Como vê o mercado da energia em Portugal?
O mercado de energia está a chegar a uma situação de exaustão no domínio das renováveis na rede elétrica nacional. As renováveis só trabalham cerca de duas mil horas por ano [um ano tem 8 760 horas] e, neste momento, meter mais renováveis na rede significa meter mais energias em excesso que não necessitamos e que afundam ainda mais os preços no mercado grossista. E aqueles projetos de eólica offshore são uma completa loucura porque a tecnologia é caríssima, os outros estão a desistir e parece que devemos ser os totós da Europa a avançar para a eólica offshore. É uma tolice. O que está em causa, neste momento, na rede elétrica é termos esquemas que permitam acumular energia e aí entra o problema das baterias que permitam acumular energia em excesso das fontes renováveis, nomeadamente da energia solar. Por outro lado, temos outras questões que foram levantadas por este apagão da Península Ibérica, que são as questões de estabilidade da rede.
Acha que temos demasiada dependência das energias renováveis?
Meter mais renováveis na rede portuguesa significa aumentar o excesso de energia que já existe em algumas horas do dia e que afundam os preços nessas horas.
E chegámos a este patamar porquê? Por vontade política? Durante vários governos falou-se da importância desta aposta nas renováveis…
Deveu-se à vontade política e com o poder político sem qualquer consciência do que estava a fazer e acabou por ir na moda das renováveis.
Depois do apagão chegou a dizer que a classe política é ignorante em relação a estas matérias de energia…
Sim, mas não se espera que os ministros saibam, o que se esperava é que se rodeassem de quem soubesse, o que não tem acontecido.
Corremos o risco de voltar a a ter um apagão?
Pode voltar a acontecer e temos de estar preparados para podermos responder. Para isso, precisamos ter mais centrais com sistema blackstart [sistema que permite quando já não há energia na rede e não há tensão na rede consegue fazer arrancar os geradores]. A ministra do Ambiente entretanto já falou de uma coisa que é uma boa ideia: fazer mais centrais hidroelétricas de bombagem.
Quando a Europa volta a pôr em cima da mesa a ideia da energia nuclear porque é que Portugal continua de costas voltadas em relação a esta forma de energia?
Por causa do lobby das renováveis intermitentes, dirigido por Carlos Pimenta, que não pode com o nuclear. Aliás, afetava-lhes o negócio. Esse lobby continuou com a comunicação social, continuou com o poder político e ninguém sequer quer ouvir falar disso. Em relação ao nuclear, o que está em causa, neste momento, a meu ver é a questão dos pequenos reatores nucleares, os SMRs.
Essa resistência quanto ao nuclear ganhou maiores contornos depois de acidentes como o de Chernobil ou de Fukushima?
Isso foi uma psicose criada por Carlos Pimenta e pelo seu grupo. Quiseram criar na população a ideia de que uma central nuclear era uma bomba atómica. Não tem existido acidentes nucleares em que tenha morrido gente, ao contrário de outras energias. Estatisticamente, todos os anos há uma barragem que estoura e contrariamente ao que se diz não morreu gente em Fukushima. O que está em causa são pequenas centrais e, como o nome em inglês indica – Small Modular Reactor – são reatores que são modulados, que podem ser construídos por módulos, que se montam no sítio e, como tal, têm uma construção muito mais rápida. São centrais mais pequenas, ajustadas a uma produção como é a portuguesa.
Há quem diga que só é possível atingir a descarbonização se apostarmos no nuclear, pelo menos tendo as metas que estão previstas na União Europeia…
O nuclear e a eólica são as menos emitem CO2, em que o nuclear é uma das fontes mais descarbonizadas de energia.
O tema voltou a ser discutido na Alemanha…
Uma coisa positiva que estamos a assistir agora é este lobby que está feito pelo Governo alemão com o novo chanceler Friedrich Merz. Não sei se a Alemanha vai voltar ao nuclear, mas é um avanço significativo. Antes de Friedrich Merz, os alemães não só acabaram com os nucleares, como faziam feroz oposição ao nuclear na Europa, fazendo feroz oposição ao nuclear francês. O Governo espanhol também quererá acabar com o nuclear, mas se o fizer é tonto. Já viu o que é que significou acabar com o nuclear na Alemanha? Obrigou a utilizar mais carvão, mais gás natural, mais emissões de CO2 e a Alemanha tem maior dependência do gás russo. Se a Espanha acabar com o nuclear também é evidente que terá de recorrer a mais carvão, a mais gás natural e a mais emissões de CO2, porque como já se viu no caso alemão não são as eólicas, nem as fotovoltaicas que conseguem substituir a energia nuclear. Se isso acontecer em Espanha, vamos ter uma rede espanhola ainda mais instável.
Acha que Portugal se antecipou ao decidir fechar as centrais a carvão?
