As cambalhotas da IL

Se os seus eleitores soubessem previamente que a IL não queria participar na previsível governação da AD, talvez tivessem votado de forma diferente.

A democracia coloca os partidos sob escrutínio no que se refere ao seu empenho na concretização das respetivas linhas programáticas, estratégicas e táticas.

Obviamente que as propostas eleitorais não podem ser tomadas como promessas. A sua concretização depende dos equilíbrios de poder e são condicionadas pelas circunstâncias impostas por ciclos económicos, eventos endógenos e fenómenos exógenos. Ainda assim, há linhas de coerência que não devem ser ultrapassadas, sob pena de as lideranças partidárias defraudarem as legítimas expectativas dos seus eleitores que, por essa razão, lhes confiaram o voto.

Nos sistemas parlamentares em que a representação é proporcional – ao contrário dos modelos presidencialistas em que the winner takes it all, assumindo o vencedor um poder quase absoluto, como acontece nos EUA – com frequência os partidos anunciam, previamente, a sua disponibilidade para alianças ou acordos pós-eleitorais. Vem isto a propósito da Iniciativa Liberal e, em concreto, da pronta reação de Rui Rocha aos resultados da última noite eleitoral. Depois de, durante a campanha, ter deixado claro que tencionava negociar uma participação na governação se a AD viesse a vencer as eleições, apressou-se a anunciar, com complacência, que, afinal, a IL nem sequer está interessada em negociar a partilha de poder.

Ou seja, a IL autoexcluiu-se da governação quando muitos dos seus votantes escolheram os liberais, precisamente, por acreditarem que o partido teria a possibilidade de participar no novo executivo. Alguns deles não se sentiam confortáveis com as questões éticas, outros acreditavam que, participando no governo, a IL poderia introduzir um impulso mais reformista. Mesmo não concordando com todas as suas propostas, admitiam que teria um contributo acelerador.

A IL escapou, pelo menos em parte, à ameaça do voto útil na AD. Se os seus eleitores soubessem previamente que a IL não queria participar na previsível governação da AD, talvez tivessem votado de forma diferente. O que levou Rui Rocha a mudar de posição? Será que já tinha essa intenção velada, caso os resultados eleitorais não proporcionassem uma maioria absoluta através da soma dos deputados da AD e da IL, como veio a suceder?

Na realidade, e apesar de ter aumentado o número de votos e de deputados, a IL de Rui Rocha ficou aquém das expectativas. A sua prestação no debate com Pedro Nuno Santos e a falta de clareza em especificar quais os cortes no Estado não terão ajudado a atrair mais votos. Mas nada disso isso justifica a cambalhota. Em próximas eleições, veremos quantos eleitores voltarão a confiar-lhes o voto…

Quem fica a ganhar é Luís Montenegro. Sem ter de fazer concessões à agenda da IL, terá mais facilidade em encontrar consensos.

Também a propósito de escrutínio, Fernando Araújo, pessoa que muito respeito e que foi cabeça de lista do PS pelo distrito do Porto, anunciou que não assumirá o cargo de deputado para que foi eleito. Não se conhecendo razões pessoais, não podendo acreditar que tenha emprestado o seu nome para cabeça de lista apenas para atrair votos, fica a ideia de que lhe foi prometida a pasta da saúde, se porventura o PS tivesse vencido as eleições. É uma boa notícia para o Hospital de São João, mas é uma má notícia para a democracia, porque defrauda a confiança que muitos eleitores depositaram numa pessoa respeitada e respeitável e que, mesmo na oposição, poderia valorizar o parlamento com os seus conhecimentos e experiência no SNS.