Isaltino Morais: “Queremos lançar casas para venda a custos controlados”

Para Isaltino Morais, o problema da habitação tem de passar pelas mãos das autarquias, cabendo ao Estado dar o financiamento. E a par do arrendamento também defende a venda de casas a metade do preço do mercado.

Para o autarca se Portugal avançar com a construção de 250 mil casas nos próximos anos teremos o problema de habitação resolvido. Quanto à câmara quer ter ao dispor, nos próximos 10/20 anos, à volta de 4.500 casas. Isaltino Morais recorda como pôs fim às barracas no concelho na década de 90 e admite que risco de voltarem a existir é cada vez maior. 

Qual o papel das Câmaras na oferta de habitação pública?
Se não forem as câmaras municipais mais ninguém faz, não é o Estado que vai fazer casas. O Estado não tem essa vocação, até porque as casas que fez ao longo dos anos deixou-as absolutamente abandalhadas, não cobrou rendas, criou vícios nas famílias que as ocupam, as casas degradaram-se e depois está paulatinamente a tentar passá-las para as câmaras municipais. Se queremos resolver o problema de habitação em Portugal, as câmaras municipais são as entidades adequadas a fazê-lo. Ao Estado compete-lhe financiar ou criar as condições para o financiamento das casas.

O que está a ser feito em Oeiras?
Neste momento, temos três modalidades, mas queremos chegar a quatro. Temos uma que tem a ver com a habitação jovem que é um caso único em Portugal. Adquirimos imóveis degradados, recuperamos e o financiamento é exclusivamente da Câmara Municipal. Já vamos com cerca de 200 casas para jovens. Depois temos habitação pública de renda apoiada, cujas rendas variam entre os 9/10 euros e os 350 euros e que se destinam a famílias carenciadas. Temos um parque habitacional de 3.700 casas e temos 750 em construção. Destas 750, 300 são destinadas a famílias realmente carenciadas e as outras 450 já são destinadas a renda acessível.

Nas rendas acessíveis são praticados outros valores…
As rendas variam entre os 570 e os 780 euros e vão do T1 ao T4, em que as famílias têm de ter um mínimo e um máximo de rendimento. Vamos lançar em parceria com o IHRU [Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana] mais 750 casas. E estamos a programar a reconversão de terreno rústico em terreno urbano para a construção de mais cerca de 3.000 casas. O nosso objetivo é que, nos próximos 10/ 15 anos, tenhamos ao dispor entre a Câmara e o Estado, à volta de 4.500 casas.

Em 2021 falou em 2.000 casas até 2030, um investimento de 400 milhões. Está a ser cumprido?
Sim, mas 2030 é já amanhã. Faltam cinco anos.

E qual é a quarta modalidade?
Queremos lançar casas para venda a custos controlados. Podemos construir casas e pô-las no mercado à venda por dois mil euros o metro quadrado. Casas que hoje no mercado são vendidas a 300/ 400 mil euros podemos vendê-las por 160, 180 mil. É possível colocar no mercado casas a metade do preço. Claro que essas casas têm de ser vendidas a famílias cujo escalão de rendimento também deve ser determinado: um mínimo e um máximo. No entanto, essas casas não podem ser revendidas no prazo de 25 anos. E se, porventura, quiserem vender a casa antes dos 25 anos é vendida à Câmara Municipal. Quando se diz que determinadas medidas, como a redução do IVA ou a redução do IMT, podem baixar o preço do mercado, é falso. Esses comentadores, esses estudiosos da habitação não percebem nada. Disse há 12 anos que se não houvesse uma mudança política ia haver barracas, outra vez. E esta Lei dos Solos com os moldes em que o regime foi alterado não resolve o problema.

Porquê?
Porque permite a reconversão do terreno rústico para urbano mas não permite, por exemplo, solos classe A e classe B. Depois também não se pode construir numa reserva ecológica. Para afetar, por hipótese, 20 hectares de reconversão do terreno rústico para solo urbano temos de ter uns 100 hectares, porque nuns casos é reserva ecológica, noutros é reserva agrícola classe A e B, etc. Esta alteração da lei permite, realmente, a reconversão do terreno rústico para solo urbano, mas só permite para arrendamento acessível. Não permite, por exemplo, habitação pública para venda.

