A possível venda do novobanco a instituições financeiras estrangeiras voltou a fazer soar os alarmes para o facto de a maioria dos bancos que operam no mercado português não serem detidos por acionistas nacionais.
Apesar de ainda não serem conhecidos os detalhes da operação de alienação – venda direta ou entrada em bolsa – tudo indica que a Lone Star, que detém 75% do novobanco, mantenha a aposta para o lançamento de uma OPV – Oferta Pública de Venda. No entanto, qualquer negócio exige o aval do do Governo português, já que detém os 25% restantes. Para já há dois bancos que mostraram interesse em avançar.
Ao Nascer do SOL, João Queiroz, head of trading do Banco Carregosa admite que este interesse «insere-se numa tendência mais ampla de consolidação bancária na Europa, particularmente via fusões e aquisições transfronteiriças», referindo que «com os fundamentos financeiros dos bancos europeus fortalecidos», as instituições, nomeadamente estrangeiras observam bancos como o novobanco como «oportunidades para expandir de forma mais rápida que o crescimento orgânico, diversificar receitas e obter escala» Mas deixa um alerta: «A concretização de tais movimentos depende de ultrapassar barreiras políticas e regulamentares – que continuam a ser significativas».
Risco de ‘espanholização’
A Caixa Geral de Depósitos poderá estar na corrida. Aliás, este interesse não é novo, mas a intenção voltou a estar em cima da mesa durante a apresentação de resultados do banco público, na semana passada. «Há muitos anos que afirmo que, complementarmente, faria sentido a Caixa melhorar a sua quota de mercado no segmento de empresas, designadamente de pequenas e médias empresas, onde temos uma quota abaixo do que é o nosso natural», salientou Paulo Macedo.
Um negócio que poderá, no entanto, enfrentar alguns entraves. A Caixa, de acordo com as regras europeias da concorrência, não pode comprar a totalidade do novobanco e a compra em parcelas poderá dificultar a aquisição. «Haveria uma concentração significativa que obrigaria a vários remédios. Há sempre essa possibilidade, mas obrigaria a vários remédios», ainda assim, também admite que «a separação seria muito complexa».
Também o CEO do BCP admitiu esta segunda-feira disponibilidade para analisar uma compra do novobanco caso os acionistas optem pela venda direta e não pela entrada em bolsa, mas sublinhou que o plano do seu banco é crescer organicamente.
O BPI, detido pelo CaixaBank, também poderá estar na corrida apesar de o CEO da instituição financeira ter revelado que não está a par de qualquer operação de compra. «O BPI não tem, e eu não tenho, conhecimento de nenhuma operação que esteja em curso e a estratégia do CaixaBank compete ao acionista, por isso compete a ele próprio defini-la. O BPI não está envolvido em nenhuma operação, nós não temos em curso nenhum estudo sobre a operação do novobanco», disse João Pedro Oliveira e Costa à margem da Money Conference, que decorreu em Lisboa.
É certo que esta aquisição causa maiores ruídos, uma vez que, haveria um reforço da presença da banca espanhola no mercado português. Esta preocupação já foi transmitida por Paulo Macedo defendendo que «não é saudável para Portugal ter 50% da banca em mãos espanholas», indo ao encontro das preocupações já transmitidas pelo próprio Ministro das Finanças que se manifestou estar contra a concentração do setor bancário português em acionistas espanhóis. «A banca espanhola representa hoje um terço do mercado bancário português e creio que, por uma questão de concentração e dependência, esse valor não devia subir», salientou.
Perda de controlo nacional
João Queiroz vê com naturalidade essa preocupação já que está associada à a perda de controlo nacional sobre o sistema financeiro. «O receio da ‘espanholização’ insere-se numa resistência mais ampla à perda de ‘campeões nacionais’, fenómeno identificado como um dos principais obstáculos às fusões e aquisições transfronteiriças», diz ao nosso jornal. No entanto, também reconhece que «tal visão pode ser excessivamente defensiva: a integração bancária europeia é, em última análise, uma alavanca para maior estabilidade, eficiência e competitividade, desde que eficazmente regulada e com robusta supervisão. Mais, num espaço económico integrado, com elevada incorporação de tecnologia e numa ‘união bancária’ com salvaguarda da concorrência, pode constituir uma ameaça anacrónica e sem significado».
Mas também lembra que a «propriedade transfronteiriça, por si só, não compromete a saúde nem competitividade de um sistema bancário», referindo que «o que realmente importa é possuir uma competitiva oferta de serviços bancários com comissões adequadas e justas, a solidez e robustez das instituições, a qualidade da supervisão e a existência de mecanismos eficazes de proteção dos depositantes».
Opinião contrária tem uma fonte ligada ao setor ao lembrar que apenas a Caixa Geral de Depósitos, o Banco Montepio e o Crédito Agrícola têm capital nacional e contam com cerca de 30% de quota de mercado, o que significa que poderá novamente voltar a ser debatido se faz sentido ter os restantes 70% de quota de mercado em esfera estrangeira. «É muito invulgar ter um peso tão grande em mãos estrangeiras e penso que é caso único na Europa», diz a mesma fonte. «Poderia ser alvo de discussão estratégica já que é tanto ou mais importante do que a TAP. Um banco destes tem mais impacto na economia do que a TAP. Se Portugal já não é dono da infraestrutura elétrica, não é dono da infraestrutura de telecomunicações e não é dono basicamente da nada então tem aqui uma hipótese de resgatar uma parte do setor financeiro», refere.
Estas preocupações chegaram a ser debatidas em 2016 e deram origem a um manifesto que ficou conhecido como sendo contra a espanholização da banca. O documento foi assinado por empresários, banqueiros e outras personalidades que pretendiam combater a ‘transferência’ para Madrid dos centros de decisão sobre o financiamento da economia nacional, em que os principais rostos do movimento eram o empresário Alexandre Patrício Gouveia e o antigo banqueiro João Salgueiro, que entretanto morreu. Na altura, Salgueiro chegou a admitir que que o problema não eram os espanhóis, mas a concentração do capital da banca numa única origem. «Não me agrada nada que estivéssemos na mão dos bancos de um único país, espanhóis ou outros. Se fossem todos chineses também não me agradava, porque perdemos a independência», disse.
Já quanto ao facto de existirem cada vez menos bancos portugueses em mãos nacionais, João Queiroz diz que esta tendência acompanha o movimento de consolidação bancária observado em diversos países europeus. Mas também afirma que a redução no número de instituições bancárias não significa, por si só, uma menor oferta de serviços ou perda de qualidade. «O setor tem-se concentrado, mas também modernizado: os bancos recorreram à digitalização de processos, integração tecnológica e expansão da oferta de produtos e serviços online, o que tem permitido ganhos de eficiência significativos. Estes ganhos podem, em parte, ser repercutidos nos clientes, quer sob a forma de melhores condições, quer através de maior comodidade e inovação na relação bancária. O desafio passa por garantir que esta maior concentração não compromete a concorrência, sendo necessário assegurar uma regulação ativa e transparente que salvaguarde os interesses dos depositantes e promova um mercado equilibrado», conclui.
