Vencedores e vencidos

Montenegro terá, agora, de negociar com o Chega e ceder em muitas das suas pretensões, sob pena de conduzir o País a um pântano de ingovernabilidade caso insista no disparatado “não é não”.

Os portugueses quiseram premiar os partidos políticos, uns com um voto de confiança, outros com um cartão vermelho directo.

Do lado dos vencedores, se bem que com leituras diferentes, estão a AD e o Chega, enquanto que na ala dos perdedores estão todos os restantes partidos.

A coligação AD PSD/CDS foi, sem margem para dúvidas, a vencedora da noite, mas estamos perante uma vitória de Pirro, porque os objectivos pretendidos não foram alcançados.

Há um ano, ao reconhecer a derrota eleitoral, Pedro Nuno Santos foi claro ao manifestar a intenção do PS em viabilizar um governo minoritário chefiado por Montenegro, assumindo, então, o compromisso de não apresentar nem votar favoravelmente qualquer moção de censura, mas  tendo, desde logo, advertido de que não teria igual postura perante a apresentação, por parte do governo, de uma moção de confiança.

Graças a esse inesperado apoio, Montenegro logrou formar governo, sem que a escolha dos seus ministros tivesse que obedecer a interesses estranhos ao seu partido.

No entanto, e após apenas escassos meses de governação, Montenegro resolveu precipitar uma crise política e desafiar o PS com uma moção de confiança, a qual, obviamente, foi reprovada.

Na verdade, a intenção do primeiro-ministro foi a de procurar uma maioria mais ampla e, com a ajuda da Iniciativa Liberal, poder formar um novo governo, desta vez com uma maioria absoluta.

Acontece que esse objectivo não foi alcançado.

Apesar de ter obtido mais deputados e, sobretudo, ter ampliado consideravelmente a distância que o separava do PS, Montenegro vai ter de continuar a governar em minoria e a depender da boa-vontade da oposição.

Pedro Nuno Santos, na sua alocução de derrota e de retirada da liderança do partido, foi claro ao deixar passar a ideia de que o PS não tem a obrigação de viabilizar o programa de governo que brevemente será submetido no Parlamento.

No entanto, o mais natural será que esse seu desejo não venha a ser partilhado por quem o vier a suceder na chefia do partido, razão pelo que é suposto esperar que próximo governo venha a ser confirmado pelos parlamentares agora eleitos.

Mas a vida de Montenegro vai continuar a ser difícil e, certamente, bem mais pesarosa, como consequência do crescimento do Chega e a quase certa conquista do segundo lugar, pelo que vai ter de enfrentar uma oposição bem mais robusta e apostada em não lhe conceder carta branca alguma.

Montenegro terá, agora, de negociar com o Chega e ceder em muitas das suas pretensões, sob pena de conduzir o País a um pântano de ingovernabilidade caso insista no disparatado “não é não”.

E se na legislatura anterior Ventura foi um osso muito duro de roer, nesta agora, com uma legitimação popular bem reforçada e impondo-se como líder da oposição, as dores de cabeça a infligir ao futuro executivo serão bastante mais dolorosas e o acolhimento a muitas das suas ideias terá de ser, forçosamente, tido em consideração.

Montenegro terá duas opções, ou pinta diariamente o cabelo de preto para disfarçar as entradas grisalhas que da sua cabeça se vão apoderando, fruto do permanente combate político a que vai estar exposto face a um adversário que não lhe concederá tréguas nem facilidades, ou deixa-se de vaidades e assume aquela que será a sua nova fisionomia, caracterizada pela cabeleira cada vez mais esbranquiçada.

O Chega bem pode cantar de vitória, sendo que Ventura é a única cabeça de cartaz, de entre as que se submeteram ao voto popular, que tem razões mais do que suficientes para sorrir.

Contrariando todas as expectativas, leia-se, o destino que lhe foi sendo traçado pelos comentadeiros e politiqueiros que todos os dias poluem as redacções das várias televisões e outros órgãos de imprensa, não só vê o seu grupo parlamentar sair bem reforçado, como, tendo em conta o que é expectável que saia do resultado do eleitorado espalhado pelos quatro cantos do mundo nos quais se movem os nosso emigrantes, vai ser a segunda força política de Portugal e, consequentemente, o chefe da oposição.

Trata-se de um feito notável, porque é a primeira vez, na vida desta terceira e doente república, que um dos dois principais partidos do sistema se vê relegado para a terceira posição, infligindo-se, desta forma, um cheque-mate ao bipartidarismo que a tem caracterizado.

Ventura não venceu as eleições, conforme, a fazer fé nas palavras que repetidamente proferiu em campanha, seria esse o seu primeiro propósito, mas, convenhamos, nem ele próprio acreditava nesse eventual cenário, mas tem hoje o caminho traçado para que num futuro próximo venha a alcançar esse objectivo.

E Ventura bem pode agradecer a Montenegro o imenso favor que este lhe generosamente lhe concedeu, pois o Chega foi o único partido que, realmente, beneficiou da absurda dissolução da assembleia da república.

De entre os perdedores, a posição cimeira é protagonizada, indiscutivelmente, pelo PS, que passa a ser o terceiro partido, ultrapassado por aquele que mais ferozmente combateu, caso, claro está, se confirme o esperado voto dos emigrantes.

O Pedro Santos que se apresentou ao País na noite do desaire eleitoral, com a voz a fraquejar, traída pela emoção e pelo desânimo, não foi apenas um derrotado, mas também quem, num simples sopro, se viu desapossado do sonho de uma vida.

