas quando tem crédito envolvido, o volume do crédito face ao preço de venda representa 51%. Ou seja, quando alguém compra uma casa por 100 está a pedir 51 e 49 é capital próprio, o que contraria em absoluto a ideia de que está tudo endividado, que ninguém compra, etc. Os portugueses continuam a comprar. Obviamente que nos segmentos mais altos há um maior peso da clientela internacional, mas provavelmente é assim em muitos mercados. Se for a ver o mercado de Nova Iorque, de Miami, de Londres, de Paris, de Madrid ou de Barcelona provavelmente o peso estrangeiro também é maior nos segmentos mais altos. E Portugal pode beneficiar desta instabilidade que se vive em alguns países, como no caso dos Estados Unidos, trazendo pessoas que queiram ter cá segunda residência, por exemplo.

Daí a vossa aposta no mercado norte-americano?
Sim e não só. Apostamos no mercado canadiano, brasileiro, mexicano e, muitas vezes, há nacionalidades que estão a viver, por exemplo, em Madrid e que acham interessante olhar para Portugal. A procura da Europa também continua. Temos a Alemanha, a França, a Bélgica, a Suíça e a Espanha. Mais recentemente e curiosamente, tem havido um pico na procura por parte de clientes da Polónia, não sei se tem a ver com a da guerra na Ucrânia. É bastante variado e é bom que seja assim para não ficarmos dependentes de apenas uma nacionalidade e do ponto de vista de um edifício ou de uma zona também não é bom que haja uma grande concentração porque isso depois também afasta outros. Se tiver 10, 15, 20 nacionalidades numa região é muito mais interessante do que se tiver uma ou duas.

A oferta de luxo continua muito concentrada em regiões como Lisboa, Porto e Algarve?
Não, mesmo interior do Alentejo começam a aparecer coisas muito interessantes. Costumo dizer que uma das poucas coisas positivas que a covid trouxe foi o facto de muitas pessoas perceberem que não precisam de viver nos centros das cidades, principalmente num país com a nossa dimensão. Começa a haver uma procura diferente em relação ao passado, em que as marcas hoteleiras de luxo começam a olhar para Portugal e há uma correlação muito forte entre o crescimento do turismo e a compra da habitação. Isto é, quanto maior for o número de turistas, mais isso impulsiona a venda de imóveis residencial. Isso é assim em todo o lado. Antigamente em Lisboa tínhamos o Ritz, o atual Four Seasons, e pouco mais, hoje em dia já começa a haver muitos hotéis mais pequenos com marcas conhecidas. Há muitas marcas internacionais que estão a querer entrar em Portugal e que estão a entrar em Portugal.

Em termos de valores, o nosso mercado de luxo apresenta preços mais baixos em relação às outras ofertas europeias?
Só vou fazer um comentário sobre o que significa ser barato ou caro. Caro é alguma coisa que está a ser pedida por quem venda e que a pessoa que a compra não lhe atribui o correspondente valor, ou seja, está a ser especulativo. Um produto pode ter um preço muito elevado e não ser considerado caro. Desse ponto de vista, Portugal, comparativamente com muitos outros mercados, embora tenha evoluído, partimos de uma base muito mais baixa e do ponto de vista de preço temos um preço muito mais baixo do que Miami, Nova Iorque, Los Angeles, São Francisco, Paris, Londres, etc. Ainda temos um caminho para recorrer, mas estamos a fazer esse percurso, no entanto, ainda estamos muito longe do posicionamento que podemos vir a ter. O mercado está a crescer, a oferta está a crescer e trazer marcas internacionais fortes, o que é importante porque essas marcas têm milhões de clientes e quando abrem, obviamente, trazem uma clientela internacional de elite e depois faz crescer tudo. É bom para todos.

O fim dos vistos gold prejudicou este mercado?
Criou uma impressão no exterior que Portugal já não estava interessado em receber investimento estrangeiro. Isso também aconteceu com os residentes não habituais. Temos atualmente o regime dos residentes não habituais que até é bastante interessante. Pode não ser interessante em relação aos reformados, acho que não nos interessa tanto assim atrair mais reformados, acho mais interessante atrair empresários, pessoas na vida ativa, mais jovens que querem criar laços com o nosso país, daí o residente não habitual ser muito mais importante do que os vistos gold. No entanto, não resolveu problema nenhum. Os preços nunca subiram tanto porque o problema não eram os vistos gold, nem os residentes habituais, nem os estrangeiros, o problema do nosso mercado é a morosidade e a pouca produção. Continuamos a ter um rácio muito próximo de em cada 10 casas vendidas, nove são usadas. Temos um mercado em que 94% de compradores são nacionais. Qual foi o impacto no preço das casas com o fim dos vistos gold? Subiram os preços, como muitos estudos indicaram, mas o poder político, na altura, decidiu com base ideológica e não com base nos estudos. Se comparar com 2022, hoje estamos com os preços substancialmente mais elevados, quer no arrendamento, quer na venda.

Um dos vossos grandes ex-líbris é a Comporta…
A Comporta é um local muito especial e, ao contrário do que se diz, está muito melhor protegido do que qualquer outra região do país. Se for a caminhar na praia desde o Comporta Café para baixo não vê um único edifício, excetuando os apoios de praia. Isso não vê em mais lado nenhum e faz com que a Comporta seja uma zona de desenvolvimento muito interessante, onde estamos a apostar bastante, além da proximidade com Lisboa.

