Quem ouviu Luís Montenegro durante a campanha eleitoral, na noite de 18 de maio e nas declarações que foi fazendo nos dias que se seguiram, sobretudo no Conselho Nacional do PSD de há uma semana, dificilmente terá ficado surpreendido com a composição do novo Governo. Na própria noite eleitoral o chefe do executivo fez questão de realçar que a votação significava que os portugueses queriam não só «este primeiro-ministro», como também «este Governo». Portanto, não eram de esperar grandes alterações numa equipa que esteve menos de um ano no cargo.
Reformular profundamente ministérios seria um erro e uma perda de tempo para quem já disse e repetiu que queria começar a governar e a implementar mudanças que resolvam os problemas dos portugueses a partir do primeiro dia em funções. Portanto, na hora de escolher a versão 2.0 do novo executivo, optou por alterações cirúrgicas: substituiu aqueles que já se sabia que iriam sair – Pedro Duarte e Dalila Rodrigues – pela prata da casa – Carlos Abreu Amorim e Margarida Balseiro Lopes; trocou aqueles que tiveram de sair – Pedro Reis e Margarida Blasco – por nomes fortes – concentrou a Economia em Manuel Castro Almeida e chamou a até agora provedora da Justiça, Maria Lúcia Amaral para a Administração Interna.
Mas a grande novidade – diria mesmo a grande aposta do novo Governo da AD – que reflete o que Montenegro foi dizendo aqui e ali durante a após a campanha, foi a criação do ministério da Reforma do Estado, dando ao seu titular o estatuto de ministro adjunto. O que significa que terá o respaldo do primeiro-ministro – ou atuará com ele – para intervir transversalmente em todas as políticas setoriais do governo, para conduzir uma verdadeira reforma do Estado e das Administrações Públicas, no seu funcionamento e na relação com os cidadãos.
Não basta continuar os já anunciados planos de transformação digital da administração pública, simplificação dos serviços e eliminação de redundâncias que vinham sendo desenvolvidos por Balseiro Lopes. É fundamental reduzir a burocracia que tantos entraves coloca à vida dos cidadãos e das empresas, que passam anos à espera de respostas para questões simples ou são empurrados de serviço para serviço porque é necessário mais um papel ou um carimbo numa decisão. É preciso aumentar a transparência nas nomeações e decisões, acabar com a cultura de informalidade, inserir mecanismos de responsabilização para que a culpa deixe de morrer solteira e, dessa forma, se combata a corrupção. É necessário extinguir institutos e observatórios inúteis, acabar com departamentos duplicados criados para dar emprego a quem tem cartão partidário. No fundo, fazer com que a administração pública deixe de ser um problema e se torne um fator de confiança para cidadãos e empresas.
Para levar a cabo tamanha tarefa, Luís Montenegro foi buscar à Fundação Francisco Manuel dos Santos Gonçalo Saraiva Matias, um jurista com provas dadas que na função anterior chegou a dizer que, para além dos diagnósticos, estava em condições de fazer recomendações de política publica. Terá agora a sua oportunidade. O seu sucesso ou o seu fracasso será determinante para o futuro de Luís Montenegro e do próprio Governo da AD.
Uma eventual revisão constitucional pode ter sido afastada no imediato, mas a verdade é que ela não ficou fora das cogitações do Governo, tal como Luís Montenegro fez questão de afirmar no Conselho Nacional do PSD. Ao mesmo tempo que disse que a revisão não esteve em discussão na campanha e não era uma prioridade, o primeiro ministro acrescentou também que isso não significava que ela não seria feita «lá mais para a frente».
Caso decida avançar, correspondendo aos desejos da Iniciativa Liberal e do Chega, o núcleo duro do Executivo passou a contar com dois especialistas na área. Para além de professor de direito, Gonçalo Saraiva Matias foi durante vários anos assessor do Presidente da República Cavaco Silva para os Assuntos Jurídicos e Constitucionais, sendo desde 2014 consultor da Casa Civil da presidência para a mesma área. Já a nova Ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral é uma constitucionalista reputada que foi juíza conselheira e vice-presidente do Tribunal Constitucional. Foi ela, aliás, que no início de 2024 requereu a inconstitucionalidade da lei da eutanásia – algo a que o Tribunal Constitucional lhe deu razão.