A poucos dias de celebrarmos o Dia Mundial da Criança, a LUZ conversou com Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, responsáveis por uma parceria que resultou na coleção literária infantojuvenil mais famosa do país – Uma Aventura.
No número 144 do centro comercial Campo Pequeno, em Lisboa, as autoras encontram-se sentadas numa mesa, no meio da exposição dedicada ao universo dos cinco amigos – Chico, Pedro, João, Teresa e Luísa. O curador, Nélson Mateus, está sentado com elas. Ao chegarmos, recebe-nos de forma calorosa à porta, tal como as duas escritoras que emanam alegria, descontração e jovialidade.
Esta exposição – que viaja pelas memórias dos 68 títulos já editados –, surgiu do seu poder de observação. «Há muitos anos que vejo que as autoras de ‘Uma Aventura’ têm sempre filas e filas de pais e filhos na Feira do Livro, nomeadamente aqui em Lisboa, para as sessões de autógrafos e, a vontade de fazer esta exposição, nasceu disso mesmo», afirma Nélson Mateus à nossa revista.
As escritoras receberam esta proposta com uma grande alegria. «Até à data nunca tinha sido feito», asseguram. A exposição pode ser visitada até ao próximo dia 15 de junho e é composta pelas capas dos livros em grandes formatos e respetivas sinopses. Além disso, ainda possui algumas peças que explicam quem são as personagens e a pesquisa que as autoras fazem para cada livro.
Conheceram-se quando foram dar aulas para a Escola Básica Fernando Pessoa, em Lisboa. Em 1976 havia crianças que nunca tinham lido um livro inteiro. Começaram então a escrever pequenas histórias para as estimularem. O que contavam essas histórias?
Ana Maria Magalhães (AMM): Eram histórias sobre vários assuntos. A primeira que escrevemos verdadeiramente para dar aos alunos e que tinha apenas uma página, era sobre um menino que nunca tinha visto o mar e que foi pela primeira vez à praia. Na altura fazia sentido. Nem toda a gente tinha televisão, as pessoas do interior viviam muito isoladas…
Isabel Alçada (IA): Fizemos essa primeira história, era muito pequenina. As reações dele ao ver aquela imensidão do oceano, a experiência que foi…
AMM: Depois, já no fim do ano, fizemos uma maior. Chamava-se Máquina do Tempo, que depois veio dar origem a Uma Viagem ao Tempo dos Castelos, o primeiro volume da coleção Viagens no Tempo. Essa história tinha já 12 páginas e vimos que os alunos, mesmo assim, gostavam. Um dia mais tarde, quando nos tornámos escritoras, pegámos no tema – crianças que vão com um cientista que tem maneira de passar para outros séculos e que vão ao tempo dos castelos, ver como é que se vivia.
Então sentem que conseguiram cumprir o objetivo…
IA: De alguma forma os alunos melhoraram e interessaram-se mais por ler. Mas sabe que os professores nunca ficam completamente satisfeitos, porque mesmo que os alunos melhorem durante aquele ano, ficam sempre com esperança que eles melhorem muito mais no futuro. Como nós não sabemos o que acontece aos alunos, a nossa expectativa é que eles ganhem imenso, que se tornem pessoas fantásticas. Isso nunca sabemos.
AMM: Mas há uma coisa importante que já agora fica dito… Uma das nossas alegrias é que essas pequenas histórias começaram a ser pedidas por colegas – da nossa e de outras escolas –, para usarem nas aulas. Isso fez-nos acreditar que tinham qualidade. Mesmo assim, nessa altura, não pensávamos ser escritoras. Era um trabalho que nos estava a dar alegria. Queríamos continuar nessa linha. Só quatro anos depois é que nos lembrámos…
IA: De fazer uma história já com uma estrutura e dimensão que pudesse ser publicada e dar um livro.
