Suspeito da Operação Picoas morre soterrado na República Dominicana

Hakim Boubazine, ex-diretor da Altice nos EUA e homem forte na República Dominicana, foi uma das mais de 200 vítimas mortais do desabamento de uma discoteca em Santo Domingo.

O antigo diretor de operações da Altice USA e homem forte da empresa na República Dominicana, Hakim Boubazine, suspeito de ser um dos testas-de-ferro dos dois principais arguidos da operação Picoas, morreu soterrado em abril deste ano, na sequência do desabamento do clube Jet Set em Santo Domingo, que fez mais de 200 vítimas mortais, um acidente que na altura foi notícia em todo o mundo. O gestor – que se tinha mudado de Nova Iorque para aquele país após o escândalo ser público a nível internacional – assistia com a sua mulher a um espetáculo de Rubby Pérez, cantor dominicano e referência do merengue quando se deu o colapso, cujas razões são ainda hoje desconhecidas uma vez que a investigação das autoridades dominicanas não está concluída.

Hakim Boubazine terá sido fundamental numa das vertentes criminosas do esquema traçado por Armando Pereira – cofundador da maior operadora francesa, detentora da antiga PT – e pelo seu braço direito Hernâni Vaz Antunes que, segundo o Ministério Público (MP), terão sido o cérebro de um circuito financeiro que terá lesado o Estado em cerca de 200 milhões de euros.

O esquema engendrado pela dupla para delapidar o património da Altice terá visado toda a panóplia de bens e serviços a que uma operadora de telecomunicações tem de recorrer – como os que são prestados por fabricantes de telemóveis, centrais telefónicas, antenas ou cabos de fibra. Para atingirem os seus objetivos, Antunes abordava os fornecedores com ofertas de contrapartidas para ficar com uma percentagem dos seus lucros (o que configura um crime de corrupção privada, na tese do MP). Se o contacto corresse mal, ficavam com o próprio negócio. 

A tese do MP é que, estando Armando Pereira à frente das compras do grupo, poderia desviar o negócio de determinados fornecedores para empresas-veículo que Antunes ia criando em cascata. O circuito financeiro do capital assim obtido terminava no Dubai: aqui, era dividido entre ambos em partes iguais, usando sempre contas offshore.

As viciações dos procedimentos de contratação não seriam possíveis sem a corrupção de gestores em lugar de topo. Segundo o MP, foi esse o caso de Hakim Boubazine, que estava à frente da filial do grupo nos EUA, tendo sido decisivo, por exemplo, na venda a Hernâni da Excell Communications inc, uma participada da Altice que chegou a ser a quinta maior operadora de longa distância dos EUA.

Assim, segundo o MP, Antunes conseguiu uma faturação de cerca de 1,5 mil milhões de euros, em que parte corresponderá ao volume de negócios reais e a outra a serviços empolados e comissões estando ainda por apurar a totalidade relativa à delapidação do património da Altice a nível internacional. Recorde-se que as autoridades francesas, após a detenção de Armando Pereira, braço direito de Patrick Drahi, dono da operadora, também abriram um inquérito por corrução.

Boubazine estava em Portugal quando, em junho de 2023, o procurador Rosário Teixeira e o inspetor da Autoridade Tributária Paulo Silva, desencadearam as buscas da Operação Picoas, tendo fugido do país juntamente com Yossi Benchtrit, o genro de Armando Pereira, que também trabalhava para a filial americana, graças a uma fuga de informação. O MP não conseguiu, por isso, constituí-los arguidos. Agora, com a morte de Boubazine, extingue-se o procedimento criminal contra o gestor de topo da Altice.

Dois anos depois das buscas, e não tendo ainda sido deduzida acusação, as medidas de coação impostas aos arguidos já caducaram. Recentemente, a defesa de Armando Pereira requereu a aceleração processual do caso, o que foi acolhido pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que deu seis meses ao DCIAP para acusar ou arquivar o inquérito. O prazo terminou em maio e Rosário Teixeira, titular do inquérito, pediu ao PGR a revogação do mesmo para poder concluir diligências ainda em curso. Segundo o Nascer do SOL apurou, apenas duas das sete cartas rogatórias enviadas, nomeadamente para a Suíça e para o Luxemburgo, obtiveram resposta.

No processo, em Portugal, está em causa a «viciação decisória do grupo Altice em sede de contratação», com práticas lesivas das empresas daquele grupo e da concorrência que indiciam existir «corrupção privada na forma ativa e passiva e crimes de fraude fiscal e branqueamento.»