É evidente que temos um sério problema com a imigração, fruto de políticas irresponsáveis. Por muito que resulte da irresolúvel questão demográfica e seja vantajoso para a economia, o recente influxo de migrantes, equivalente a 15% da população autóctone, tem impactos indesejados. Pode interessar ideologicamente à esquerda e ser instrumental para os grandes grupos económicos, mas é perturbador para muitos segmentos da população.
Muitas dessas pessoas, que tradicionalmente votavam no centro-esquerda, perceberam que o seu partido de sempre não entende a sua preocupação com o impacto da imigração desregulada. Desde logo, porque confronta a capacidade de resposta dos serviços públicos indispensáveis ao funcionamento do Estado social – modelo de organização pública que os cidadãos não querem ver ameaçado. Ora, não é possível ajustar a oferta de serviços essenciais, quando ocorre um crescimento súbito de 15% de habitantes. E também não se pode controlar o custo da já escassa habitação, se há um pico de procura dessa dimensão.
Acresce que muitos dos que chegam ao país são provenientes de culturas diferentes. Não falam a nossa língua nem têm os nossos hábitos e costumes. E isso, quer se queira ou não, afeta o nosso sentimento de pertença.
O problema não se resume aos autóctones. Quem já emigrou conhece a sensação de não pertencer a nenhum dos dois lugares, o que gera conflitos identitários. Esse problema, mais comum na segunda geração de imigrantes, foi evidente na reação à morte de Odair Moniz.
Os defensores da imigração livre respaldam-se na economia. Ou seja, na carência de mão-de-obra endógena, fator de produção indispensável. Esse argumento é expresso pela mesma esquerda que pugna por melhores salários. Ora, se os imigrantes aceitam piores condições de vida – nomeadamente na habitação – e trabalhos mais precários e menos bem remunerados do que aqueles que nós estamos disponíveis a aceitar, a sua inclusão no mercado contribui para um dumping social.
São essas as razões mais profundas do descontentamento que se refletiu nos resultados eleitorais. Se a AD fixou o seu eleitorado e cresceu apesar da virulência da campanha, depreende-se que foi parte do eleitorado tradicional de esquerda que encontrou no Chega o seu refúgio. E porquê? Porque quer garantir o Estado social, que a política de imigração da esquerda ameaça. Razão que explica também o fraco resultado da IL, que propõe menos Estado e por isso configura uma ameaça às conquistas sociais.
Os eleitores do Chega são pessoas muito diversas, até ideologicamente. Podem não saber o que querem, e nem todos querem o mesmo. Mas sabem o que não querem: aquilo que o PS fez, nos últimos anos, de forma irresponsável e, pior do que isso, impenitente.
Pedro Nuno Santos conquistou o voto útil: aproximou-se tanto do BE que o conseguiu exterminar. Escolheu como alvo a AD e foi ultrapassado pelo Chega. De pouco lhe serviu ter do seu lado muitos comentadores. Interroguei-me, a seguir aos seus debates, como era possível que fosse avaliado de forma tão acrítica, quando era óbvio que estava a alienar parte considerável do eleitorado. Saiu zangado e cheio de razão.
Há quem diga que está tudo igual no que toca à governabilidade. Mas não é verdade, porque a frente de esquerda tem, agora, menos representação do que a AD. E isso não é coisa pouca.
O país dividiu-se a meio. Basta olhar para o mapa eleitoral. Bem sei que é um tema tabu, mas de facto insistimos em não entender as diferenças socioeconómicas e culturais entre Norte e Sul. Assim será, até ao dia em que a diferença resultará em dissenso. Este é tema para próximas crónicas.