Então foi assim que surgiu a ideia de criar Uma Aventura… Ou seja, a experiência como professoras e o respetivo contacto com os alunos contribuiu para o sucesso desta coleção. Até porque fizeram um questionário na altura para perceberem o que interessava os mais novos…
IA: Sim! Fizemos um questionário para ver que tipo de histórias interessavam mais aos alunos. Queríamos que eles lessem a história de fio a pavio e que gostassem. Naquela altura tínhamos a intuição, agora temos a certeza que a pessoa se torna leitor quando lê o livro até ao fim e repete a experiência. Nós precisávamos de ter histórias que interessassem, os agradassem e os fizessem ler. Para isso, queríamos ver que histórias agradavam mais aqueles que já liam. Eram histórias de ação, mistério e com personagens da idade deles.
AMM: Nós pusemos outras hipóteses. Histórias de desporto, do dia-a-dia, histórias de amor… Houve votos em todas, porque as pessoas são diferentes e gostam de coisas diferentes. Mas as que tiveram mais votos foram mesmo essas. Resolvemos experimentar, mas não sabíamos se íamos conseguir. Um escritor quando começa nunca tem a certeza se vai conseguir escrever tudo o que quer e se vai conseguir publicar. Agora é mais fácil… As editoras estão mais atentas aos autores portugueses, também há a hipótese das edições de autor, há concursos. Em 1982 a entrada neste mundo era muito estreita.
A escolha dos temas que mais agradaram aos alunos não foi uma surpresa, pois não?
IA: Não, até porque nós quando éramos adolescentes, já gostávamos desses temas. Também vimos que os nossos filhos gostavam… Esse questionário foi aplicado a todas as turmas de quinto e sexto ano da escola.
AMM: Mas por muito que estivéssemos convencidas que talvez fosse esse o resultado, é sempre bom perguntar! Nós não sabíamos. Precisávamos de encontrar o caminho, a porta de entrada. Ninguém fica a ler eternamente o mesmo tipo de histórias e a porta de entrada na leitura é diferente para todos.
Chico, Pedro, João, Teresa e Luísa… Todas as personagens são muito carismáticas e sabemos que foram inspiradas nos vossos alunos. Eles tiveram noção disso?
IA: Quando estávamos a preparar o primeiro livro, eles não sabiam. Nós observávamos os alunos… Escolhemos as gémeas porque eram muito engraçadas, iguais! Depois até acabei por descobrir uma coisa que as diferenciava, mas elas pediram-me para nunca dizer porque queriam manter esse segredo! (risos) O Pedro era muito bom aluno, o Chico era um bom desportista, o melhor em todas as modalidades e protegia os mais pequeninos. O João era de outra turma, mas uma vez entrou um pastor alemão na escola, numa cena de recreio onde toda a gente ficou muito alvoraçada porque tinha um ar muito feroz, e apareceu aquele rapaz pequenino que era dono do cão. Pensámos: «Cá está! Dá muito jeito para as nossas histórias um rapaz pequeno com um cão grande com quem ele tem uma relação de uma grande proximidade!». Achámos que era engraçado e fomos observá-lo sem ele dar conta. Quando saíram os dois primeiros livros, não dissemos logo. Depois partilhámos com os alunos que nos tinham inspirado e eles ficaram muito contentes!
Também eram fisicamente parecidos?
IA: Sim! Nós achámos que dava mais força à personagem se fosse mais próxima da pessoa.
Mantêm algum contacto com esses alunos?
AMM: Com as gémeas, sim! Sabemos delas, foram mães. Aqui há uns anos, uma delas foi à Feira do Livro com a filha e ela perguntou: «Oh mãe, tu metias-te nestas aventuras?». (gargalhada)
O ponto de partida para mais uma aventura é sempre o mesmo? Podem falar-nos um bocadinho do processo criativo?
AMM: Ou já temos uma ideia do que vai acontecer e temos de escolher o lugar, ou já temos o lugar e escolhemos o tema. Se a pessoa vai para um sítio de castelos, está a pedir um tesouro. Se vai para a Amazónia, certamente terá de haver qualquer coisa com uma tribo. Portanto, o lugar influencia muito o que vamos fazer. Outras vezes, partimos do que queremos e acabamos por procurar um lugar que encaixe naquilo que queremos contar.