Mas surgiram várias vozes contra esta alteração à Lei…
A ignorância é uma coisa extraordinária e a maior parte das pessoas que falou só disse disparates. Esta alteração poderia contribuir para a especulação se fosse para venda, sem controlo. E há outra falácia, quer a extrema-esquerda, quer a extrema-direita, quer os comentadores geralmente dizem que se o IMT baixar, os preços das casas também baixam, mentira. Nenhum promotor pelo facto de o imposto ser menor vai baixar o valor. Pelo contrário, considerando a escassez de solo urbano, nos próximos quatro a cinco anos, os preços vão duplicar nas áreas metropolitanas. E porquê? Porque não há possibilidade de aumentar o solo urbano que atingiu um preço absolutamente escandaloso porque há escassez. E os promotores privados que constroem habitação fazem-no para quem tem dinheiro para comprar ou para arrendar. Não é aos privados que compete construir casas para os pobres. Os promotores não estão para perder dinheiro. A classe média baixa e os pobres têm de ter acesso à habitação pública construída pelas câmaras municipais. Qual é a vantagem da modalidade de venda de casas a custos controlados? É muito simples. Se uma família paga por hipótese 600 euros por uma renda acessível, esses 600 euros podem dar para pagar a amortização do empréstimo ao banco e ao fim de 25 anos é dono da casa. É vantajoso para quem compra nessas condições, mas também é vantajoso para o Estado porque com o dinheiro que recebe dessa casa dá para construir outra. Nos anos 90 fiz cerca de 6.000 casas, mil delas foram feitas no âmbito de contratos de habitação a custos controlados e foram todas vendidas a famílias que tinham necessidades. É possível colocar casas no mercado a metade do preço, mas tem de ser nestas condições: tem de se disponibilizar terreno aos municípios, fixar o custo de venda final, as câmaras selecionam as famílias a quem essas casas vão ser vendidas e os promotores vendem as casas a quem a Câmara Municipal indica. Agora, as pessoas não podem comprar casas de 500 mil euros ou de um milhão. Uma família jovem que precisa de um T1 também não vai dar 300 mil euros quando pode comprá-lo a 150 ou a 160 mil euros. Isto é perfeitamente viável. Ainda há dias entreguei 66 casas que nos ficaram em 200 mil euros cada, com garagem e área comercial quando à frente estão a ser vendidas a 600 mil euros iguais, claro que podem ter pequenas diferenças nas loiças, nas madeiras, etc.

O ideal era fazer isso em todo o país….
Em Portugal temos 2% de habitação pública. Oeiras tem 5% e quero chegar nos próximos 10 anos a 10% e ficaria com os problemas mais dramáticos resolvidos. Espanha tem mais de 10% e países como França, Holanda, Bélgica, etc., têm para cima de 30%. A Áustria tem 65%. Só Viana da Áustria tem 240 mil apartamentos, 65% dos apartamentos são públicos. Em Portugal, 65% são privados e nós é que somos pobres. E a maior parte dos 35% arrendatários são pobres ou a caminho disso.

Mas durante muitos anos houve esse incentivo à compra de casa….
Teve a ver com a necessidade. As pessoas nos anos 90 compravam casas porque tinham acesso ao crédito e, nessa altura, não havia uma Lei dos Solos limitadora. Havia solos urbanos, rústicos e urbanizáveis. O que é lamentável é ter sido um Governo de direita responsável por isto. Em 2014, acabou-se com a classificação de solo urbanizável e ficaram apenas os rústicos e os urbanos, a partir daí, o terreno disparou exponencialmente. Ninguém queria ver isto, agora já começam a dizer que é preciso habitação pública e que é preciso fazer construção nova. Em Oeiras, em 2012, comprava prédios degradados por 400 euros o metro quadrado de potencial construtivo. Sabe quanto é que custa hoje? 1.600 euros, quatro vezes mais. E aumentou porquê? Porque desapareceram os solos urbanizáveis. A malta do Bloco de Esquerda gosta muito de dizer que os salários não acompanharam o preço das casas, claro que não. Se as casas duplicaram está a ver os salários a duplicar num ano? Se o preço dos terrenos subiu então o preço da casa tem de subir.

A solução tem de passar pela oferta da habitação pública…
A habitação pública tem de crescer e tem de haver uma oferta de habitação pública para que as famílias pobres, as de classe média e média baixa tenham acesso à habitação. O poder de urbanizar é um poder do Estado e é o Estado que tem de determinar em que moles é que vai fazer essa organização. Há quem diga que é preciso regular o preço das casas, mas não há hipótese nenhuma. É só conversa. Como se pode regular o preço das casas? Limitar o preço dos terrenos urbanos? Não pode ser. Isto não é União Soviética, vivemos num Estado de Direito, num regime capitalista. Se o Estado quiser expropriar tem de pagar.

