Quando em 2019 André Ventura foi eleito, as reações foram na maioria de choque com a entrada da direita populista no Parlamento – algo a que muitos julgavam que Portugal estava imune, como se houvesse uma espécie de excecionalidade nacional. Em vez de encarar a realidade e de tentar perceber os motivos do voto, a esquerda, juntamente com parte da direita, preferiu classificar os 66.442 eleitores de Ventura – e o próprio – de fascistas e racistas ou desvalorizar o resultado como um simples voto de protesto de franjas da sociedade.
Três anos depois, com a maioria absoluta do PS, a bancada parlamentar do Chega cresceu para 12 deputados e tornou-se a terceira força política do país. Mais uma vez, 399.510 portugueses foram vistos como uma espécie de ‘bando de deploráveis’. A esquerda acenou com o perigo do fascismo e rasgou as vestes com gritos de ‘não passarão’ em vez de, mais uma vez, perceber os motivos dessa votação. Enquanto isso, António Costa continuava a promover o Chega numa tentativa de diminuir a influência do PSD. Ventura agradeceu.
Em 2024, após a demissão de António Costa, o Chega obteve 1.169.836 votos e elegeu 50 deputados. As esquerdas mais uma vez devem ter achado que o que andavam a fazer estava a resultar e preferiram continuar a insultar o eleitorado de André Ventura e a arrogar-se de uma suposta superioridade moral. Pelo que se tem visto nos últimos dias, parece que vão continuar a enfiar a cabeça na areia mesmo depois do Chega ter reunido 1.345.689 votos e, provavelmente, ir substituir o PS como segunda força política do país.
Talvez seja da natureza humana. É mais fácil culpar os outros pelos nossos fracassos do que reconhecer que nos últimos 10 anos os governos fracassaram naquela que devia ser a sua missão fundamental: melhorar as condições de vida da população e dar-lhe esperança de que o futuro será melhor. O que aconteceu foi o contrário.
Enquanto a classe política se entreteve com tricas e polémicas que pouco dizem às pessoas, fora do eixo São Bento – Avenida de Roma, os cidadãos comuns continuaram a deparar-se com problemas que ninguém parece preocupado em resolver. Muitos têm mais do que um emprego para conseguirem pagar as contas ao fim do mês. Enfrentam dificuldades cada vez maiores para encontrar casa a preços e a uma distância razoáveis dos empregos. Veem a fatura da energia a aumentar apesar de ouvirem dizer que Portugal é um paraíso das energias renováveis. Fazem ginásticas nos horários para conseguirem levar e ir buscar os filhos à escola e assistem impotentes aos dias infinitos sem aulas ou à colocação de crianças em turmas onde muitos alunos não falam português sem que os professores estejam preparados para tal. Passam uma boa parte da vida em transportes públicos que não funcionam, seja porque os autocarros nunca chegam a horas, os comboios estão sujos e degradados ou os funcionários da CP passam a vida em greves que os impedem de chegar ao trabalho ou voltar a casa normalmente.
São professores, médicos, advogados, empregados de balcão, contabilistas, funcionários públicos, motoristas, polícias, mecânicos, trabalhadores da construção civil, jovens universitários e reformados, empresários e desempregados, que sentem que os seus problemas não tem uma resposta e, sim, acabam por ver os prédios e bairros onde sempre viveram descaracterizados por uma vaga de imigração que o Estado não soube ou foi incapaz de integrar. Deixaram de acreditar que lhes será possível deixar aos filhos uma vida melhor do que aquela que eles tiveram. Deixaram de ter esperança no futuro. E de acreditar na classe política que os governou. Estão menos preocupados com o que o Chega diz do que com o que os governos não fazem – e não gostam de ser insultados ou de ver amigos deixarem de lhes falar por pensarem diferente.
Sim, o Chega pode apresentar soluções simples para problemas complexos. Mas responder com classificações simplistas não é solução. Seria melhor ouvir o que os eleitores tem a dizer e resolver os seus problemas. E fazê-lo nem sequer é complexo: basta olhar para Oeiras, um concelho onde a autarquia constrói casas a preços controlados, dá alojamentos a professores, atrai investimento, cria emprego, mantém as ruas limpas, as escolas a funcionar, proporciona oferta cultural e faz reabilitação urbana. Resultado: foi onde o Chega teve menos votos, 13,5% contra 22,5% a nível nacional.
André Ventura está onde quer estar. Uma das coisas que disse em 2019 quando foi eleito deputado pela primeira vez foi isto: «Garanto que dentro de oito anos seremos o maior partido de Portugal.» Por este andar, só é preciso que tudo continue na mesma para lá chegar.
A esquerda parece ter pouco mais para oferecer às pessoas do que uma cultura de medo. Em cada esquina há um perigoso fascista, uma ameaça à democracia ou um potencial atentado ao estado de direito. Agora, perante a mera possibilidade de uma revisão constitucional, Ferro Rodrigues reemergiu da reforma para a classificar de uma «coisa terrível para os portugueses, para o país, para o estado social». Como se as instituições não tivessem mecanismos de controlo. Ou como se não tivessem havido outras revisões que nunca puseram em causa o regime.