IA: É o caso do próximo livro. Saiu em abril Uma Aventura na Curva do Rio, mas já estamos a pensar no próximo que vai ser Uma Aventura Em Busca do Navio Fantástico. Ainda não sabemos quais serão os sítios. Temos alguns em vista…
AMM: Não poderá ser no interior naturalmente! (risos) Terá de ser numa das 400 praias de Portugal.
A narrativa é sempre desenvolvida em conjunto. O que acontece quando se sentam naquela mesa na casa de Ana Maria Magalhães?
IA: As ideias vão surgindo, vamos partilhando. Uma ideia multiplica-se normalmente por 10. Uma diz uma coisa, outra diz outra… Começa a carburar… Quando alguma não gosta de uma ideia, não insistimos. Às vezes argumentamos, para explicar melhor, mas quando a outra não gosta, procuramos outras ideias. Conjugam-se muito bem.
AMM: Mas os tópicos que já tiveram aprovação de ambas, escrevem-se logo, para não esquecer. Depois, faz-se um plano. Como é que começa? Como é que continua? E como é que acaba? Começamos a escrever e escrevemos sempre em conjunto.
Esse processo tem mudado com o passar do tempo? O primeiro livro – ‘Uma Aventura na Cidade’ –, foi escrito em 1982. É natural que a nossa escrita mude com o passar do tempo… Tentaram sempre seguir a mesma linha?
IA: O método sim. Nós temos outros livros além de Uma Aventura. Nas Viagens no Tempo temos de estudar a época histórica, perceber que personagens da história vamos escolher, que personagens é que vamos escolher para conviver com as outras. Depois temos outros livros para mais pequeninos… Fomos fazendo vários tipos de histórias, mas o método é sempre o mesmo. Partimos de uma base, conversamos, fazemos o plano da história e, dentro de cada capítulo, o plano de cada um. Sabemos primeiro a estrutura geral e seguimos para a estrutura de cada capítulo. À medida que estamos a escrever, umas vezes fica, outras vezes modificamos. Essa é a liberdade que temos quando se cria.
Sempre que escrevem um livro tentam viajar até ao sítio que servirá de cenário à história. É essencial?
AMM: Há muitos autores que escreveram histórias passadas em sítios que nunca foram! O Júlio Verne, por exemplo, nunca saiu da terra onde vivia. Nós gostamos sempre de ir aos locais. Por exemplo, no livro Uma Aventura em Lisboa, entra o hospital de Santa Maria, o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém e o Aqueduto das Águas Livres… Nós já conhecíamos bem os lugares, mas fomos lá outra vez. Fomos ver com olhos de aventura: «O que é que pode acontecer aqui?».
IA: Na altura, o aqueduto não estava visitável, mas conseguimos. Nós também temos, com as nossas histórias, a intenção de fazer com que os leitores se interessem pelo local. Reconheçam aquilo que há de fantástico nos diferentes ambientes que se podem visitar. Se nós não os conhecermos, como é que conseguimos transmitir? Se fosse uma história completamente fantasista, podíamos fazer de outra maneira. Mas nós temos a intenção de que o leitor se interesse pela história e por aquilo que nós dali transmitimos: locais, monumentos, paisagem, atmosfera. Sendo professoras, temos uma tentação incrível de ensinar, despertar a curiosidade.
AMM: Dá-nos muita alegria saber que há uma visita de estudo no Palácio da Pena porque os alunos leram o livro e pediram para lá ir.
IA: Quando fizemos Uma Aventura Entre Douro e Minho, tivemos um amigo que nos disse: «Olha, este ano pensei em ir com as minhas filhas para a praia, mas elas não quiseram. Quiseram ir visitar os lugares entre Douro e Minho que estavam na vossa história».
Já passaram vários anos… A força é a mesma?
IA: É! Quer dizer… (risos) A força física é diferente, mas a força anímica das autoras é a mesma, senão maior. É muito entusiasmante para nós ver, por exemplo, que fizemos um trabalho e, depois, há uma exposição como esta. Vêm escolas, crianças, professores, pais, avós… O Nelson Mateus é que nos propôs e ficámos muito felizes por ver que o nosso trabalho dá ensejo a outras coisas. Qualquer pessoa fica satisfeita por ver que aquilo que faz é inspirador para os outros. Quando éramos mais novas tínhamos mais energia física, mas esta energia psíquica que a exposição nos deu nunca tínhamos tido. Até porque nunca tínhamos tido uma exposição.
