Aquilo que fica em nós (e entre nós)

Como uma casa, as crianças precisam de fundações sólidas para um desenvolvimento emocional saudável

Há uns anos acompanhei uma senhora em consulta de psicologia que, apesar de algumas adversidades da vida, não queria falhar no cuidado com o filho. Contava-me que todos os dias, depois de o ir buscar à escola, reservava uma hora para se sentarem a brincar. Era uma mãe novinha e sozinha, com uma vida amarga, pouco tempo disponível, uma série de preocupações, mas que mantinha esta atenção e resguardava o filho do seu redemoinho. Esta atitude sensibilizava-me.

Nos últimos dias dei por mim a pensar nesta senhora e no filho. O que será deles? Passaram dez anos. A criança hoje será um jovem, com certeza já não quererá brincar com a mãe quando chega da escola. Terá outros interesses, amigos novos, preocupações diferentes. Espero que esteja a trilhar um caminho mais fácil do que o da mãe. Esta, a todas as provações, somará o desafio de ter um filho adolescente. Mas a proximidade e a relação entre ambos deve manter-se e os momentos que viveram juntos permanecerão com eles para sempre. Não ficaram retidos naquela altura, naquele quarto ou naquelas brincadeiras. O tempo passou, voou, mas aqueles tempos bons e sobretudo o que representaram para ambos, o vínculo que estabeleceram, que se foi fortalecendo dia após dia naquela preciosa interação e partilha, ficarão para sempre. Não só na forma de memórias queridas, mas também no que contribuíram para o desenvolvimento da criança como uma pessoa inteira, com uma base segura interna, que lhe dará confiança para enfrentar muitos dos desafios que se seguirão ao longo da vida. Em relação à mãe, aproveitou a infância do filho, acompanhou-o e terá a tranquilidade de ter feito o melhor. Possivelmente mantém-se atenta e disponível e será responsável pela família que há de crescer destas raízes sólidas.

No nosso país, a mentalidade do trabalho e da escola a tempo inteiro, de valorizar os profissionais não pelo que fazem, mas pelas horas que passam sentados em frente a um computador, de uma escola que se arrasta desde que o sol nasce até que se põe, colocam em risco os valiosos e irrecuperáveis momentos entre pais e filhos.

A relação de qualidade com cada criança vai ficando adiada dia após dia. E o tempo voa e não volta atrás. As famílias ficam esquecidas no meio das exigências dos dias que se escoam. O bem-estar de cada um e a relação entre todos esmorecem. A substituição do afeto e do tempo de qualidade é feita por agendas e bens materiais. E o frenesim dos dias e das exigências que se impõem, umas atrás das outras, arrastam-nos para longe do que é realmente importante.

Como uma casa, as crianças precisam de fundações sólidas para um desenvolvimento emocional saudável. Os alicerces são as relações seguras e significativas que construímos e que garantem que a construção se irá manter sólida ao longo da vida. Mas o cimento que sustenta a casa não se prepara numa betoneira em poucos minutos, precisa de tempo, de disponibilidade, de carinho, dedicação e afeto. Daqueles minutos de exclusividade quando se chega a casa. Para que, perante um tremor de terra, a casa possa vacilar, mas as fundações sejam suficientemente fortes para que não desmorone.