Papa Leão XIV. Entre os progressistas e os conservadores com três mulheres no meio

Tem 69 anos, dupla nacionalidade, e o mundo cristão está à espera que indique o caminho. Na primeira aparição assustou os progressistas, mas depois tudo acalmou.

Quando Robert Francis Prevost surgiu na varanda do Vaticano, já como Papa Leão XIV, muitos progressistas devem ter proferido blasfémias ao “conservador” americano. Afinal, Leão XIV optou por vestir a ‘roupa’ associada aos conservadores, deixando os renovadores a citar o Diabo. O sul-coreano – que vive no Brasil há quase 60 anos – Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião (é assim que é apresentado pelo site do Instituto Humanitas Unisinos), escreveu um artigo logo após a tomada de posse do Sumo Pontífice: “Ao vê-lo pela primeira vez como Papa, a sua vestimenta tradicional de Papa que parecia mais o Papa Bento XVI do que Francisco me deixou meio triste. Mesmo não sendo um adepto do uso de rede social, acompanhei a transmissão participando de um pequeno de grupo de Whatsapp e postei que não gostei. Mas, ao ouvir a sua fala e depois de ler com calma, percebi ou reinterpretei essa imagem de uma outra forma. Pode ser que foi o jeito dele de comunicar e de dialogar com os setores mais conservadores da Igreja, que tinham dificuldade com o jeito de viver e de agir do Papa Francisco. Como ele disse: ‘Necessitamos ser, juntos, uma igreja missionária, que constrói pontes e diálogos’. Não só pontes com os de fora da Igreja, mas também no interior da nossa Igreja”.

Quem é o novo Papa

Como é fácil de perceber, sabe-se muito pouco do antigo cardeal Robert Prevost, daí que, por estes dias, o Papa Leão XIV consiga agradar aos progressistas e aos conservadores e até às três mulheres que fizeram parte do seu Dicastério dos Bispos – por ele passaram todas as nomeações dos novos bispos dos últimos dois anos. Tudo porque não se sabe qual o caminho que irá seguir, embora sejam muitos os que já decifraram as suas primeiras palavras, dizendo que estamos perante um reformista que irá seguir a ‘obra’ do Papa Francisco, enquanto outros pensam o contrário. “Até o Papa fazer a sua 1.ª encíclica [uma espécie de programa de Governo do Vaticano] pouco se saberá do caminho a seguir. Para onde irá levar o processo sinodal? Irá deixar de fora alguém? Os conservadores são descartáveis?”, questiona um sacerdote da ala conservadora.

O sangue mestiço

Nascido em Chicago, EUA, em 14 de fevereiro de 1955, Prevost tinha avós imigrantes: “Eu nasci nos Estados Unidos, os meus pais também nasceram em Chicago, mas os meus avós eram todos imigrantes, franceses, espanhóis”, disse numa entrevista ao Tg1. Para se perceber como hoje em dia tudo tem um significado, mesmo que seja um simples bocejo, logo os amigos dos imigrantes disseram que este passado do Papa Leão XIV é um sinal do caminho que irá seguir. Há teorias para tudo…

Continuando naquilo que se sabe, Prevost gostava de jogar ténis, entre outros desportos, e desde muito cedo simulava que dava missas, segundo um dos seus dois irmãos. Os pais eram profundamente católicos – a mãe trabalhava como bibliotecária e notabilizava-se no coro, enquanto o pai dava catequese na paróquia local. Duas tias eram freiras e os dois irmãos de Prevost também foram acólitos, como ele.

Segundo o Vatican News, o Papa Leão XIV “passou a infância e a adolescência com a família e estudou primeiro no Seminário Menor dos Padres Agostinianos e depois na Villanova University, na Pensilvânia, onde se formou em 1997 em Matemática e estudou Filosofia”.

Segundo a mesma publicação, foi por essa altura que entrou no noviciado da ordem de Santo Agostinho em St. Louis, em Chicago, e pouco tempo depois fez os primeiros votos – pobreza, castidade e obediência. Quase três anos depois, fez os votos solenes. Graduou-se em Teologia na Catholic Theological Union, sendo depois enviado para Roma, onde estudou Direito Canónico, na Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino. Foi ordenado sacerdote por D. Jean Jadot, no Colégio Agostiniano para os Não-Cristãos, hoje Dicastério para o Diálogo Inter-Religioso. A vida do Papa parece ter-se sempre cruzado com as duas faces da moeda da Igreja, Jadot era considerado um grande progressista, segundo rezam as crónicas.