Ainda relativamente às viagens, podem partilhar algumas aventuras que viveram e que mais vos tenham marcado? Quais os lugares mais inesquecíveis que visitaram?
AMM: A viagem à Amazónia foi muito marcante. Ir à Amazónia é ir a outro planeta, é uma coisa muito diferente de tudo o que a pessoa viu ou viveu. Cabo Verde também foi muito giro… O deserto do Saara…
IA: Fomos num carro sem ar condicionado em agosto. Acho que, nessa altura, nem existiam. Eram para ricos. Muito calor, garrafas de água que nem estavam refrigeradas… Foi inesquecível. Falámos com tuaregues, fomos a sítios onde as pessoas faziam olaria dentro da terra.
AMM: Recordo-me também de uma história em Cabo Verde, em São Nicolau. Estava num período de seca de vários anos, toda a gente muito preocupada. Disseram-nos que havia um homem que conhecia um padre que lá vivia na altura em que Cabo Verde era uma colónia e que sabia umas rezas para pedir chuva. Isto foi referido em conversa… Dissemos que gostaríamos de conhecê-lo, fomos a casa dele, falámos do tal padre e perguntámos pela oração. Só por curiosidade… Ele tinha-a numa gaveta. Lá foi buscar, disse a reza com muita emoção… Eram três da manhã quando rebentou um temporal que poucas vezes vi na minha vida. (risos) Ficámos sem água, sem luz, ficámos presas em São Nicolau por causa do temporal… O homem rezou com uma emoção excessiva. (risos) Foi uma verdadeira aventura! Na Amazónia, fomos conhecer tribos. Fomos a uma aldeia onde as casas são construídas em cima de jangadas. O rio amazonas sobe 12 metros quando há maré cheia. Portanto, sobe o rio e sobem as casas. Até têm jardins nas jangadas com bananeiras. São muito simpáticos. São contactos muito engraçados.
Mas também foram a locais que nos são mais próximos: Paris, Madrid, Sevilha…
AMM: Em Paris também nos aconteceu uma coisa giríssima! A Isabel, quando lá chegámos, adoeceu. Estava com febre e foi-se deitar. Eu fui passear sozinha pelas ruas de Paris. Íamos no dia seguinte para Nancy, estavam várias professoras lá à nossa espera. Fui a Notre-Dame rezar, a ver se ela se metia boa, andei a passear… Pelo caminho, imaginei uma personagem para a nossa história. Imaginei uma senhora alta, bonitona, mais velha do que aquilo que éramos na altura, com os cabelos loiros e um casaco roxo. Partilhei com a Isabel. Quando chegámos a Nancy, começaram a chegar as escolas e de repente – isto é inesquecível –, surge uma professora igual à mulher que eu imaginei! Dei logo uma cotovelada à Isabel! «Vem ali a minha personagem que até traz um casaco roxo!». (gargalhada)
IA: Numa outra situação, tínhamos ido a um concerto de música clássica e tínhamos inventado, para Uma Aventura Musical, uma personagem que era uma violoncelista que se chamava Maribel, usava umas roupas esvoaçantes. Quem é que surgiu no palco a seguir? A Maribel! (gargalhada) Era uma artista estrangeira.
Como em tudo na vida, às vezes as coisas não acontecem como gostaríamos. Já tiveram de mudar o plano de uma história depois de terem visitado um lugar?
AMM: Posso dizer-lhe que no deserto todas as ideias que tínhamos ficaram postas de parte. Vimos que ali não podia acontecer nada daquilo que tínhamos imaginado. Por outro lado, vivemos uns momentos um bocado aflitivos. Fizemos quilómetros e quilómetros numa carrinha sem ar condicionado, sem mantimentos e sem ver ninguém! Era eu, a Isabel e o meu marido. Não víamos pessoas, nem animais, nem plantas. Começámos a pensar que se ficássemos ali, não sei se ainda não estávamos lá. (risos)
Já desistiram de alguma história?
