O dia em que a maioria maior se transformou em apelo ao voto útil

Um ano depois, não são só os portugueses que estão fartos de eleições, são também os políticos e os jornalistas. Na campanha de Montenegro o roteiro nem sempre passa pelas feiras e mercados. A prioridades é reconquistar eleitores à direita e retirar votos ao Chega.

O dia em que a maioria maior se transformou em apelo ao voto útil

As campanhas eleitorais são um exercício duro para políticos e comunicação social. São poucas horas de sono, muitos milhares de quilómetros percorridos, quase sempre no final de dias em constantes contactos de rua e comícios.

Quando a caravana eleitoral da AD chegou na terça-feira de manhã à lezíria ribatejana, para visitar uma plantação de arroz, o estado de espírito não deixa dúvidas, na caravana e entre a comunicação social, estão todos a contar os dias para o final. É natural que à segunda semana os protagonistas sintam algum cansaço acumulado, mas desta vez é diferente, a sensação de déja vu e de inutilidade em estar a repetir um filme já visto domina as conversas.

No encalce da agenda do Chega
O programa do dia não foi pensado para os repórteres de imagem, nem para os banhos de multidão. Esse era o programa para o dia seguinte. No Ribatejo, Montenegro quis mostrar que está a dar resposta às preocupações dos eleitores do Chega, muitos deles eleitores no distrito de Santarém, onde o cabeça de lista da AD é um forasteiro, mas é também o Ministro da Educação. Depois de uma demonstração das tecnologias usadas para a plantação do arroz, Montenegro e toda a comitiva foram os convidados de honra de um almoço que permitiu «fugir à carne assada e ter outra ementa mais variada e mais agradável», sublinhou o primeiro-ministro. Mas a melhor ementa veio nas palavras de Carlos Travassos, o neurocirurgião que é simultaneamente agricultor e que nessa qualidade anunciou aos presentes que os agricultores da região estão com a AD, porque com este Governo «passámos a idade das trevas no setor agrícola».


Um apoio assim declarado, em plena campanha eleitoral não é comum e o líder da AD não o deixou passar despercebido, prometendo mais empenho no apoio ao setor, com simplificação de processos e desburocratização.
O passo seguinte no programa de campanha seguiu o guião do piscar de olho aos eleitores do Chega. Em Torres Novas a visita à escola da polícia era reservada à comitiva de campanha, longe do olhar dos jornalistas. Ao contrário dos agricultores, a PSP não quis ser instrumentalizada para efeitos eleitorais. Talvez não o tenha sido, com imagens e discursos de agentes ao lado do candidato, mas a visita serviu na perfeição para que à saída Montenegro pudesse ter feito o discurso que lhe interessava na tentativa de conseguir «uma maioria maior».


No final de mais de uma hora de visita, o candidato desfiou os argumentos planeados. «Estamos empenhados em reforçar as forças policiais tornando a carreira mais atrativa e com mais equipamentos». Daí para a frente Montenegro falou em aumento de penas para crimes contra agentes de autoridade, mais polícia de proximidade, necessidade de diminuir a criminalidade violenta e sentimento de insegurança. André Ventura não faria um discurso muito diferente à saída desta escola de polícia.

Melo à procura de espaço
Numa campanha em que só há espaço para Montenegro, Nuno Melo procura formas de aparecer, o que não é fácil numa volta que tem como lema: «Deixa o Luís trabalhar».

Depois de ter sido acusado de ciúmes e de algum mal-estar com o piscar de olho que o líder da AD tem feito à Iniciativa Liberal, Nuno Melo tenta corrigir o tiro, procurando uma imagem mais institucional e menos intrusiva. Ao longo de todo o dia a presença do líder do CDS mal se notou, ainda por cima porque este era também o dia de dar visibilidade a Fernando Alexandre, um dos ministros com melhor imagem do Governo.

Nos bastidores da caravana, trabalha de forma discreta uma outra máquina partidária, a do CDS. São vários os elementos do partido que acompanham o circuito e que estão permanentemente atentos para que Nuno Melo não fique diluído na comitiva.

A prioridade é encontrar formas de dar protagonismo ao líder sem causar mal-estar na agenda programada. Não é fácil, mas vão surgindo oportunidades, pelo menos, para momentos fotográficos. Foi o caso no final da passagem pelo campo de arroz, quando Melo subiu para o gipe agrícola e fez umas manobras à vista da comunicação social, numa altura, em que Montenegro já abandonava o local. Ao seu lado, outro protagonista à procura de visibilidade, Sebastião Bugalho que tirou o dia para acompanhar a caravana da AD.

O momento de Nuno Melo só chegaria à noite, no jantar comício nas Caldas da Rainha, onde lhe está sempre reservado um tempo de discurso.
O que fomos percebendo ao longo do dia em que acompanhámos a campanha foi alguma tensão entre os centristas para, por um lado, não causar estragos nem polémicas nos últimos dias de campanha, mas, ao mesmo tempo, não deixar que o partido desapareça ou se dilua. Os militantes que acompanham a caravana vão fazendo o seu trabalho e sobretudo tentam sobressair nas regiões do país, onde o partido ainda mantém alguma força. É o caso precisamente de Leiria onde a máquina local se empenhou em contribuir para encher o Pavilhão Expoeste de apoiantes da AD.

A estabilidade e o voto útil
Foi na noite de terça-feira que Montenegro inaugurou aquele que viria a ser o discurso até ao final da campanha. Apesar de animados, os responsáveis da campanha mantêm as dúvidas sobre o que realmente poderão dizer os portugueses aos partidos políticos na noite de domingo. A incerteza em relação à fiabilidade das sondagens sobrepõe-se às expectativas mais otimistas e entre os mais próximos do líder teme-se um resultado muito semelhante ao de há um ano.

