O turismo é muitas vezes apontado como um dos responsáveis pelo aumento dos preços das casas. É certo que os valores têm vindo a bater recordes atrás de recordes, mas especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL afastam culpa.
De acordo com os últimos números do idealista, arrendar uma casa custa até mais 70% do que os portugueses procuram pagar, com Lisboa a registar os maiores desequilíbrios. O concelho de Cascais lidera essa discrepância dentro do distrito de Lisboa, com os imóveis a serem anunciados por uma média de 2.700 euros, enquanto a procura ronda os 1.600 euros – uma diferença de 69%.
Segue-se Lisboa, com uma diferença de 50% (1.200 euros procurados vs. 1.800 euros oferecidos), em linha com Mafra e Odivelas, ambos com valores médios de procura de mil euros face a uma oferta de 1.500 euros.
O mesmo cenário repete-se para quem procura casa para comprar. O idealista diz que os valores subiram 7,4% em abril face ao mesmo mês de 2024 ao fixar-se nos 2.817 euros por metro quadrado, tendo em conta o valor mediano. Já em relação à variação trimestral, os preços subiram 4,6%.
Face a estas subidas, alguns responsáveis pelo setor ouvidos pelo nosso jornal dizem que os preços aumentaram por outros fatores, mas não pelo turismo. Para Ricardo Sousa, CEO da Century21 Portugal, há fatores que pesam muito mais no preço das casas que o turismo. «Um deles é o investimento feito pelas autarquias na regeneração urbana, criando e melhorando as zonas e os equipamentos públicos, um investimento que melhorou a qualidade de vida das pessoas em muitos dos bairros de Lisboa e do Porto.
Naturalmente, este investimento acabou por também valorizar o património das famílias que eram proprietárias de imóveis nessas zonas», disse ao nosso jornal, acrescentando que também é preciso ter em conta «o investimento privado na reabilitação urbana, transformando edifícios com poucas ou nenhumas condições de habitabilidade em edifícios energeticamente mais eficientes, com condições de habitabilidade para pessoas com mobilidade condicionada, nomeadamente idosos. Esta transformação do parque habitacional valorizou as casas porque comparamos imóveis usados com imóveis reabilitados».
Um outro fator que Ricardo Sousa defende como importante em cidades como Lisboa e Porto é que são «cidades com limitações geográficas, são territórios pequenos onde o valor dos terrenos é naturalmente alto». E a isto tem que se somar «o facto de os planos diretores municipais estarem desatualizados face à evolução sociodemográfica destas duas cidades».
Também Rui Torgal, CEO da ERA, afasta a hipótese de o turismo ser uma das principais justificações para o aumento. «O preço médio das casas em Portugal, de facto, continua a aumentar, mas não creio que essa subida tenha no turismo a sua principal causa. Mas vamos por partes», começa por dizer o responsável, lembrando que «a principal explicação para este crescimento ininterrupto dos preços está relacionada com o desequilíbrio existente entre a acentuada procura e a limitada oferta existente no mercado nacional». E atira: «É um problema de há duas décadas a esta parte, quando praticamente deixou de haver construção nova, e agora demorará alguns anos a resolver».
Por sua vez, Beatriz Rubio, CEO da Remax Portugal, é perentória: «Em qualquer lugar do mundo, uma maior procura de um bem exerce uma maior pressão sobre os preços, estimulando os aumentos». No entanto, «se de facto os preços aumentam depende de diversos fatores, designadamente da existência de alternativas ou simplesmente do volume da oferta. Ora, no caso das casas em Portugal, o principal motivo é a escassez da oferta, reforçado pela fraca concorrência do mercado de arrendamento». Assim sendo, defende que «o aumento do turismo em Portugal nos últimos anos trouxe muitos investidores e algumas famílias interessadas, mas não podemos esquecer que é uma procura específica de determinados tipos de casas e em determinadas zonas».
Beatriz Rubio explica ainda que o aumento dos preços das casas se deve a «um conjunto de fatores, sendo os principais a escassez da oferta, quer em quantidade quer em diversidade, e a fraca alternativa do mercado de arrendamento. Em muitas zonas do país, não há simplesmente casas para arrendar, pelo que a aquisição é a única via. Ou seja, o aumento do turismo e dos estrangeiros está longe de ser a razão primordial para as subidas dos preços».