IA: Não! Nós quando acabamos um capítulo, lemos alto. Se não gostamos, fazemos outra vez. Fazemos sempre assim, portanto, quando chegamos ao final da história, geralmente já está muito revisto. Nunca deitámos fora uma história inteira!
AMM: Deitámos os dois últimos capítulos de Uma Aventura em Cabo Verde. Foram três vezes para o caixote do lixo, porque quando líamos outra vez sentíamos que não nos satisfazia. Deita fora e faz outra vez! (risos) As coisas para serem simples e claras dão sempre mais trabalho do que serem confusas e complicadas, não é? Tem de encaixar tudo bem!
Muitos artistas falam dos bloqueios criativos…
IA: Nós somos duas, desbloqueamo-nos uma à outra! (risos).
AMM: Era mesmo um azar se bloqueássemos as duas ao mesmo tempo. (gargalhada) Até hoje – já lá vão 43 anos –, nunca aconteceu.
Qual é o segredo para uma parceria durar 43 anos?
AMM: Não há segredo… Somos amigas e há coisas que foi a natureza que nos deu! Por acaso temos ideias parecidas. Pensamos da mesma maneira o que se deve dizer às crianças, como é que se deve dar aulas… Calhou! Depois temos o mesmo ritmo de trabalho, somos as duas super aceleradas. Também criámos um ambiente familiar semelhante. Famílias grandes, muito alegres, com crianças animadas, mas educadas… Isso ajudou muito. Além disso, fomos educadas a não criar conflitos. Nunca brigámos. E temos muito respeito uma pela outra. Se a Isabel me ligar a dizer que afinal não consegue vir ter comigo para trabalhar, não me vou chatear. «Não podes, não vens. Amanhã há mais!». Isso é muito importante no trabalho de equipa.
Já admitiram em várias entrevistas que não estavam à espera do sucesso da coleção. A publicação do primeiro livro não foi fácil. Depois de estar concluído, passaram por três editoras e nenhuma o quis publicar. Como a Isabel referiu, só conseguiram à quarta tentativa. Isso fez-vos interrogar o vosso trabalho?
AMM: Não me fez duvidar que o livro era engraçado, mas fez-me duvidar se conseguiríamos publicar.
IA: Mas íamos continuar a tentar!
AMM: A terceira editora é que nos disse que havia uma outra editora pequena que estava a começar e tinha poucos autores – A Caminho. Eu já ia convencida que não iam querer e quando o Zeferino Coelho me disse que precisava de um mês para tomar uma decisão, desanimei por completo. Um adulto lê estes livros numa hora e meia… Mas depois foi uma alegria imensa e ele pediu-nos outro. Nós pensámos que ele tinha gostado tanto que queria mais um. Só há pouco tempo é que eles nos disse que pensava que nós não éramos capazes de escrever mais nada e, se não fossemos, não valia a pena.
Subestimou-vos!
AMM: (risos) Subestimou-nos! Ficámos muito admiradas quando ele nos disse isto.
São 68 livros e mais de 9 milhões de exemplares vendidos. Quando é que tiveram noção de que estavam a ficar marcadas na história da literatura infantojuvenil?
AMM: Para dizer a verdade, perceber até que ponto marcámos gerações foi agora com o TikTok e o Instagram. A minha neta mais velha, a Matilde, resolveu criar uma página. Na altura pensei que se calhar ninguém ia dizer nada. Telefonei às minhas irmãs a pedir para meterem gostos ou comentários. Afinal foi um boom! Agora é que eu percebo! Na Feira do Livro muita gente aparece e diz coisas bonitas, mas nunca pensei que fosse tanta gente! É uma coisa maravilhosa pensar que o que fizemos ajudou gente.
IA: Ver o número de pessoas que veem os vídeos. Fica lá um registo! São milhares!
AMM: E os que dizem: «Foi por causa dos vossos livros que comecei a gostar de ler!». Isso só pode dar uma grande alegria a qualquer escritor.
