Na física, o problema dos três corpos descreve as interações complexas e frequentemente imprevisíveis de três corpos celestes sob influência gravitacional mútua. Não existe uma solução analítica geral, pois seus movimentos geram padrões caóticos. Na política, um parlamento dividido entre três grandes partidos – como o que existiu na Assembleia dissolvida e se perspetiva naquela que vamos eleger este domingo – espelha esse enigma cósmico, criando um sistema dinâmico onde a estabilidade é ilusória, as alianças mudam e os resultados desafiam a previsão simples.
Em sua essência, o problema dos três corpos na física surge porque três corpos, cada um exercendo atração gravitacional sobre os outros, criam um sistema complexo demais para previsões precisas de longo prazo. Da mesma forma, um parlamento dividido entre três grandes partidos – nenhum deles com maioria absoluta – carece de uma única força dominante para ancorar a governação. Cada partido, como um corpo celeste, segue sua própria trajetória, moldada pela ideologia, pelas solicitações dos seus eleitores e pelas ambições estratégicas ou pessoais dos seus líderes. As suas interações, impulsionadas por interesses conflituantes, produzem órbitas políticas que são tudo menos ordenadas.
Considere-se um parlamento ‘hipotético’ onde o Partido S (esquerda), o Partido C (direita) e o Partido D (centrista) detêm, respetivamente, 32%, 20% e 37% dos lugares. Na física, sistemas de três corpos raramente se estabelecem em padrões previsíveis, a menos que um corpo domine ou dois formem um binário rígido, marginalizando o terceiro. Num parlamento tripartido, a governança estável requer uma coligação, mas três atores fortes resistem ou exigem muito para aceitar essa solução. As alianças temporárias que se formem, em torno deste ou daquele tema, tendem ruir sob pressão ideológica ou pública.
Assim como os três corpos na física, onde o movimento de um corpo perturba os outros, as ações de cada partido repercutem-se no sistema. Se o Partido S propõe uma política ativa de construção de habitações pelo Estado, o Partido C pode reagir com exigência de maiores restrições à imigração, enquanto o Partido D, buscando um meio-termo, dilui(-se em) ambas as agendas. O resultado? Uma trajetória política em ziguezagues, sem satisfazer plenamente ninguém e correndo o risco de desapontar os eleitores. Mais, uma trajetória em nada conducente a reformas, sobretudo aquelas que, por profundas, tendem gerar protestos; qualquer destes propósitos reformistas será logo bloqueado pela coligação negativa dos outros dois partidos tentando capitalizar o descontentamento das ruas.
Estes sistemas são também sensíveis às condições iniciais do problema. Uma pequena mudança – um escândalo, por exemplo – pode alterar drasticamente o cenário político, como a recente dissolução do parlamento mostrou. A decisão de Montenegro de apresentar uma moção de confiança foi qual leve perturbação que empurra os corpos para novas órbitas.
Qual a solução para este impasse instável e paralisante. Só vejo uma, mas cujo tempo já passou, pelo menos para este domingo. O surgimento de um quarto corpo que forme com o maior dos corpos existentes um sistema com massa suficiente para se tornar dominante. Por miúdos: teria sido uma aliança pré-eleitoral entre a AD e a IL que, usando a alavanca do método de Hondt, conseguisse uma maioria absoluta reformista.
Professor universitário