O fim do PS chegou a Portugal?

O que hoje sucede ao PS português ecoa, em muitos aspetos, o destino do outrora hegemónico PS francês, hoje reduzido a quase nada.

O anúncio da morte do PS é prematuro, mas a degradação da sua base eleitoral é hoje inegável. Não se trata de uma crise passageira. É um declínio estrutural, um processo de erosão prolongada que reflete um fenómeno mais vasto no Ocidente: o desmoronamento progressivo dos partidos socialistas tradicionais na Europa.

O que hoje sucede ao PS português ecoa, em muitos aspetos, o destino do outrora hegemónico PS francês, hoje reduzido a quase nada. Os fatores de declínio são similares: perda de identidade ideológica, elitização, afastamento das classes populares e captura por uma lógica sistémica que esvazia o conteúdo programático e a função representativa.

Um dos elementos centrais desta crise é o desaparecimento da matriz ideológica. Os partidos socialistas do Sul europeu, como o português ou o espanhol, nunca foram marcadamente marxistas, mas assentavam numa tradição social-democrata reformista, ancorada na justiça social, na regulação do mercado e na defesa das classes trabalhadoras. Com o tempo, essa base diluiu-se. A partir de 1980, com Mitterrand em França e Felipe González em Espanha, e mais tarde com François Hollande e José Sócrates, assistiu-se a uma adesão gradual às doutrinas do liberalismo económico. O Estado social foi sendo desmontado, as nacionalizações abandonadas, o discurso da igualdade eclipsado.

Essa mutação, disfarçada sob o rótulo de modernização, afastou a base tradicional do socialismo democrático: operários, pequenos trabalhadores urbanos, funcionários públicos. A subordinação às regras orçamentais da União Europeia e a recusa de reequacionar o modelo económico vigente converteram o PS num partido de gestão, mais preocupado com equilíbrios tecnocráticos do que com qualquer projeto transformador. Simultaneamente, o deslocamento para um centro ideológico amorfo, promovido como sinal de moderação, dissolveu a identidade política do partido. Uma parte do eleitorado foi absorvida por outras formações e por novos partidos que se reclamam da superação das clivagens tradicionais. A isto soma-se a degradação dos quadros partidários, hoje dominados por carreiristas sem experiência fora da militância ou do aparelho. Décadas de governação geraram redes de clientelismo, casos de corrupção e um profundo desgaste simbólico que afetou de forma duradoura a imagem pública do PS.

No plano europeu, a tendência repete-se. Os partidos socialistas italianos colapsaram, os sociais-democratas alemães perdem expressão popular, e mesmo onde resistem, como na Escandinávia, têm cedido terreno à direita populista ou às novas esquerdas urbanas. Este declínio reflete uma mudança mais profunda: a crise da representação política tradicional e a ascensão de alternativas anti-sistema que capturam o descontentamento social.

Em Portugal, o PS tornou-se, em larga medida, um partido de elites urbanas e de quadros dependentes do Estado, afastado do mundo rural, das periferias metropolitanas e do funcionalismo público, precisamente os setores que lhe garantiam legitimidade histórica. Incapaz de articular uma crítica eficaz ao liberalismo económico, à insegurança cultural ou à fragmentação identitária, o partido descaracterizou-se. A sua imagem é agora a de um partido do sistema, mais preocupado em gerir do que em reformar. E num tempo em que cresce o cansaço com o politicamente estabelecido, o PS corre o risco de se tornar não apenas irrelevante, mas dispensável.