IA: Nós não percebemos nada das redes sociais. Temos outra idade e sei que o Instagram, por exemplo, é muito atraente. Não me queria deixar enredar. Agora tenho [Instagram], mas sempre com muito cuidado! (risos) Também gostamos muito de dar gás aos netos. Se os netos dão uma ideia, nós apoiamos. (risos)
AMM: A minha neta e o namorado disseram que a maneira de comunicar agora é nas redes sociais e que eu tinha de entrar. Mal ao mundo não vinha, não iria prejudicar em nada a nossa obra. Por isso, aceitámos. Pensávamos que tínhamos umas centenas de pessoas que gostavam dos nossos livros. Afinal são milhares e manifestam-se! Eles é que gravam e editam. A Matilde escolhe o tema e nós metemo-nos em frente ao telemóvel a falar. Depois eles cortam e montam. É muito giro.
Como é que olham para a literatura infantojuvenil atual?
AMM: Muito bem! Há muita coisa. As crianças são todas diferentes, os ambientes são todos diferentes, os desejos das crianças de todas as idades são variados. Portanto, neste momento, a quantidade de livros portugueses e estrangeiros de todos os géneros, com muita ilustração, com pouca ilustração, histórias alegres, tristes… Há tudo! Pais ou professores que queiram ir a uma livraria ou feira escolher, têm muitas opções. O que não se deve fazer é impingir às crianças livros que elas não querem. Isso é uma “vacina” anti-leitura.
Na sala de aula também devia ser assim?
IA: Houve uma época em que os professores escolhiam com os alunos o que ler para incentivar o gosto pela leitura. Agora faz-se menos. Eu não sou nada pelas listas de recomendação exteriores. O mundo da leitura é livre e aberto. Há tanta coisa.
AMM: Na minha opinião, um livro não se trabalha. Lê-se! O professor deve ler com os alunos um livro que eles gostem e, quando acabar esse, ler outro, tentando variar os autores. Agora, estar a esquartejar um livro, não interessa nada. DevemoLs falar do conteúdo da história.
IA: As ideias e histórias que estão nos livros são o mais interessante. NLão é a estrutura do texto, da escrita…
AMM: Isso deve fazer-se em pequenos textos. Uma pessoa pode pegar num texto de uma página ou duas e dividir em partes, ver as orações, etc. Um livro não. Lê-se um bocado, conversa-se… Para não falar de outra coisa no secundário que eu acho desastroso…
Os livros obrigatórios?
AMM: Precisamente… Entrar-se nesta aldrabice que há livros obrigatórios que ninguém lê – leem os resumos –, e avaliar os alunos. Eles sabem perfeitamente que estão a ser enganados, mas fingem que não sabem.
IA: Os professores deveriam, em conjunto com os alunos, escolher, dentro de um leque de autores que consideram importantes, as obras mais adequadas para aquele grupo. Isso é fácil de fazer…
AMM: Por exemplo, ninguém deve sair do secundário sem ter passado por Eça de Queiroz. Mas se há uma turma que não consegue ler um romance, é melhor ler um conto dele, do que fingir que leu o livro todo.
IA: Isso afasta os jovens da leitura, ao invés de os aproximar e incentivar. A leitura é uma coisa lúdica, não é um sacrifício!
O mais recente livro, o número 68 da coleção, intitulado ‘Uma Aventura na Curva do Rio’, foi lançado este ano. Já admitiram estar a trabalhar no próximo… Não vão parar…
AMM: Enquanto tivermos ideias… Um dia vai secar, mas ainda não secou! (risos) Vamos continuar a publicar uma aventura por ano! E temos outros projetos…
Com o dia da criança à porta, quais os três títulos que recomendariam?
IA: Conforme a idade e a pessoa! Se forem muito pequeninos, livros fininhos. A maior recomendação é que quem escolhe os livros vá com os miúdos e veja o que eles gostam.
AMM: Para as outras idades também. Quem quer dar um livro deve de ir com a própria criança e deixá-la folhear, ver e escolher. Se não for assim, se calhar não resulta!