Obteve a licenciatura em 1984 e no ano seguinte foi enviado para a missão agostiniana em Chulucanas, Peru. Viveu muitos anos neste país, primeiro numa região mais pobre, tendo depois voltado ao Peru a pedido do Papa Francisco, já como bispo, tendo participado como vice-presidente na Conferência Episcopal Peruana – Robert Prevost adquiriu entretanto também a nacionalidade peruana.

Segundo o Instituto Humanitas Unisinos, que podemos dizer que se identifica com a ala progressista, Prevost “desempenhou um papel político quando os bispos tentaram uma mediação pacífica e democrática no momento em que o poder do então Presidente Pedro Castillo estava vacilante”. O novo Papa ficou conhecido no Peru pela sua luta a favor dos pobres e dos oprimidos.

Antes tinha sido nomeado prior geral da Ordem de Santo Agostinho. Dando um salto no seu percurso, até para o texto não se parecer com um currículo vitae, em 30 de janeiro de 2023, o pontífice argentino chamou-o a Roma e nomeou-o Prefeito do Dicastério para os Bispos e presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, promovendo-o a arcebispo. Um ano depois era ‘nomeado’ cardeal, acompanhando a partir de então o Papa nas últimas viagens apostólicas, nomeadamente a Portugal, durante a Jornada Mundial da Juventude.

O pensamento do cardeal Prevost

Não são conhecidas muitas entrevistas do cardeal Prevost, mas há uma que tem sido muito citada, precisamente por ser de 2023. Quando questionado se podia desenhar um retrato de um bispo para a Igreja dos dias de hoje, foi claro: “Antes de tudo, é preciso ser “católico”: às vezes o bispo corre o risco de se concentrar apenas na dimensão local. Mas é bom para um bispo ter uma visão muito mais ampla da Igreja e da realidade, e experimentar esta universalidade da Igreja. É preciso também saber ouvir os outros e buscar conselhos, além de ter maturidade psicológica e espiritual. Um elemento fundamental do retrato falado é ser pastor, capaz de estar próximo aos membros da comunidade, começando pelos sacerdotes dos quais o bispo é pai e irmão. Viver esta proximidade a todos, sem excluir ninguém. O Papa Francisco falou das quatro proximidades: proximidade a Deus, aos irmãos bispos, aos sacerdotes e a todo o povo de Deus. Não devemos ceder à tentação de viver isolados, separados num edifício, satisfeitos por um determinado nível social ou por um certo nível dentro da Igreja. E não devemos esconder-nos atrás de uma ideia de autoridade que hoje não faz sentido. A autoridade que temos é servir, acompanhar os sacerdotes, ser pastores e mestres. Muitas vezes nos preocupamos em ensinar a doutrina, o modo de viver a nossa fé, mas corremos o risco de esquecer que a nossa primeira tarefa é ensinar o que significa conhecer Jesus Cristo e testemunhar a nossa proximidade ao Senhor. Isto vem primeiro: comunicar a beleza da fé, a beleza e a alegria de conhecer Jesus. Significa que nós mesmos o estamos vivendo e compartilhando esta experiência”.

E, quanto ao futuro da Igreja e ao processo sinodal, o que pensava o então cardeal? “Há uma grande oportunidade nesta renovação contínua da Igreja que o Papa Francisco nos convida a promover. Por um lado, há bispos que manifestam abertamente o seu receio porque não entendem para onde está a andar a Igreja. Talvez eles prefiram a segurança das respostas já experimentadas no passado. Eu realmente acredito que o Espírito Santo está muito presente na Igreja neste momento e está nos impelindo a uma renovação e, portanto, somos chamados à grande responsabilidade de viver o que chamo de uma nova atitude. Não é apenas um processo, não é apenas mudar algumas formas de fazer as coisas, talvez organizar mais reuniões antes de tomar uma decisão. É muito mais. Mas é também o que talvez causa algumas dificuldades, porque no fundo devemos ser capazes de escutar sobretudo o Espírito Santo, o que está pedindo à Igreja”. Tem então a palavra o Espírito Santo. Certo é que Leão XIV tanto aprecia o trabalho feito pelo padre Gustavo Gutierrez, o fundador da teologia da Libertação, como convive com o ultraconservador cardeal Muller.