A subida meteórica da representação parlamentar do Chega – que, recordo, elegeu apenas 1 deputado em 2019 e 12 em 2022 – surpreendeu aqueles que julgavam Portugal imune à vaga da direita nacionalista, e tem sido objeto de muitos comentários. Em seis anos, o partido passou de marginal a protagonista, um fenómeno que ecoa as dinâmicas descritas por Vicente Valentim no seu recente livro The normalization of radical right: A norms theory of political supply and demand (OUP, 2024). As teses de Valentim, embora não dirigidas especificamente ao caso português, aderem a ele de tal modo que poderíamos pensar que Ventura as usa como guião.
Em essência, Valentim considera que existe uma importante diferença entre a motivação intrínseca dos cidadãos (as suas preferências) e a sua expressão pública ou através do voto. As preferências desenvolvem-se e consolidam-se, determinadas por fatores económicos – globalização, automação, crise da habitação, imigração, pobreza, perceção de corrupção – ou por forças não materiais – perda de identidade e do sentido de comunidade, perceção de insegurança, ansiedade perante a imigração, medo da mudança acelerada. Contudo, o modo como essas preferências se manifestem não é automático. A tradução das preferências em comportamentos depende dos custos sociais associados à sua expressão pública. Quando o estigma político e social a manifestar preocupações e posições associadas à direita mais radical (anti-imigração, por exemplo) é grande, muitos indivíduos podem escolher não as manifestar. Essas suas preferências permanecem, então, ‘silenciosas’. Contudo, por serem ocultas, torna-se difícil avaliar quantos as professam e qual a seu verdadeiro peso no mercado eleitoral; consequentemente, é difícil encontrar plataformas políticas sérias e protagonistas credíveis que as representem. Permanecem, assim, sem qualquer expressão eleitoral própria, e os seus votos dispersam-se por outros partidos. Terá sido o caso em Portugal do PNR – Partido Nacional Renovador.
Este ‘equilíbrio’ (a que Valentim chama «latência») – em que os políticos radicais de direita são extremistas exóticos, pouco credíveis e incompetentes e as preferências do eleitorado permanecem silenciosas – pode ser perturbado por ‘choques’. Valentim considera dois tipos de choques que devem ocorrer contemporaneamente: um gatilho exógeno e o aparecimento de um empreendedor político. Em Portugal esse gatilho foi, estou convencido, a entrada de mais de um milhão e meio de imigrantes em cerca de 10 anos, muitos deles de culturas dificilmente integráveis. Este choque permitiu que certos sentimentos nacionalistas e mesmo xenófobos viessem à superfície, ainda que a espaços e mitigados, e, assim, se ‘normalizassem’. O empreendedor político foi, é claro, André Ventura, que habilmente foi capaz de perceber e mobilizar o suporte latente para uma agenda de direita nacionalista. Só falta um passo para que encontremos um novo ‘equilíbrio’ estável, no qual os eleitores manifestam abertamente as suas preferências e estas encontram protagonistas capazes: Ventura ser capaz de construir um governo sombra qualificado. Então, a fase final do processo de normalização da direita radical estará completada e Ventura pode aspirar a, um dia, ser eleito governo.
Valentim e Ventura
A subida meteórica da representação parlamentar do Chega – que, recordo, elegeu apenas 1 deputado em 2019 e 12 em 2022 – surpreendeu aqueles que julgavam Portugal imune à vaga da direita nacionalista, e tem sido objeto de muitos comentários. Em seis anos, o partido passou de marginal a protagonista, um fenómeno que ecoa as…