Uma opinião partilhada por Rui Torgal: «Por muito que o turismo tenha criado alguma pressão nos preços do imobiliário, sobretudo nos grandes centros urbanos, o principal motivo para o que temos vindo a assistir de há vários anos a esta parte é outro e já o referi acima: temos falta de construção nova em Portugal».
Tem impacto mas não é o único culpado
Ao Nascer do SOL, Rui Silva, diretor geral da GuestReady em Portugal admite que «é impossível negar o impacto do turismo no mercado imobiliário, mas é igualmente simplista apontar o dedo apenas ao alojamento local como causador da crise da habitação em Portugal», referindo que «o problema da habitação é estrutural, acumulado ao longo de décadas de falta de planeamento, investimento público insuficiente e políticas inconsistentes».
O responsável defende que o turismo e o alojamento local (AL), «quando bem regulados, podem e devem ser aliados da valorização urbana e da dinamização económica local», apresentando como exemplo «a reabilitação de prédios devolutos que hoje acolhem turistas e, amanhã, podem voltar a ser casas de família e do pequeno proprietário que, ao explorar a sua casa de forma legal e profissional, complementa o seu rendimento e contribui para a economia local».
Ainda assim, Rui Silva reconhece que o setor precisa de regulação, mas terá de ser equilibrada, baseada em dados e diferenciada por tipo de operador. «Penalizar quem atua de forma profissional, transparente e responsável é um erro estratégico que abre caminho à informalidade», diz ao nosso jornal.
O responsável lembra que, nos últimos meses, temos assistido a um crescente movimento de descentralização da gestão do AL, atribuindo mais competências às autarquias. Uma tendência que, no seu entender, pode ser considerada positiva, «desde que acompanhada por critérios claros, coerência nacional e diálogo com os operadores». E alerta: «Legislar à pressa, sem considerar a diversidade dos territórios, pode ter o efeito oposto ao desejado», defendendo que o setor imobiliário, como qualquer mercado, responde a estímulos. «Se limitarmos de forma cega o AL em zonas onde não há alternativas habitacionais reais, não vamos resolver o problema, apenas empurramos os ativos para usos menos transparentes ou menos eficientes. Pior: corremos o risco de desincentivar investimento, travar reabilitações e perder valor económico».
Rui Silva não hesita: «A solução para a habitação não pode passar apenas por proibições. Precisa de um plano nacional que estimule a construção, reabilite com incentivos e aumente a oferta para residentes com medidas fiscais e urbanísticas adequadas. O turismo deve fazer parte da equação, mas não pode ser o bode expiatório» e acredita que «Portugal pode ser exemplo de hospitalidade e inovação, desde que saiba proteger quem cá vive e quem nos visita».
Também Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal tem revelado ao nosso jornal que a atividade tem sido visto como bode expiatório para o problema da habitação. «Temos 72% do AL fora dos grandes centros, em casas de férias na zona litoral e montanha. Casas que nunca vão para habitação.
Mesmo em Lisboa e Porto, uma parte são de segunda habitação, na sua maioria são de estrangeiros que nunca vão para o mercado de arrendamento. O que sobra, quase 50%, são maioritariamente T0 e T1 de micro e pequenos empresários em zonas históricas, com inúmeras limitações que as tornam inviáveis para famílias, com áreas diminutas e cujo valor, tendo em conta investimentos, empréstimos, nunca vai ser compatível com o público que pode ter interesse nestes T0 e T1», salienta.
Autarquias com mais poder
Para travar a proliferação do alojamento local em detrimento do arrendamento de longa duração, as câmaras têm travado a atribuição de novas licenças para esta atividade. Um desses casos é a autarquia de Lisboa que no início deste mês decidiu prorrogar a suspensão de novas licenças por seis meses, enquanto o município apresentar um rácio entre habitação permanente e aqueles estabelecimentos «igual ou superior a 5%».
Com o prolongamento da suspensão de novas licenças, «Lisboa salvaguarda o levantamento da proibição de novos AL em 20 das suas 24 freguesias, até que entre em vigor o novo Regulamento Municipal do AL», explicou o PS, que apresentou a proposta que foi levada a votos no município.