O tema esteve na agenda das últimas legislaturas, durante as quais a esquerda teve uma maioria clara no parlamento, mas entre idas e vindas a Belém e ao Tribunal Constitucional, a lei da eutanásia não viu a luz do dia – e agora, dificilmente verá.
A lei da morte medicamente assistida, votada e aprovada no parlamento, pela primeira vez em janeiro de 2021, nunca chegou a ser regulamentada nem a entrar em vigor em Portugal. Marcelo Rebelo de Sousa fez o possível por obstaculizar uma lei com que não concorda e agora, no final do seu mandato, é bem provável que o tenha conseguido, com a ajuda do Tribunal Constitucional (TC), que por três vezes foi chamado a pronunciar-se sobre a lei.
Se das primeiras vezes, os juízes conselheiros pediram apenas pequenos ajustes, prontamente atendidos pelos deputados, a verdade é que foi no último acórdão, já entrado depois da promulgação da lei, que a apreciação do TC, acabou por inviabilizar o processo de legalização da eutanásia.
Quando esta segunda-feira o almirante Gouveia e Melo afirmou, numa entrevista à CNN, ser pró-vida e ter muitas dúvidas na promulgação da lei da eutanásia tencionando, caso lhe chegue às mãos, enviá-la para o Tribunal Constitucional, foram muitas as vozes que vieram dizer que a lei estava aprovada e que agora teria de ser regulamentada.
Mas o processo não parece ser tão simples. É que já depois de ter sido aprovada a lei, faltando só ser regulamentada, o CDS fez um pedido à Provedora da Justiça (a agora ministra da Administração Interna Maria Lúcia Amaral), para enviar a lei ao Tribunal Constitucional, já que o partido estava impedido de o fazer. Simultaneamente um grupo de deputados do PSD, fez idêntico pedido de fiscalização sucessiva. Apesar de os pedidos de fiscalização, por serem sucessivos, não impedirem que a lei entrasse em vigor, a verdade é que o último governo preferiu esperar por mais este veredicto do TC, antes de regulamentar a eutanásia.
O novo acórdão surgiu em abril, já em tempo de pré-campanha eleitoral e, de acordo com vários juristas, torna este processo inviável, ou seja, é preciso uma nova lei aprovada no parlamento, para que a morte medicamente assistida possa voltar a ver a luz do dia.
Vários deputados envolvidos no processo, têm vindo defender nos últimos dias a ideia de que basta retirar alguns artigos ao diploma para que o processo possa avançar. Mas vários juristas, inclusivamente os que apoiam a lei são unânimes em considerar que este processo está morto.
Teresa Violante, constitucionalista e uma das maiores apoiantes da legalização da eutanásia em Portugal, não deixou dúvidas em entrevista recente ao jornal Público:
«É uma inexistência jurídica. Quer dizer, não é preciso um grande exercício político para a ressuscitar, desde que haja maioria parlamentar necessária para o fazer. Os juízes dizem expressamente que, sem um regime jurídico que garanta a obrigatoriedade de um exame físico ao requerente de eutanásia por um médico especialista, é a própria decisão de legalizar a morte medicamente assistida que fica inquinada. Todo o regime jurídico ficou invalidado até o legislador resolver o problema».
E em resposta aos que contestam esta interpretação, considerando que basta eliminar os artigos problemáticos da lei, Teresa Violante é clara, «não faz sentido absolutamente nenhum. Não só não corrigiram como disseram que não é possível uma qualquer legalização da morte medicamente assistida sem que este problema esteja resolvido. Porque é a própria legitimidade dessa legalização que fica posta em causa, por violação do princípio de proibição da proteção insuficiente da vida humana».
Com esta leitura do novo acórdão, a maioria, agora à direita no parlamento, não tenciona reabrir o processo. À esquerda, mesmo somando os votos da Iniciativa Liberal, que desde o início defendeu a legalização da eutanásia, não há deputados suficientes para aprovarem a lei. Os deputados da AD e do Chega têm uma maioria clara na Assembleia da República e, neste aspeto estão de acordo: são contra a reabertura do tema. Quatro anos depois, a legalização da eutanásia fica adiada pelo menos até ao fim desta legislatura.