Ao chegar à Tapada das Mercês, em Sintra, percebe-se rapidamente o porquê de ser considerada um “caldeirão de culturas”. Aqui vivem pessoas de pelo menos 27 nacionalidades diferentes, vindas de de países africanos como a Guiné, o Senegal, ou a Gâmbia, mas também de países da Ásia, como o Bangladesh, a Índia ou o Paquistão.
Mas vivem também portugueses, e a maioria votou no Chega, que venceu pela primeira vez neste concelho. «Nós vivemos a realidade do país, que é o que os políticos portugueses não vivem. Quem mora nestas zonas sabe e vive a realidade dos imigrantes, da criminalidade, das confusões», conta Pedro Lopes, militante do Chega e residente no concelho há mais de 30 anos. «Se estiver aqui meia hora percebe a quantidade de imigrantes que andam aqui o dia todo a passear de um lado para o outro e não fazem nada».
A Tapada faz parte da freguesia de Algueirão Mem-Martins, terra que viu nascer André Ventura, e onde agora o Chega foi o partido politico mais votado. Mas a viragem à direita não se cingiu apenas a esta freguesia.Se em 2022, o Chega tinha pouco mais de 9% dos votos no concelho de Sintra, nestas eleições, conquistou mais de 50 mil eleitores, 26% dos votos. Já o PS, que ocupava o primeiro lugar, foi chutado para terceiro, reduzindo praticamente para metade do eleitorado.
Construção de mesquita gera revolta
Sem um único cartaz do Chega à vista na localidade, as razões que levaram a esta reviravolta à direita estão nos eleitores. Quem confiou em André Ventura, justificou o voto com problemas locais relacionados com a imigração, insegurança, habitação e saúde. Mas nem todos sabem as políticas que o Chega tem para essas áreas.
Carlos Barbosa, residente da Tapada das Mercês, assume que votou Chega pela segunda vez nas legislativas porque «está em protesto e cansado do outro sistema».
«Alguma coisa tem de mudar. Hoje em dia não há regras para nada. Temos um hospital que foi inaugurado em abril do ano passado e logo depois entrou para obras», começa por explicar. Sobre se ficou satisfeito com o resultado das eleições, ressalta: «satisfeitos nunca estamos. Para mim, podia governar um qualquer, mas que governem para o povo e não para eles próprios.»
Junto à estação de comboio das Mercês ouvem-se múltiplos sotaques e não é difícil encontrar mulheres de burca e membros da comunidade islâmica, que só na última década, cresceu 47% em Sintra.
«Esta gente que vem para aqui em excesso também não respeita as mulheres. Há aqui muitas mulheres a passar de burca, só se vê os olhos. Vocês querem isso para o vosso país?», questiona Pedro Lopes, que acrescenta ainda que «as pessoas também estão completamente revoltadas com a mesquita que está a ser construída com dinheiros de um fundo europeu».
A mesquita em questão está efetivamente em processo de construção pela comunidade islâmica da Tapada das Mercês e incluirá também uma escola e centro comunitário. Mas quanto aos fundos do PRR, estes apenas «estão a ser usados para a construção da cozinha e refeitório social que servirá para a população mais desfavorecida do concelho de Sintra», a funcionar no mesmo edifício, segundo esclareceu a Fundação Islâmica de Palmela.
A informação contradiz também a publicação partilhada por André Ventura no X, em fevereiro, com o título: “Fundos do PRR_vão servir para construir mesquitas em Portugal”.
«Eles têm tudo e nós não temos nada»
Para Maria Helena Cabral, residente no concelho há cerca de dezanove anos, a insegurança na região é também um dos motivos que a levou a votar Chega. «Tenho muito medo porque estes indianos ficam só a olhar para nós, mulheres. Eu de noite não ando aqui na rua», confidencia ao nosso jornal.
«O que me revolta aqui é que eles têm tudo e nós não conseguimos ter nada», continua a contar, já de lágrimas nos olhos: «eu não tenho casa, não nos ajudam. Estou a viver na Amadora, na casa de uma sobrinha. É muito difícil, não tenho privacidade. Antes vivia aqui num anexo cheio de humidade».
Desesperada e sem respostas, e depois de anos a votar no Partido Socialista, assume que agora «só vota no Chega»:
«Gostava tanto de me encontrar com o André Ventura. Gosto muito dele. Acho que ele ia mudar muito isto. Tive mesmo pena de ele não ter ganhado as eleições», afirma Maria Helena, acrescentando que já só pensa na vitória de Rita Matias, candidata do Chega à Câmara de Sintra, nas autárquicas em setembro ou outubro. «Deus queira que ela ganhe!».
Voto no Chega também vem de fora
Mas nem só de portugueses se faz o eleitorado do Chega. Maíra, uma imigrante brasileira, de 34 anos, também assume ter votado no partido de André Ventura por causa das propostas para a imigração.
«A política de imigração deveria ser mais fechada. Há 20 anos era mais difícil, mas conseguíamos fazer tudo e andávamos mais regulamentados. Agora não, parece que se abriu a porta, entrou tudo e ‘amanhem-se para aí’. Não deveria ser assim», critica. «Há muitas pessoas para pouco transporte público, a segurança está a piorar… ainda no outro dia mataram uma pessoa aqui».
Do outro lado da rua, ao balcão de um dos principais talhos da zona está Alan, brasileiro, residente em Portugal há três anos, e um dos mais de 50 mil eleitores do Chega na região. «Votei no Chega porque dá para ver que eles estão a tentar melhorar alguma coisa. A criminalidade aqui está a aumentar muito».
Apesar das queixas de insegurança, o atual autarca de Sintra, Basílio Horta, já desmentiu o aumento de criminalidade. Numa entrevista à SIC_Notícias em abril afirmou que «a criminalidade violenta em Sintra não está a aumentar, apesar do aumento exponencial da população imigrante no concelho».
«Os imigrantes são iguais a nós em termos de crimes, não é por serem imigrantes que cometem crimes. É uma ideia absurda. É claro que há imigrantes criminosos, claro que há, assim como há naturais criminosos», realçou o autarca.
Certo é que, para muitos dos eleitores do Chega, as regras não parecem ser as mesmas para portugueses e estrangeiros. Pedro Cardoso (nome fictício), dono de um estabelecimento na região que não se quis identificar, diz só ter votado no Chega «em protesto», por estar farto das políticas do PS e do PSD. Um dos motivos, conta, é a falta de fiscalização aos estabelecimentos detidos por imigrantes. «Um senhor do Paquistão ou da Índia comprou este café aqui ao lado e ouvi-o a propor a uma rapariga trabalhar sete dias por semana, doze horas por dia, por um ordenado de 500 euros. Claro que ela recusou. Agora estão uns rapazes a trabalhar para ele, que vivem todos numa garagem».
«Eu para ter um empregado tenho de pagar pelo menos o ordenado mínimo, descontar para a segurança social, ter seguro de acidentes de trabalho, pagar subsídios, etc. Com eles, é tudo à margem da lei», critica.