Tudo visto e revisto, a opinião é unânime: é preciso afinar a mensagem final da campanha. Terá sido esse o foco do núcleo duro da caravana da AD ao longo do dia, porque a verdade é que nas Caldas da Rainha, Luís Montenegro fez pela primeira vez o discurso que não mais largou nestes últimos dias de campanha.

À «maioria maior» , pedida desde o início, o líder da AD juntou agora um outro apelo: «o voto útil é o único que pode trazer estabilidade para quatro anos».

Perante um pavilhão cheio de apoiantes, Montenegro explicou que não basta ganhar, «é preciso uma maioria construtiva», por oposição à «maioria destrutiva», que dominou a última legislatura. O líder do PSD argumenta que só com uma maioria, que nunca classificou como absoluta, é possível garantir a estabilidade que a maioria dos portugueses ambiciona.
A mensagem parece ter passado tal como os estrategas da campanha desejavam. Desde a noite de terça-feira que Luís Montenegro deixou de ter uma «mensagem confusa», como o Nascer do SOL chegou a ouvir dos muitos jornalistas que acompanham a caravana e passou a usar a fórmula do voto útil para a maioria estável.

Olhando para as sondagens os níveis elevados de intenção de voto no Chega parecem ter passado a ser a principal preocupação do núcleo duro da Aliança Democrática. Depois de uma semana em que a Iniciativa Liberal e a hipótese de um eventual entendimento pós-eleitoral, foram o tema central da campanha, subitamente o tema desapareceu do discurso.
Antes de rumar a norte, à saída do Pavilhão Expoeste, nas Caldas da Rainha, Montenegro ainda teria de reagir a quente ao tema que por essa altura dominava a agenda dos órgãos de comunicação social. A indisposição de André Ventura a meio de um comício em Tavira dominou a agenda política, até porque à hora a que foi questionado, Luís Montenegro ainda não sabia qual era a gravidade da situação.

Os problemas de saúde que ainda afetavam o líder do Chega à hora do fecho desta edição, não desviaram a AD de tentar roubar o máximo de votos possível ao partido de André Ventura.

O líder da AD e primeiro-ministro, aceitou dar uma curta entrevista ao Nascer do SOL, para deixar aos nossos leitores uma última mensagem no último dia de campanha eleitoral. Sem falar em maioria absoluta, Montenegro aposta tudo no voto útil que possa trazer estabilidade para 4 anos.

Luís Montenegro. ‘Só o reforço da AD garante estabilidade’

No final da campanha, qual é a mensagem final que quer deixar aos eleitores. Aquela em que gostaria que refletissem antes de ir votar?
A mensagem principal é que os dados estão lançados e só há uma solução para evitar que tenhamos mais eleições nos próximos anos e que dos resultados de domingo não saia um Governo de legislatura, com condições de governabilidade. Esse Governo, neste momento, só nós conseguimos oferecer. Ou seja, a campanha mostrou que há uma relativa convergência programática de todos, com aquilo que são as orientações principais do Governo.

O que quer dizer com isso?
Falamos de imigração e no essencial as pessoas concordam com aquilo que estamos a fazer: regular e dignificar. Falamos de reforço de segurança, e, neste momento, já todas as forças políticas o admitem. Falamos de competitividade fiscal: menos impostos sobre os rendimentos do trabalho, toda a gente concorda. Sobre as empresas, há visões diferentes, mas o país percebe muito bem e maioritariamente que a estratégia está correta. E finalmente, também no reforço e na salvaguarda dos serviços essenciais: na habitação, na educação, na saúde…

Na saúde há mais críticas?
Há críticas, mas se formos ver as soluções propriamente ditas, é mais o barulho do que as críticas na solução. Por exemplo, as Unidades de Saúde Familiar modelo C que eu defendo, foram decididas pelo Governo do PS, foi Correia de Campos que as criou. Nunca as implementaram, nós estamos a implementar. Não quero dizer com isto que estamos todos de acordo, mas do ponto de vista programático, há uma certa convergência, que acho que a sociedade percebeu e que os portugueses perceberam.

É por isso que fixou o seu discurso nesta reta final de campanha a apelar ao voto útil?
Sim, porque só o reforço da AD garante estabilidade e os portugueses podem confiar em nós porque a maioria maior de que tenho andado a falar nestes dias é uma maioria que terá humildade e capacidade de diálogo. Os portugueses não precisam de ter medo de nos dar essa confiança.

Há risco de chegarmos a dia 18 com um resultado semelhante ao que tivemos há um ano. É esse o seu receio?Acho que semelhante não vai ser. Se queremos aproveitar esta oportunidade para resolver o problema da estabilidade política ficou muito claro que a única solução que a pode dar é mesmo a AD.

E para isso precisa de uma maioria absoluta?
Isso passará por uma concentração de votos, por pouca dispersão e portanto por uma maioria que seja robusta.

Mas porque é que não pede essa maioria absoluta?
Confio na decisão dos portugueses e por isso tenho insistido na ideia de uma maioria maior do que a que tivemos em 2024.

Ficava satisfeito se tivesse uma soma de deputados superior à soma dos deputados todos à esquerda?
Acho que temos de lutar pelo maior número de deputados possível. Não vou mesmo estar a fixar uma meta. É mesmo até ao último daqueles que for possível conquistar.