Santos construiu toda a sua carreira política com um único desejo, o de vir a ser primeiro-ministro, ambição que chegou ao fim em escassas horas de um dia trágico para o desejo que acalentava.

Não há memória, em Portugal, de um líder partidário copiosamente castigado nas urnas e por essa via perdedor da confiança dos seus pares, consiga ressuscitar politicamente e regressar ao topo do partido que o catapultou para a vida pública e em condições de disputar a liderança do País.

A ganância de um homem fraco, com um percurso político demasiado sinuoso, levou não só à sua queda, como arrastou o partido de que se serviu para o maior desaire da sua existência.

Também a Iniciativa Liberal, em sentido inverso ao do que se procura transparecer, e apesar de ter conquistado mais um lugar parlamentar, não tem motivos para festejar os resultados obtidos, considerando que estes ficaram bastante aquém daqueles que eram expectáveis, não só pelo partido como igualmente pela imprensa que não lhe é hostil.

Rui Rocha tinha como sonho tornar a IL numa parceira da AD e, como prémio, receber um convite para integrar o governo, levando consigo mais alguns dos seus correligionários, mas essa vontade esfumou-se a partir do momento em que o número de assentos que obteve no Parlamento se revelaram insuficientes para se materializarem numa maioria absoluta com a coligação vencedora.

Resta-lhe a consolação de poder vir a ser crucial numa hipotética revisão constitucional.

O Livre, apesar de ter crescido em votos e em mandatos, ficou, de igual modo, bastante longe do que todas as sondagens vaticinaram, que no mínimo apontavam para o dobro de deputados no Parlamento, pelo que os foguetes que se fizeram ouvir na noite eleitoral foram manifestamente despropositados.

Rui Tavares vai continuar a ser uma voz a pregar no deserto, com uma influência na vida política nacional bem inferior àquela que é apregoada por si e pelos seus próximos, tanto no partido como na imprensa que lhe presta todo o tipo de fretes.

Resta-lhe também uma consolação, a de ter passado a ser o principal partido de extrema-esquerda com assento na assembleia da república, ultrapassando comunistas e bloquistas.

O PCP continua o seu calvário, não só por ver desaparecer o eleitorado que se lhe mantém fiel, por força da incontornável verdade de que a vida terrena não é eterna, sendo que os filhos destes que partem há muito que viraram costas às ideias dos seus progenitores, como também, realidade trágica para os últimos estalinistas à face da terra, estarem a ver as aldeias e vilas que até há escassos anos eram irredutíveis baluartes comunistas passarem para as mãos daqueles que por eles são vistos como os inimigos da extrema-direita!

Quanto ao BE, tudo quanto se disser será sempre pouco!

O recurso à brigada do reumático revelou-se inglório, não restando agora a esses infortunados combatentes outra alternativa que não a de regressarem ao Lar de onde nunca deveriam ter voltado a sair!

Mariana Mortágua, ao não trazer uma única ideia válida para a campanha em que se envolveu  e ao insistir num discurso belicista direccionado exclusivamente contra quem gera empregos, ditou a morte antecipada de um partido já então moribundo, o qual, diga-se em abono da verdade, não faz absolutamente falta nenhuma na sociedade portuguesa.

Mas pior foi o seu comportamento quando tomou consciência do enorme desaire eleitoral que se abateu junto dos bloquistas e da confirmação da sua notória incapacidade para a liderança seja do que for, ao recusar-se a assumir as devidas responsabilidades e afastar-se, pelo seu pé, do lugar que anteriormente lhe fora oferecido.

Por uma hecatomba muito menos gravosa, a sua antecessora teve o bom-senso e a decência de se demitir, mas a menina que cresceu no seio de um pesado ambiente revolucionário considera-se acima de contingências dessa natureza.

Mortágua, com a sua soberba, apenas nos confirmou algo que já era conhecimento público sobre o seu carácter e que se define por duas simples palavras: não presta!

Inês Sousa Real bem pode agradecer aos deuses por ter sido salva in extremis ao garantir o seu poiso na futura assembleia, mas, evidentemente, não tem quaisquer motivos para esfregar as mãos de contentamento.

Não conseguiu recuperar o grupo parlamentar, ambição a que se propôs, pelo que bem pode prosseguir com a sua habitual diarreia verbal, porque ninguém, à excepção de uns quantos proprietários de cãezinhos e gatinhos aprisionados em exíguos apartamentos citadinos, lhe prestará a mínima atenção!

A jogada de Montenegro em se vitimizar e provocar eleições antecipadas teve, há que o reconhecer, uma grande virtude, a qual somente será efectiva se for superiormente aproveitada.

Pela primeira vez em meio século, o espaço político não socialista dispõe de uma maioria de dois terços no Parlamento, o que configura a vontade dos portugueses em que sejam eliminados todos os resquícios de marxismo que ainda persistem na nossa Constituição e em outras leis ordinárias.

O barulho que toda a esquerda tem gerado desde que se apercebeu da sua insignificância actual,  apavorada com o receio da perda de direitos adquiridos por via de legislações fundamentais aprovadas em pleno período de perturbação institucional, é o sinal de que os partidos à direita do PS têm a obrigação de pôr de lado as diferenças que os separam e trabalharem juntos em prol do desenvolvimento económico e social de Portugal.

Se não o fizerem, arriscam-se a rapidamente perder a confiança que neles os portugueses depositaram.

Pedro Ochôa