A Madonna impulsionou essa notoriedade?
Ajuda sempre. A família Espírito Santo fez, na altura, um bom trabalho de convidar pessoas importantes. A Comporta tinha uma certa mística e era reconhecida por certas elites. Costumava-se dizer que era um segredo e esse segredo hoje já é menos bem guardado, e ainda bem. Há está mais gente a visitar e tem um elevado potencial para um segmento mais alto, o que é bom para toda a região porque vai criar mais empregos, melhores empregos, melhores infraestruturas e claramente aquela zona pode beneficiar muito da proximidade de Lisboa. Quando há uns anos comecei a receber clientes brasileiros diziam-me para irmos comer um peixinho à Comporta, mas para um lisboeta não fazia assim muito sentido porque achávamos que era muito longe. Do ponto de vista da vias de comunicação não é perfeito, mas já tem vias de altíssima qualidade. Às vezes, as pessoas dizem que a Comporta precisava de mais acessos, mas precisa de autoestradas para quê? Se é para ser um sítio exclusivo também não tem de ter uma autoestrada a descarregar pessoas à porta. E acho que deve ser assim. Há três anos fui fazer uma visita ao Costa Navarino, que é um projeto que se pode dizer que tinha algumas semelhanças com a Comporta, está a 3 horas e tal de Atenas e os últimos 60 ou 70 km são estradas municipais bem piores do que as de Alcácer e de Grândola para a Comporta.

Outra aposta do grupo diz respeito à sustentabilidade…
Sustentabilidade mas simultaneamente com outro aspeto. Obviamente que é importante que a sustentabilidade exista nos materiais, na sua durabilidade e na descarbonização do setor. Mas há um aspeto, no nosso caso em concreto, que está ligado com o tema da madeira, ou o que chama de engineer wood. Não é construção de madeira como se fazia no passado, hoje recorre-se à tecnologia. E um dos destaques é o conforto porquê? Porque está relacionada com as questões térmicas, com a acústica, etc. Ou seja, estamos a desenvolver um produto que é sustentável, mas simultaneamente tem conforto, é bonito, etc. E isso faz com que tenhamos de investir neste setor, porque se for muito sustentável, mas que seja desconfortável ou que não seja tecnicamente apelativo era mau negócio. Além disso, a sustentabilidade também está diretamente relacionada com a sua durabilidade.

Como vê o crescimento do mercado imobiliário de luxo quando Portugal atravessa uma crise de habitação?
Há uma crise, mas ao nível da oferta, muito diferente da crise do subprime. Os bancos hoje já não emprestam sem nexo. Por outro lado, nem mesmo na covid, não viu nenhum promotor imobiliário que tenha falido. O setor está sólido, o que temos é uma falta de produção.

E aí os preços sobem…
Temos um problema de fiscalidade e tanto quanto sei há muitos projetos que não saem. A Confidencial Imobiliário analisa o número de fogos em produção e o número de fogos em que foram emitidos certificados energéticos que são obrigatórios quando se submete um projeto na câmara e esse estudo indica que há muito mais certificados energéticos emitidos do que casas em produção, o que significa que haverá muitos projetos que não estão a andar e uma das razões poderá estar relacionada com atrasos no licenciamento. Mas estou convencido que, no caso dos segmentos mais baixos, a razão principal deve-se ao IVA e ao aumento dos custos de construção. Em Lisboa vemos que há poucos projetos em construção e acho que vamos ter uma situação ainda complicada no contexto da oferta. Aliás, este setor tem uma característica que é que é um pouco diferente da maior parte, já que toda e qualquer política que se faça hoje – vamos supor uma nova versão do Simplex ou que determinado tipos de projetos tenha uma taxa de IVA inferior – entre uma tomada de decisão, como a implementação de um novo processo de licenciamento que acelere, o processo vai sempre demorar três a quatro anos até as novas casas estarem no mercado. É preciso comprar, aprovar o projeto, encontrar o construtor, lançar a obra, executar a obra até entregar a casa. E o problema do licenciamento não é de agora. Estamos a sofrer as consequências da inação ou, muitas vezes, até do oposto, em que se conseguiu criar dificuldades ao setor, aumentando, por exemplo, as taxas. No ano passado, muitas câmaras aumentaram as taxas.

O que espera do próximo Governo?
Estaria já pronta uma revisão do Simplex. O Governo anterior aprovou, mas aprovou à pressa e continha todo um conjunto de situações ou de incoerências ou de erros ou de outras coisas que pura e simplesmente não estavam bem. Tanto quanto sei haveria uma proposta que estaria a ser submetida, mas com a queda do Governo ficou pendente. Se for a AD a vencer, suponho que rapidamente proponha essa solução da revisão do Simplex para resolver os problemas que ficaram pendentes. Temos um problema quanto à complexidade da burocracia e que não é bom para ninguém, nem para quem aprova, já que temos uma situação tão complexa, em que podemos ter diferentes pessoas com diferentes interpretações de uma alínea, o que não devia acontecer. É preciso leis bem feitas, claras, concisas e que olhem para a realidade do mercado. O grande problema é que, muitas vezes, pura e simplesmente não se compreendia o mercado. Também se devia agilizar o licenciamento, por exemplo, o Terraços do Monte demorou nove anos a ser licenciado. Se estiver na perspetiva da construtora, de um fornecedor ou do próprio Estado, em nove anos tinha feito três projetos, podia ter contratado a mesma empresa três vezes para fazer três edifício iguais, teria tido o triplo dos clientes, teria contratado vários fornecedores e tinha pago mais IMT, IMI e IRC. Uma coisa que demora muito tempo, naturalmente reduz a riqueza de todos e aumenta o preço das coisas.