Foi uma irresponsabilidade, na altura. O que significou? Termos menos potência firme da rede portuguesa. As pessoas não têm consciência, mas à hora de jantar não há fotovoltaica porque o sol acaba à 5 ou às 6h da tarde e, em relação à eólica, normalmente à hora de jantar também sopra pouco vento. Estatisticamente, sabe-se que à hora de jantar só se pode aproveitar 7% da capacidade instalada eólica, logo à hora de jantar é preciso ter potência firme que tem de ser produzida pelas centrais térmicas ou por centrais hídricas de bombagem, daí concordar com as declarações da ministra que, na sequência do apagão, diz que é preciso ter mais centrais de bombagem. Aliás, tudo isto já tinha dito no parecer que fiz com o professor Clemente Nunes para a SEDES. O Governo ignorou-nos olimpicamente, mas falámos dos excessos das renováveis, da necessidade de potência firme com mais centrais de bombagem e mais centrais de biomassa. Também tínhamos chamado a atenção que este comodismo de importar de Espanha não nos podia fazer esquecer uma situação em que podíamos ter de desligar de Espanha e nós próprios teríamos de resolver o problema, mas nada disso foi considerado. Do ponto de vista português estávamos totalmente impreparados para o apagão. E veja que os sistemas de comunicações e de transportes também não estavam preparados para funcionar sem energia elétrica e mesmo nas centrais de elétricas que tinham blackstart os arranques falharam. O que é que isso significa? Significa que não tinham sido testados antes do apagão quando nestas coisas se deve fazer testes periódicos para ver se os equipamentos estão a funcionar.
E as conclusões em torno do apagão demoram a aparecer…
O acidente não começou em Portugal foi em Espanha, não somos nós que temos de tirar conclusões. O problema é que o Governo espanhol está a dar informação a conta-gotas. Temos de esperar que a ENTSO, European Network of Transmission System Operators for Electricity, que é a associação dos operadores europeus de transportes de eletricidade, faça um relatório, mas que vai levar algum tempo, porque o Governo espanhol está a dar os dados a conta-gotas. O relatório por parte de uma fonte europeia vai ser feito, mas não está a haver, ao meu ver, uma atitude de cooperação do Governo espanhol divulgar os dados.
Esta questão do apagão abriu portas para a discussão de saber se faz sentido as elétricas estarem em mãos privadas…
É um disparate dizer isso, porque em Espanha a rede elétrica é controlada pelo Estado e foi o que se viu. O problema não é esse. O problema é os partidos de esquerda aproveitarem para querer puxar a brasa à sua sardinha, mas basta mostrar que a rede ibérica espanhola tem controlo público e foi lá que aconteceu o incidente, não foi em Portugal. Isso é uma falsa questão.
Mas trouxe a nu problemas com o MIBEL ou mostrou fragilidades do mercado ibérico de energia?
Não, isso é outro disparate. O MIBEL faz todo sentido e faz todo sentido importarmos energia elétrica de Espanha, sempre que o preço das importações seja inferior ao custo variável das centrais que tínhamos de pôr a funcionar caso não importássemos. O que precisamos é de ter a rede ibérica preparada, o que não estava, assim como termos a rede portuguesa preparada para poder responder de forma isolada caso haja um acidente em Espanha e que pode voltar a acontecer. Mas não faz sentido nenhum interromper as ligações com Espanha. O MIBEL pode e deve continuar a funcionar. Aliás, tem de ser alargado até com mais interligações entre Espanha e França para que haja ofertas também de eletricidade vindas de França, o que não há neste momento. Em vez de se pôr em causa o MIBEL deve-se pensar em alargá-lo e só pode ser alargado se as interligações entre Espanha e França forem melhoradas para termos ofertas de energia sobre o MIBEL vindas do lado francês. Hoje em dia, temos uma situação que, em termos de interligações entre Portugal e Espanha, já tem uma excelente capacidade de interligação ente os dois países, mas entre Espanha e França, essa interligação ainda é muito limitada. A Península Ibérica configura quase uma ilha energética. O MIBEL deve ser aperfeiçoado e não diminuído.
Chegou-se a anunciar essas interligações com França…
Isso também é uma história que está mal contada. Toda a gente critica os franceses, mas as pessoas esquecem-se que Macron veio a Portugal, em 2018, a uma cimeira em Portugal com Sánchez e Costa e trouxe o cheque da União Europeia para reforçar as interligações entre Espanha e França. O Presidente francês empenhou-se nisto, só que, na altura, o Governo português e o Governo espanhol, com Costa e Sánchez, não ligaram nenhuma e não fizeram um follow-up dessa cimeira. Portanto critiquem Costa e Sánchez, mas não Macron nessa matéria. A história está mal contada, não gostam dos franceses porque há nuclear e começam a atacar os franceses sem razão.
Em termos de produção deveria haver um maior equilíbrio entre as várias fontes de energia?
Sim, sem nos esquecermos da hidroelétrica e de termos a possibilidade de pôr mais centrais de biomassa. Quer a hidroelétrica, quer a biomassa são renováveis, não são renováveis intermitentes. Geralmente só se pensa em eólica e na fotovoltaica. Como também devíamos começar a discutir os pequenos reatores nucleares. Por exemplo, fala-se muito na descarbonização, mas em relação à iluminação pública há muito tempo que esta devia ter sido substituída por LED, mas ninguém fala da eficiência energética no setor público. O projeto chegou a ser apresentado, no entanto, muitos municípios ainda não o fizeram. Outra coisa: se durante o apagão todas as forças de segurança e da Proteção Civil tivessem só veículos elétricos o que acontecia? Eu no apagão pude cozinhar em casa porque tenho um fogão com gás e eletricidade, nunca aceitei ter só fogão elétrico. É uma loucura ter uma sociedade em que tudo é elétrico.
Há uma tentativa de demonizar os combustíveis fósseis?
O povo diz que não se pode pôr todos os ovos no mesmo cesto. Imagine ter uma sociedade toda elétrica e o apagão da rede voltar a acontecer? Espero que o apagão tenha aberto os olhos de boa gente gente que andava com os olhos fechados.