Este aumento da oferta depende de quem está à frente da Câmara?
As câmaras devem construir. É o que faz a Câmara de Oeiras, a de Cascais, a de Lisboa e a do Porto. A Amadora ainda tem barracas, Almada também e os municípios que eram geridos pelo Partido Comunista nos anos 90 tinham a visão de que era o Estado que tinha de construir. Realmente tinham razão, essa é uma competência do Estado, mas nessa altura, quando veio o PER [Programa Especial de Realojamento] já tinha feito 1.800 casas, em Oeiras. Sempre defendi que as Câmaras Municipais devem construir e o Estado deve garantir as fontes de financiamento, umas a fundo perdido, outras através de crédito. No entanto, o crédito não deve contar para a capacidade de endividamento dos municípios. Mas ainda há hoje muitos municípios que defendem que o Estado é que deve fazer, mas a maioria dos autarcas nas áreas metropolitanas é, hoje em dia, do PS ou do PSD e quer o PS, quer o PSD estão disponíveis para fazer a habitação pública. Acho que há todas as condições para em Portugal, nos próximos 10 anos, se construírem casas.

As câmaras chegaram a ter acesso ao PRR, antes de passar para outros quadros comunitários. Aliás, foi inaugurado em Oeiras o primeiro edifício de habitação acessível do país financiado pelo PRR…
O primeiro em Portugal e temos vários em construção que irão ser inaugurados este ano e no próximo ano. Temos, pelo menos, oito empreendimentos porque quando o PRR veio já tínhamos projetos absolutamente maduros para poderem ser lançados os concursos. Nunca paramos de fazer projetos. Obviamente que alguns municípios candidataram-se a esse financiamento, não tinham os projetos prontos e se os projetos não têm maturidade a tempo de serem financiados perdem esse dinheiro, claro. Por outro lado, burocratizou-se muito porque, na altura, em que veio o PRR, o que se dizia? Cuidado, vem aí a corrupção. Esta ideia generalizada de que todos são corruptos fez com que se estabelecessem mecanismos de controlo, de súper controlo e agora os municípios e os diversos agentes económicos não conseguem gastar o dinheiro. Agora diz-se que somos uns incapazes e nem somos capazes de gastar o dinheiro de Bruxelas. E quando se faz uma lei restritiva depois é muito difícil de alterar e quem alterar e volte a criar solos urbanizáveis vão dizer que é um negacionista das alterações climáticas. Quando debaixo das pontes estiver tudo cheio de tendas e barracas já é tarde e já vai ser tarde para o centro, porque nessa altura a extrema-direita ou a extrema-esquerda tomam conta disto.

Mas as construções novas ainda demoram…
Essa é outra desculpa de mau pagador e se não começar ainda demora mais. É claro que para fazer habitação nova é preciso fazer o projeto, procurar terreno, construir, mas isso não é para se resolver em quatro dias. Se queremos resolver os problemas da habitação em Portugal temos de ter um plano a 20 anos. Já ouvi dizer na campanha eleitoral que queriam fazer 250.000. Se nos próximos 20 anos fizéssemos 250 mil casas, o problema da habitação em Portugal estava resolvido.

É possível?
É uma questão de vontade política. Se houver vontade política há dinheiro.

E os partidos estão mais sensíveis a esta questão?
Acho que o Partido Socialista só descobriu isso no início do segundo Governo de Costa. Aliás, fizemos uma série de contratos com o Governo socialista que depois prosseguiram com o Governo da AD. Se há uns anos era muito crítico, hoje tenho de reconhecer que, pelo menos, nesta matéria de habitação, o Partido Socialista e PSD parecem estar muito alinhados.

Disse que quando chegou a primeira vez a Oeiras deparou-se com um cenário de barracas. Como foi possível acabar?
Assumi a responsabilidade que ia acabar com as barracas. Antes de ser eleito, em 1985, em julho ou agosto dei uma entrevista ao jornal A Capital, em que disse que o meu objetivo era acabar com as barracas, em Oeiras. Claro que todos me chamaram de maluco, questionavam onde ia buscar o dinheiro, mas meti mãos à obra. E dentro dos mecanismos financeiros e jurídicos que havia, na altura, foi possível a construção com uma comparticipação a fundo perdido, 40% do Estado e os restantes 60% através de empréstimos. Quando chegámos a 93 e quando Mário Soares fez a presidência aberta – o Governo, na altu ra, respondeu que tinha cerca de 6.000 barracas – já tinha arranjado casa para 1.800 famílias. Faltavam 3.185 e avançámos com o PER imediatamente, num contexto absolutamente integrado ao nível do território.

E como vê este risco de voltarmos a ter barracas?
É um risco enorme. Neste momento, temos dez a 20% de pessoas na pobreza, temos mais 15 a 20% de famílias que se não forem os subsídios  do Estado também eram pobres. Mas há gente que adora pobres. Eu não quero pobres aqui no concelho, mas na nossa política temos muita gente que fala dos pobres, mas vive de barriga cheia. Por exemplo, na aqui na Câmara e na Assembleia Municipal, o Bloco de Esquerda, na maior parte das vezes, vota contra os projetos de habitação ou porque dizem que está na reserva agrícola ou porque dizem que viola o artigo 58. Há sempre um pretexto.