Do outro lado do Atlântico

Muitos acreditam que a disrupção provocada por Donald Trump pode mesmo atrair mais fábricas para solo americano.

Ao aterrar nos Estados Unidos da América (EUA) percebe-se rapidamente que o discurso de Donald Trump marca o ritmo político e económico do país. Escrevo este artigo a partir de Washington, onde tenho estado ao longo desta semana, em contacto com norte-americanos e europeus que ainda acreditam no valor da relação transatlântica.

Numa altura em que a desconfiança dos europeus relativamente aos americanos se intensificou na sequência do discurso duríssimo de JD Vance na Conferência de Segurança de Munique, visitar os EUA foi útil e necessário. Ao longo dos últimos dias, tive a oportunidade de ouvir, debater e compreender as perspetivas de representantes dos partidos Republicano e Democrata, de académicos, de empresários e membros de organizações da sociedade civil. Apesar das diferenças políticas e de formas diferentes em encarar os mesmos desafios, prevalece nos dois lados do Atlântico a consciência da importância desta relação, entre os EUA e a União Europeia (UE).

A grande preocupação que paira na capital do país tem a ver sobretudo com as tarifas. Muitos acreditam que a disrupção provocada por Donald Trump pode mesmo atrair mais fábricas para solo americano. Mas é uma visão limitada. Se a Europa responder com reciprocidade, como é natural que o faça, muitas empresas americanas pensarão duas vezes antes de abandonar o mercado europeu. A UE representa um espaço económico com mais de 450 milhões de consumidores, pelo que o movimento de deslocalização da produção também poderá ocorrer, dos EUA para solo europeu.

Entretanto, os sinais já chegaram às prateleiras das grandes superfícies. O Walmart aumentou preços. A Target também. E embora algumas empresas tentem desvalorizar o impacto dos impostos sobre importações, a verdade é que os custos se acumulam e acabam inevitavelmente nos bolsos dos consumidores. Curiosamente, muitos dos que defendem estas medidas como impulsionadoras da economia são os mesmos que, em privado, admitem receios quanto ao futuro das cadeias de abastecimento e ao custo de vida. A dissonância entre o discurso político e a realidade económica é gritante.

A Europa, até agora, tem procurado responder com contenção, mas também com firmeza. O risco de fraturas duradouras na relação comercial é real e é por isso que a resposta europeia deve ser proporcional, mas estratégica.

Desta visita aos EUA há um dado que retiro de todas as interações com os nossos amigos americanos e que serve para reflexão: durante muito tempo a relação transatlântica funcionou em piloto automático. A verdade é que o mundo mudou. Não sei se se trata de um momento de reconstrução ou de reinvenção da histórica relação transatlântica. Talvez o termo adequado seja mesmo modernização. A geopolítica está mais volátil, o comércio mais tenso, e os dois lados do Atlântico precisam de se entender com mais realismo e menos retórica. Mas não tenho dúvidas de que a relação transatlântica continua a ser vital. Já não pode é basear-se apenas na memória histórica ou afinidade cultural. Requer equilíbrio, previsibilidade e respeito mútuo. Para tal, o desafio está em encontrar um novo modelo de cooperação com os EUA, defendendo sempre os nossos interesses, mas sem abdicar dos nossos princípios.

Eurodeputada PSD