No passado dia 8 de Janeiro, após a resolução de um litígio judicial, foi finalmente concretizada a transferência dos restos mortais de Eça de Queiroz para o panteão nacional. Nessa altura muitos recordaram este excerto da sua obra Uma campanha alegre: «O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada. Os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo». Esperar-se-ia, por isso, que a classe política aprendesse com este diagnóstico demolidor de um dos nossos maiores escritores e aproveitasse a homenagem para se empenhar na construção de um país melhor.
Infelizmente, no entanto, pouco mais de um mês passou e o Governo envolveu-se numa situação absolutamente pantanosa, a propósito de uma empresa da família do primeiro-ministro. Incapaz de resolver essa situação de uma forma absolutamente transparente e definitiva, o Governo optou antes por provocar a dissolução do Parlamento com uma moção de confiança suicida, depois de ter ultrapassado com sucesso duas moções de censura. Incapaz de resolver qualquer crise política, que não seja pela convocação de eleições antecipadas, o Presidente acabou por as convocar mais uma vez, a poucas semanas de perder o poder de dissolução. O país voltou assim a mergulhar em eleições que ninguém desejava, numa campanha que tem sido extremamente triste.
Os políticos multiplicam-se em comícios e arruadas a que muito pouca gente vai, transformando esses comícios em reuniões partidárias e essas arruadas em meras procissões de militantes. Tal não impede, no entanto, que nas mesmas apareçam opositores e activistas a provocar conflitos, em acções violentas que a polícia não se tem mostrado capaz de controlar. É absolutamente inaceitável que um líder partidário como Rui Rocha possa ter sido exposto ao ataque que sofreu, que só não provocou maiores danos por ter sido usado pelos activistas um produto inofensivo.
Para além disso, a agenda de campanha tem sido absolutamente esgotante, com grave prejuízo para os políticos que na mesma têm participado, salientando-se o súbito problema de saúde que atingiu André Ventura e que terá sido seguramente motivado pelo desgaste causado pela intensidade da campanha. Mas este tipo de campanha está claramente ultrapassado num tempo em que as pessoas se informam especialmente através dos meios de comunicação social e das redes sociais, não justificando por isso o esforço.
Finalmente a mensagem política dos diversos partidos tem-se mostrado extremamente pobre, sendo incapaz de convencer minimamente os eleitores. Os programas partidários são totalmente idênticos aos das eleições anteriores. Mesmo assim, alguns partidos já afirmam que abdicam do seu programa se tal for uma contrapartida da sua entrada no governo. Foram feitos dezenas de debates, nos quais não surgiu nenhuma ideia nova. E o país continua a assistir ao colapso dos serviços públicos, que nem sequer em período de campanha eleitoral se consegue disfarçar.
Neste enquadramento, o resultado eleitoral do próximo domingo é imprevisível. E se houver dificuldades na formação do Governo, o Presidente da República já não terá possibilidade de voltar a chamar o país a eleições pela enésima vez. O país corre assim o risco de ficar paralisado por um ano até à eleição do próximo Presidente. O que não diria Eça de Queiroz desta campanha triste…