Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar Gaza

O genocídio não começa com as bombas, mas com a desumanização. Termina – se terminar – com a mobilização de todos

1. Em Gaza, Israel está a cometer um genocídio. Não sou (só) eu quem o diz, são os factos e a relatora especial das Nações Unidas para os Territórios Palestinianos Ocupados. Desde outubro de 2023, o mundo assiste a uma escalada de violência na Faixa de Gaza, palco de uma das mais graves crises humanitárias deste século XXI.

O crime de genocídio é definido como a prática de atos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Não interessa o meio, se com armas se com fome, interessa a intenção.

Há 16 meses, o Tribunal Internacional de Justiça reconheceu o risco de genocídio e pediu medidas urgentes para o travar, declarando também que a ocupação de territórios por Israel é ilegal, uma forma de agressão, de segregação racial, de apartheid. Também a Amnistia Internacional e Human Rights Watch alertam para a violação sistemática do Direito Humanitário.

Voltei de Israel e dos territórios ocupados da Palestina recentemente, no contexto de uma missão do Parlamento Europeu, e desde então o horror – que me parecia já impossível de aumentar – não parou de crescer. 

Gaza é, hoje, o sítio com mais fome no mundo. De novo, não sou eu quem o diz, são as Nações Unidas. Gaza é o local «100% da população corre o risco de fome extrema», disse a semana passada Jens Laerke, porta-voz das Nações Unidas para a coordenação dos assuntos humanitários.

Morreram, em Gaza, quase 60 mil pessoas, 16 mil das quais crianças. 

É preciso agir!

2. Por estes dias, vários Estados-Membros pediram a suspensão do acordo UE-Israel, tendo em conta o desrespeito pelos Direitos Humanos e pelos princípios democráticos, conforme estabelecido no Artigo 2.º do acordo. Posição que devia ter sido tomada há muito tempo.

Portugal esteve bem ao juntar-se ao grupo de países que apoiou esta iniciativa. A suspensão total do acordo será difícil, uma vez que exige unanimidade. No entanto, a violação do Artigo 2.º implica uma obrigação moral e de coerência em suspender as disposições comerciais e a participação de Israel em projetos comunitários, como o programa-quadro de investigação e inovação Horizonte Europa.

É imperativo que Portugal reconheça o Estado da Palestina e o direito dos palestinianos à autodeterminação, tal como fizeram, em 2024, Espanha, Noruega, Irlanda e Eslovénia.

«Vemos, ouvimos e lemos»: cada imagem, cada relato convoca a nossa ação. A omissão, perante a clareza dos factos, é uma forma de cumplicidade.

O genocídio não começa com as bombas, mas com a desumanização. Termina – se terminar – com a mobilização de todos. Não basta lamentar. É preciso denunciar, agir, pressionar governos, apoiar organizações humanitárias e amplificar as vozes palestinianas. Como disse Sophia, «não podemos ignorar»