Chega vs. Bloco de Esquerda: os opostos atraem-se?

Aumento do salário mínimo para mil euros em 2026, transportes públicos gratuitos, redução do IVA da eletricidade e gás alterações da carga fiscal nos alimentos básicos são algumas das medidas que unem os dois partidos.

Assim à primeira vista não há nada que una André Ventura, líder do Chega, e Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda (BE). São, talvez, os dois partidos mais distantes a nível ideológico e é preciso olhar para os programas eleitorais dos dois com uma lupa para que se encontre algumas semelhanças em determinadas áreas.

Mas vamos a medidas. Enquanto o BE quer taxar as empresas digitais e as grandes fortunas – este imposto aplica-se a fortunas acima dos 3.500 salários mínimos nacionais, cerca de três milhões de euros (deduzidos de dívidas) – e criar um imposto sobre lucros excessivos para os setores que mais beneficiaram com a inflação e a subida de juros, o Chega quer criar uma contribuição extraordinária temporária sobre o setor bancário e outra sobre as petrolíferas e distribuidoras, aplicável aos lucros excedentários.
Ainda em matéria de impostos, o partido liderado por Mariana Mortágua defende a criação de uma taxa sobre doações e heranças, a descida do IVA para a taxa de 6% da eletricidade, gás e telecomunicações e isenção de imposto para bens alimentares essenciais. Também o Chega quer reintroduzir o IVA zero para bens alimentares essenciais e proceder ao alargamento da lista anteriormente aprovada, assim como aplicar a taxa de IVA reduzida (6%) para a restauração e quer aplicar a taxa de IVA reduzida (6%) à eletricidade e ao gás, e implementar uma tarifa social da energia para famílias numerosas, considerando os primeiros 200 kWh consumidos por família/mês, e desde que a potência contratada não ultrapasse os 10,35kVA.
Mas há mais pontos em comum como o caso das pensões. O partido de André Ventura defende um aumento da pensão mínima para que nenhum idoso tenha um rendimento inferior a 820 euros. Isto seria numa primeira fase. Depois, esse valor ficaria ao nível do salário mínimo nacional. Já no caso do Bloco de Esquerda, ainda que a medida não seja exatamente igual, também defende o aumento das pensões. A ideia é que se aumente o valor mínimo para que seja possível garantir que este valor das pensões de carreiras contributivas com 20 ou mais anos de descontos fica acima do limiar de pobreza.

Seguimos para o salário mínimo nacional. Aqui também estão de acordo e ambos acham que o valor devia chegar aos 1000 euros em 2026. Também ambos os partidos querem a recuperação do tempo de serviço dos professores.

Nos transportes públicos, os dois partilham a mesma opinião. No programa do Bloco é dito que vão «mudar a forma como nos deslocamos, investir em transportes públicos gratuitos em todo o território». Também o Chega acena com a gratuitidade dos transportes públicos em todas as redes nacionais.
Quanto às empresas de transportes, nomeadamente a TAP, o Bloco defende a nacionalização da companhia de aviação – a par da Galp, EDP; REN, ANA e CTT – o Chega diz que é necessário «garantir a transparência e responsabilidade na gestão da TAP, promovendo parcerias estratégicas que assegurem a sua viabilidade económica, evitando qualquer alienação à Lufthansa ou Air France/KLM até resolução da queixa da Ryanair, e mantendo uma participação acionista que assegure presença no conselho de administração da TAP e da ANA (via renegociação com a VINCI)».
Em matéria de habitação, o partido de André Ventura diz que a solução poderá passar por estimular e incentivar a construção de habitação acessível por meio de parcerias entre o setor público e privado, defendendo ainda a redução do IVA a 6% para serviços de projeto e construção de imóveis destinados a habitação, também o partido de Mariana Mortágua quer construir casas públicas com vista a reduzir preços. Mas se o primeiro quer alargar a isenção de IMI para habitação própria e permanente de imóveis cujo valor patrimonial não exceda os 400 mil euros, o segundo pretende alargar a isenção deste imposto de três para oito anos para habitação própria até 125 mil euros e rendimentos até 153,3 mil euros. Quanto ao IMT, o Chega pretende alargar a isenção deste imposto e do imposto de Selo para os jovens até aos 40 anos e em casas até aos 400 mil, já o BE quer reduzir em 50% na compra de casa própria e permanente, mas em aumentar em 50% o IMT das segundas casas.

Em relação à justiça, os dois partidos partilham a mesma ideia de criminalizar o enriquecimento ilícito, com o Bloco a sugerir mesmo o confisco dos bens. O mesmo cenário repete-se na cultura. O Chega quer valorizar a produção artística e cultural, «através de um modelo de financiamento justo e contínuo para os artistas, criadores e estruturas». Já o Bloco de Esquerda quer a dotação de 1% do PIB para a cultura inscrita no Orçamento do Estado. Nota-se, portanto, que ambos os partidos querem ajudar a cultura nacional.

Finalidades distintas
Apesar de algumas parecenças, ao Nascer do SOL, o politólogo José Filipe Pinto esclarece que a finalidade das medidas de cada partido «é completamente diferente». E acrescenta: «Os dois são partidos populistas, mas enquanto o Bloco de Esquerda assenta num populismo socioeconómico – o povo deles é essencialmente o dos deixados para trás, os que se consideram vítimas do sistema, daí as medidas serem essencialmente de cariz socioeconómico que permitam ao seu eleitorado melhorar as suas condições de vida – o populismo do Chegue é populismo cultural ou identitário – assente na identificação com os valores, com a história, com a tradição portuguesa, por isso, as medidas irem no sentido de melhoria de condições de vida que na visão do Chega estão a ser postas em causa precisamente porque há grupos que não têm direito à proteção do Estado social e estão a beneficiar da mesma».

De acordo com o especialista em ciência política, «para o BE, os inimigos são os ricos e os capitalistas, já para o Chega o inimigo é o outro, aquele que vem tirar proveito de um sistema que deixa de poder garantir os direitos dos portugueses».